Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Pena que a TV Brasil tenha feito um esforço elogiável para recuperar e divulgar informações sobre a chamada Guerra do Paraguai, entrevistando historiadores, jornalistas e um arqueólogo, nos quatro países, e mais uma vez o resultado seja uma versão da história parcial, branca, colonialista e discriminadora. Ao longo dos 52 minutos e meio, não há sequer uma menção aos povos indígenas, embora eles apareçam claramente em fotos dos combatentes ou das populações em fuga, principalmente paraguaias, dizimadas pela fome e doenças.
Os negros escravizados, usados duplamente como bucha de canhão (na batalha e bem antes dela, substituindo seus ‘valorosos proprietários’ no alistamento como Voluntários da Pátria), são lembrados por apenas um dos entrevistados. Ricardo Salles, historiador da Unirio, procura fazer justiça a eles, numa fala ultra breve: “Houve escravos, numa proporção eu acho significativa, até quase perto de 10% da tropa. A guerra foi feita pelos negros…, isso com certeza”. Se mais disse, sumiu na edição. Mas é muitíssimo mais do que mereceram os indígenas, por tod@s totalmente ignorados.
No trecho em que se fala das vitórias iniciais do exército de Solano Lope, na invasão do sul do então Mato Grosso, são citadas as tomadas de Dourados, Nioaque, Miranda, Corumbá e Coxim, cinco povoados que teriam sido totalmente dizimados. Diz a entrevistada: “muitos saíam corridos daquela região. Esses fazendeiros, muitos foram mortos, levados como cativos; as fazendas foram saqueadas, o gado foi roubado…”. Ou seja: em dezembro 1864, início de 1865, mais de 100 anos antes de Constituição de 1988, os povos indígenas pelo visto já teriam ‘abandonado’ a região para os ruralistas!?
Bem ao contrário disso, Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira nos contam, em artigo disponível neste blog, com o título “Duas no pé e uma na bunda”: da participação Terena na guerra entre o Paraguai e Tríplice Aliança à luta pela ampliação dos limites da Terra Indígena Buriti:
Sabe-se, todavia, que muitos indígenas atuaram diretamente no conflito. No Paraguai, por exemplo, muitos Payaguá foram somados às tropas de Solano Lopes; no Brasil, por sua vez, indígenas pertencentes aos grupos étnicos Guató, Kadiwéu, Kinikinau e Terena apoiaram o exército imperial na luta contra as tropas invasoras no sul de Mato Grosso.
Sobre Miranda, os dois autores são ainda mais específicos:
A partir de fins de 1864, com a guerra oficialmente iniciada por conta da invasão paraguaia ao sul de Mato Grosso, os Guaná-Txané passaram por uma abrupta mudança. Na época havia 10 aldeias em Miranda, as quais perfaziam cerca de 4.000 pessoas (…)
Apesar de muitas famílias terem deixado Miranda quando a região esteve dominada pelos paraguaios, entre 1864 e 1866, os antigos Guaná-Txané chegaram a impor resistência armada contra as tropas invasoras e em defesa de seus territórios. As armas utilizadas na resistência foram as que os militares brasileiros deixaram em Miranda quando dali fugiram diante da invasão das tropas inimigas.
Uma pena, realmente, que a TV Brasil não tenha aproveitado essa oportunidade para desmitificar a ‘história oficial’ e contribuir para socializar o conhecimento sobre esse episódio vergonhoso, que muitos ainda insistem em enaltecer.
Feitas todas estas considerações e na esperança de que elas sejam levadas em conta, vale assistir ao vídeo, mantendo acesa a chama crítica. Como vale, igualmente, ler o artigo de Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira, como um primeiro elemento na busca da História verdadeira.