A Justiça Federal anulou a portaria da União que criou, em 2007, uma área indígena de 2,7 mil hectares entre os municípios de Saudades e Cunha Porã, no Oeste de Santa Catarina.
A recente decisão é da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4ª), em Porto Alegre, que atendeu aos argumentos apresentados pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), junto com os agricultores que possuem títulos de propriedade no local, e reformou deliberação de 2012 do mesmo tribunal, que reconhecia a reserva silvícola Araça’i. A demarcação implicaria na saída do local de 131 famílias de pequenos agricultores, que trabalham em regime de subsistência, totalizando 417 pessoas.
O unânime acórdão do TRF foi baseado no fato de que as terras em discussão não eram ocupadas por índios desde 1963 e também que, em outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, a área não era objeto de litígio nem estava judicializada.
Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, só devem ser declaradas áreas indígenas aquelas que estavam ocupadas por índios quando proclamada a Constituição, o que não é o caso da Reserva Indígena Guarani de Araça’i, criada em 2007, pela Portaria Nº 790, do Ministério da Justiça.
Naquele mesmo ano, os agricultores que moravam na região há oito décadas ingressaram com ação judicial questionando o ato do governo federal. Em primeira instância, o Juízo Federal de Chapecó anulou a Portaria.
Porém, em 2012, o TRF 4ª acolheu recurso do Ministério Público Federal (MPF) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) e reformou a decisão votando pela legalidade da iniciativa da União.
Na sequência, Santa Catarina, que já contestava a desapropriação da área em processo administrativo desde 1995, pleiteou e conseguiu a sua inclusão no processo judicial, como assistente litisconsorcial, em razão de seu evidente interesse no litígio.
Assim, a PGE recorreu do acórdão, através de embargos declaratórios apresentados pelo procurador do Estado Loreno Weissheimer, questionando o fato de o colegiado do Tribunal, ao decidir em favor da União, em 2012, ter deixado de avaliar a tese sobre a inexistência de ocupação indígena tradicional na área em litígio.
De acordo com a relatora do processo, desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, este fato é incontroverso. “A tese dos réus (União, Funai e MPF) baseia-se única e exclusivamente na existência de indígenas nos municípios de Cunha Porã e Saudades, antes de 1962, quando teria saído o último silvícola do local, de nome Sebastião”, afirmou, salientando que o primeiro registro de conflito na região ocorreu no ano 2000, quando houve a invasão de uma propriedade por parte dos índios.
No julgamento realizado no início deste mês, a desembargadora também acolheu o entendimento da PGE de que as poucas famílias indígenas que viviam na área até 1962 não constituíam uma aldeia, onde se cultuava e se preservava a cultura indígena, mas eram pequenos agricultores, sem qualquer vínculo com a preservação das tradições silvícolas.
“A propósito, as testemunhas ouvidas foram uníssonas ao afirmar que viviam como pequenos agricultores, frequentavam a igreja católica, iam às missas, trabalhavam nas fazendas como diaristas, meeiros e parceiros rurais, enquanto outros eram empregados das empresas colonizadoras, atuando na medição de terras. O plantio de subsistência que possuíam era desenvolvido com sementes que compravam na cidade ou de outros agricultores.”
Ao justificar o seu voto pelo provimento aos embargos de declaração, que foi seguido pelos outros dois desembargadores da 4ª Turma do TRF, a desembargadora transcreveu parte da sentença de primeira instância:
“Apenas para fins de registro, observe-se que até mesmo no critério da proporcionalidade e justiça social a situação pretendida pela Funai causaria um grande drama social, de impacto incalculável, pois no caso em tela pretendia-se desabrigar 131 famílias de pequenos agricultores, que trabalham em regime de subsistência, para criar no local uma reserva onde nunca houve aldeia indígena e lá alojar não mais do que 15 famílias de descendentes de guaranis, que vivem desde longa data em duas grandes reservas indígenas: Toldo Nonoai (RS) e Toldo Ximbanque (SC).” (Apelação/Reexame Necessário Nº 5000201-60.2012.404.7202/SC)
>>> Confira alguns argumentos da PGE que embasaram a decisão do TRF:
Da inexistência de posse indígena
“Na área em estudo de identificação não existe ocupação indígena. No momento da promulgação da Constituição Federal de outubro de 1988, não havia indígenas no local. No momento em que entrou em vigor a Constituição de 1967 também não havia silvícolas ocupando a área em questão. Não há evidências de que existiu ocupação silvícola na área em passado remoto.
Desde o ano de 1921/1923, a área em estudo está ocupada por agricultores, que possuem os respectivos títulos de domínio quando essas terras foram transferidas pelo Estado à Empresa Construtora Colonizadora Oeste Catarinense Ltda. e à Companhia Territorial Sul Brasil que, por sua vez, as transferiram aos agricultores, que as ocupam até a presente data.
O Estado, no momento de transferir essas terras era seu legítimo proprietário, por se tratar de terras devolutas, por força do Art. 64 da Constituição Republicana de 1891, que estava em vigor na época dos fatos.
Os agricultores também possuem o título de domínio devidamente registrado no respectivo cartório imobiliário.”
Da parcialidade do laudo antropológico
“O laudo produzido pela antropóloga Kimiye Tommasino é dirigido no sentido de afirmar de que a área em estudo seja uma terra indígena que ela denomina como “terra indígena Araça,í”, o que não é verdadeiro e tira a isenção e a cientificidade do laudo.
A primeira parte do laudo foi compilada de obras bibliográficas que não dizem respeito à área em estudo. Todavia o próprio laudo antropológico conclui que os indígenas que supostamente teriam ocupado a área em estudo teriam vindo do Paraguai. Logo, o próprio laudo reconhece que não existe ocupação imemorial indígena no local em estudo.”
Da invasão em 2000
“Conforme se constata nas informações prestadas pelo juiz federal Narciso Leandro Xavier Baez, em junho de 2000 um grupo de aproximadamente 150 indígenas foram deslocados da reserva indígena de Nonoai (RS), onde vivem em paz e harmonia há mais de 70 anos, para ocupar uma área de terras particulares, no município de Saudades (SC), escrituradas desde 1927, passando a reivindicar o domínio desse local, sob o argumento de que seus antepassados ali viveram.”
Em razão dessa ocupação, os proprietários dos imóveis ingressaram com ação de reintegração de posse.
O juiz titular do feito, João Batista Lazzari, passou a analisar imediatamente a questão, em razão da gravidade da situação e da tensão social que poderia culminar com a ocorrência de tragédia a qualquer momento. Depois de estudar cuidadosamente e com profundidade as alegações das partes, concedeu medida liminar de reintegração de posse. Os indígenas, então, sairiam pacificamente do local.”
Informações adicionais para a imprensa:
Billy Culleton
Procuradoria Geral do Estado