A SESAI e o pé de araticum mais próximo

Por Carlos Alberto dos Santos Dutra, em seu blog

Desde que a FUNAI transferiu a responsabilidade pela saúde indígena para a FUNASA e depois esta à SESAI, através dos distritos sanitários especiais, o corpo do índio claudica. Se antes tomaram suas terras, hoje lhe tomam a vida.

Não é de hoje que o governo encontra dificuldades para tornar realidade a saúde dos povos indígenas no Estado de Mato Grosso do Sul e garantir-lhes a vida saudável que todos desejam.

Há dois anos, alvo de uma CPI instalada pela Assembléia Legislativa do Estado, o órgão já havia denunciado as dificuldades que enfrenta para atender as aldeias em razão da falta de recursos, situação análoga a vivida pela FUNAI nos últimos anos. E não é para menos: a SESAI atende hoje no Mato Grosso do Sul 72 mil índios que se encontram vivendo em 29 municípios.

Dados oficiais informam que o orçamento anual do órgão no ano de 2013, no Estado, foi de R$ 21 milhões. Menos de R$ 300 reais por indígena/ano. Porém, queixava-se o coordenador da entidade na época, Nelson Olazar, que a saúde indígena vivia um “dilema”: aldeias sem saneamento básico e reformas nos postos impedidas de serem realizadas por conta de questões burocráticas em pendengas municipais, justificava o coordenador do órgão perante à Comissão de Deputados do Estado.

Os problemas da SESAI, entretanto, não se restringem somente aos impasses administrativos e operacionais internos. No âmbito das aldeias, no dia a dia das população indígena outros problemas também afloram. A ponto de surgirem manifestações públicas como o fechamento de rodovias e ocupações de prédios públicos, tudo para chamar atenção das autoridades para o problema vivido pela saúde indígena.

Em 2014, a BR 163, na região de Dourados, foi interditada por indígenas e funcionários da SESAI justamente para chamar a atenção da situação de descaso que funcionários e indígenas enfrentavam diariamente. A rodovia MS 156 também foi alvo de manifestação há pouco tempo, quando motoristas e administrativos do órgão paralisaram seus serviços  por falta de pagamento.

O que se tem verificado nestes casos, entretanto, é algo inédito: as comunidades indígenas, que são as mais prejudicadas pelo não atendimento à saúde de seus patrícios, elas têm se mostrado solidárias com a luta e reivindicações dos funcionários da estatal, pressionando também para que o órgão permaneça trabalhando nas aldeias e dando assistência aos indígenas, sobretudo nas pequenas comunidades, onde o órgão indigenista oficial não consegue dar a resposta que os indígenas necessitam.

No caso dos Ofaié, o grupo hoje está reduzido a menos de trinta indivíduos, entre eles apenas seis falantes da língua materna. Povo que na realidade se encontra submetido ao mando e poder dos demais setenta indivíduos Guarani, Kaiowá e Não-Indígenas que pululam na aldeia Enodi. Cada vez mais sufocados, vêem diuturnamente seu modus vivendi tradicional diluindo-se nas mãos dos patrícios visitantes. O que lhes resta é apegarem-se à esperança que a SESAI representa contra a extinção que lhes ronda a porta da sobrevivência.

Os Ofaié ainda guardam na lembrança a história de um pregão eletrônico que, segundo a SESAI, à época, ajudaria a aldeia Enodi mas que, devido à ausência de trabalhadores na unidade de serviço num dia determinado, por conta de uma ocupação indígena no órgão em Campo Grande, eles foram prejudicados e perderam a soma de R$ 300 mil reais para adquirir caixas d´águas e compra de alimentos. O órgão, à época foi declarado pelo seu coordenador regional como “estagnado”.

De lá para cá, em que pese o esforço e presteza com que os profissionais da saúde têm dado no atendimento aos povos indígenas, os desafios da SESAI são muitos: desde a necessidade de ampliação de unidades de saúde nas aldeias, até a recuperação da frota de veículos, que, no caso de Brasilândia, é fundamental para o atendimento ao transporte dos indígenas da aldeia até o hospital municipal mais próximo. Atividade que é realizada exclusivamente pela SESAI, único socorro que os Ofaié dispõem no auxílio à doença que os consome aos poucos.

Com a crise financeira atual e o desgaste de gestão que trespassa os órgãos da administração federal, com o visível sequestro dos recursos destinados aos povos indígenas, recursos esses que são canalizados para outros setores, como o agronegócio e iniciativa privada, a chama da esperança e o empenho da SESAI que aponta o caminho da saúde para os povos indígenas não pode apagar. A notícia do fechamento de diversos pólos básicos de atendimento da SESAI, no Estado, entre eles o de Brasilândia, não pode prosperar.

Os povos indígenas, em especial os Ofaié, precisam da presença dos servidores da SESAI na aldeia. À exemplo da FUNAI de outrora e seus abnegados servidores que davam testemunho cotidianamente nas aldeias, a SESAI, hoje traduz a derradeira esperança no campo da saúde para o empoderamento e a sobrevivência do povo Ofaié.

Dotar de estrutura digna e necessária ao trabalho da SESAI na aldeia Enodi, com ampliação do posto de saúde, instalação de antena com sinal de telefone e internet, plantão noturno com veículo para atendimento aos indígenas, bem como treinamento, capacitação e formação de indígenas Ofaié para assumirem postos de enfermeiros, agentes de saúde e motoristas da entidade dentro da aldeia, é outra exigência que se faz sentir.

Antes que a doença os alcance novamente, como a que vitimou recentemente mulheres tão jovens, Marilda e Cleuza, ambas com menos de 50 anos de idade. Antes que o abandono imposto pelos órgãos oficiais encontre o que restou desta tribo — a exemplo de seus inquilinos patrícios –, pendurada por uma corda no pé de marolo mais próximo.

Destaque: Foto de Cido Costa, 2014

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