Renato Santana, de Brasília
A discussão foi ríspida no fim da tarde desta quinta-feira, 22, às portas do Palácio do Planalto, mas o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República Gilberto Carvalho garantiu: “Ninguém vai falar de hidrelétrica, não. Ninguém vai enganar vocês. Eu não engano ninguém, eu falo as coisas com clareza, esta é a minha preocupação. Vocês já foram enganados muito tempo, séculos”.
Com tal promessa, as lideranças Munduruku, que foram ao Planalto apenas para entregar carta com reivindicações à presidenta Dilma Rousseff, decidiram ir até o gabinete de Carvalho e frisaram: “Nós vamos subir, você vai ler o nosso documento, vai assumir o compromisso e em nenhum momento vai falar de hidrelétrica”. Ninguém falou em hidrelétrica, apenas o documento que o ministro Carvalho queria que os indígenas assinassem.
O documento, nomeado como ‘Encaminhamentos’, foi entregue aos Munduruku sob a presença de representantes da Advocacia-Geral da União (AGU), Ministério da Saúde e Fundação nacional do Índio (Funai). Nele, dividido em sete pontos e dando a entender que um processo de diálogo teve início, o governo buscava firmar o compromisso de uma reunião para tratar sobre o processo de consulta aos povos indígenas da região do Tapajós, criação de grupo de trabalho para acompanhar tal resolução, entre outras, e manutenção de diálogo para ações prioritárias.
No documento não aparece a palavra ‘hidrelétrica’, apenas consulta prévia. “Ele (ministro Gilberto Carvalho) mentiu e tentou nos enganar. Em nenhum momento da nossa vinda foi para encaminhar consulta prévia de usina hidrelétrica. Isso não era encaminhamento. Não tem diálogo sobre usina. É um desrespeito com nosso povo”, indignou-se Waldelirio Manhuary Munduruku.
Sem assinar, os indígenas foram embora. Durante esta sexta-feira, 22, emissários do ministro ainda tentaram conseguir a assinatura de Arnaldo Kaba, cacique geral das 118 aldeias Munduruku – dispersas ao longo do rio Tapajós e Teles Pires, entre os estados do Pará, Mato Grosso e Amazonas. Em vão. “O documento não fala em educação, saúde, punição aos mandantes e assassinos da Operação Eldorado, ressarcimento e indenização”, destacou Walderilio, enquanto mostrava no mapa a localização das aldeias Munduruku e os locais pretendidos para a construção de três usinas do Complexo Hidrelétrico do Tapajós. “Vê, nossas aldeias vão pra debaixo d’água, além dos municípios, ou parte deles, de Jacareacanga (Alto Tapajós) e Itaituba (Médio Tapajós). As comunidades ficam às margens do rio. Não vai ter escapatória”.
(Leia aqui a íntegra do desentendimento entre os Munduruku e o ministro Gilberto Carvalho)
Lobão em pele de cordeiro
“Vocês têm duas opções; uma delas é inteligente: é dizer ok, nós vamos acompanhar, vamos exigir direitos nossos, vamos exigir preservação disso e disso e benefícios para nós. A outra é dizer não. Isso vai virar, infelizmente, uma coisa muito triste, e vai prejudicar muito a todos, ao governo, mas também a vocês. A hidrelétrica a gente não faz porque a gente quer, (mas) porque o país precisa”, disse o ministro Carvalho, às portas do Palácio do Planalto, aos Munduruku. Nas entrelinhas da fala, avisos bem conhecidos pelos indígenas.
Enquanto a regulamentação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) se mantém na alça de mira dos artigos da Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU)*, o governo federal segue, parafraseando a presidenta Dilma Rousseff, “energizado” para impor usinas hidrelétricas e barragens aos povos indígenas, entre outras comunidades tradicionais e populações.
As usinas do complexo do Tapajós têm prazos para os leilões com vencimento ainda para este ano e o governo federal precisa realizar os Estudos de Impacto Ambiental (EIA). São mais de R$ 23 bilhões previstos para erguer as usinas. Os empreendimentos constam no balanço da segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2). Razão de sobra para a grande mobilização do governo federal ao redor da visita dos Munduruku à Capital Federal.
No Ministério de Minas e Energia, as mentiras e tentativas de enrolar a delegação, conforme os Munduruku atestaram, chegou ao ponto do diretor de geração da Eletrobras, Valter Luiz Cardeal de Souza, dizer que das mil usinas hidrelétricas que existem no país, nenhuma afeta de forma negativa a vida de índios e não-índios.
“Os discursos são lindos. Vocês se dizem nossos amigos e que nada de ruim vai acontecer, mas a realidade é sempre diferente. Estive em Altamira (PA), na região da UHE Belo Monte. É prostituição, índios bêbados pela rua, sem hospital e os parentes brigando entre si por conta do dinheiro que vocês distribuem. Não viemos aqui para tratar de usina, mas do massacre da Polícia Federal contra nosso povo”, replicou Valdenir Munduruku.
Nesse momento, o ministro de Minas e Energia Edson Lobão já tinha saído do encontro, mas não sem antes, assustado com a exigência dos indígenas para que ele ficasse na reunião, dizer que as usinas seriam exemplos de respeito ao meio ambiente e aos povos indígenas. “Ele (Lobão) é mentiroso. O interesse dele é em construir as usinas. Pouco se importa com os indígenas, com a natureza, mas o Munduruku vai lutar para proteger suas terras sagradas e a natureza”, disse na saída do encontro o cacique Arnaldo Kaba.
*Se por um lado o tratado internacional obriga o país signatário a ouvir as comunidades afetadas por grandes empreendimentos, no caso do Brasil desde 2004, por outro a medida da AGU, com programação para entrar em vigor após a votação dos embargos declaratórios da Terra Indígena Raposa Serra do Sol pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), permite a construção de empreendimentos hidrelétricos, entre outros, sem consulta às comunidades.
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