Estado do Rio de Janeiro está em busca de novas florestas para suas indústrias

Quimvalle, em Barra do Piraí, planta eucaliptos para abastecer os próprios fornos. Foto: O Globo

Indústrias consumiram 3,6 milhões de metros cúbicos de madeira em 2012. Apenas 11% vindos de florestas do próprio estado. Falta de planejamento pode levar a apagão

Por: Painel Florestal – Globo.com

Para dar impulso à atividade industrial, o Rio de Janeiro está se tornando um dos principais consumidores de árvores retiradas de florestas do país. Em 2012, as indústrias fluminenses consumiram aproximadamente 3,6 milhões de metros cúbicos (m³) de madeira. Na prática, significa que mais de dez milhões de árvores, de florestas plantadas ou nativas, foram cortadas para alimentar o setor. Cerca de 90% têm origem fora do estado, dependente de outras localidades do país para tapar o buraco da indústria interna de silvicultura, que ainda arrasta números insignificantes. O mais alarmante é que, desse total, 29% da madeira tiveram um destino nada nobre: foram parar direto nos fornos de empresas, queimadas como combustível.

Os dados são de um estudo inédito da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) que será divulgado nos próximos dias. A pesquisa embute um alerta: o Rio precisa ampliar o plantio de florestas para não pressionar matas nativas de outros estados, ou enfrentar um apagão de madeira.

O insumo é recurso essencial em vários ramos industriais do estado. A lenha, usada para gerar energia nos fornos, ocupa o primeiro lugar disparado no ranking, respondendo por 2,2% do consumo nacional voltado para a queima de madeira. Em segundo lugar, vem a construção civil, impulsionada pela proliferação de novos empreendimentos públicos e privados. Para se ter uma ideia da importância do setor, embora em números totais o uso do compensado seja menor do que o de lenha no estado, ele representa 27% do consumo nacional.

Partindo do princípio de que a madeira é um recurso renovável, os dados podem não ser dos piores. Mas sem planejamento, não há renovação, como ressaltou o diretor de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani: — O estado e as empresas não estão pensando a longo prazo. Ainda se planta muito menos do que se corta das florestas.

Para Mantovani, o primeiro passo é o governo e as empresas admitirem que dependem da conservação das florestas para manter a economia de pé. Se o Rio de Janeiro precisa de madeira como combustível para suas indústrias, há também muitos outros setores lucrando com a floresta de pé. Segundo cálculos da Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o principal retorno econômico das florestas no país ainda é a madeira. De acordo com o órgão, entre 2003 e 2007, a receita do setor girou em torno de US$ 100 bilhões anuais.

Mas a fonte pode secar, se não houver planejamento. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no mesmo período citado pela FAO, de 2003 a 2007, 98.119 mil quilômetros quadrados (km²) foram desmatados na Amazônia Legal. Os dados vêm caindo ano a ano, mas ainda são preocupantes. Em 2012, o desmatamento alcançou 4.656 km². E não há dados sobre a reposição florestal, faltam informações gerais tanto no Rio como no país como um todo.

‘Floresta é bom negócio’

Mas, afinal, a madeira não tem o rótulo de recurso renovável? Teoricamente, sim. Mas a natureza não dá conta de se recompor sozinha no mesmo ritmo que o homem a degrada. Para haver equilíbrio, é necessário administrar, ou, no linguajar de técnicos florestais, “manejar a floresta”. Sem planos de manejo, que respeitem o ciclo de crescimento das árvores, e investimento em florestas plantadas, a retirada de madeira se torna uma atividade puramente predatória. Como a produção industrial do Rio de Janeiro é dependente da madeira vinda de outros estados — o que significa mais uma fonte de pressão sobre a Floresta Amazônica —, o estudo da Firjan propõe que, para reduzir o abismo entre a oferta de madeira e demanda de mercado desse recurso, é necessário que o estado fomente o plantio de árvores. Não é à toa que o coordenador do grupo executivo de Agroindústria da Firjan, Antônio Salazar, diz que “ plantar pode ser um bom negócio”.

— Ter uma floresta é muito mais lucrativo do que ter um pasto não controlado. E se donos de terras no Rio venderem madeira, a oferta estará mais próxima das indústrias. Facilita o controle da origem da madeira, tira o incentivo de o sujeito comprar de onde não deve. Reduz a pressão sobre a floresta nativa — disse Salazar, afirmando, porém, que a madeira usada pelas indústrias do Rio é documentada. — As empresas mapeadas pelo estudo declararam que têm o Documento de Origem Florestal (DOF), mas sabemos que ainda é difícil garantir a origem da madeira no estado e também no país.

Uma pesquisa recente da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e usada como base pela Firjan, apontou que existem apenas cerca de 18 mil hectares de florestas plantadas — com eucaliptos — no estado. O dado é reforçado pelo Anuário Estatístico da Associação de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf), segundo o qual o Rio de Janeiro responde por apenas 0,2% dos plantios para o uso econômico no país.

Há, por outro lado, segundo o Censo Agropecuário de 2006, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 685 mil hectares de áreas com pastagens degradadas no estado. Essas são apontadas como áreas potenciais para o desenvolvimento da silvicultura na região, não só pela Firjan, como também pela própria Secretaria estadual de Agricultura e Pecuária. O secretário, Christino Áureo sai em defesa do setor: — Há quem critique a silvicultura, chamando-a de monocultura. Mas, nas áreas degradadas do Rio, a monocultura que existe hoje é do sapê (uma gramínea mal aceita pelo gado como alimento). O que é melhor, o sapê, ou uma floresta de eucalipto bem manejada? Temos que encarar que a demanda existe, e que, sem florestas plantadas, fomenta-se o desmatamento irregular.

Proposta flexibiliza legislação

Ainda segundo o secretário, uma proposta recém encaminhada para o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) propõe a criação de distritos florestais. A ideia é mudar uma exigência atual, segundo a qual toda propriedade com mais de 200 hectares no estado é obrigada a fazer um Estudo de Impacto Ambiental (Eia) — o que é caro para alguns produtores, sobretudo os pequenos e médios. Com os distritos, um único Eia poderia valer como base para um território maior, o que aceleraria o licenciamento de novos plantios.

Mas, se os Eias passarem a abranger áreas maiores, o levantamento será menos detalhado. A proposta desagrada uma corrente de especialistas, que teme impactos na biodiversidade. Embora o eucalipto seja uma das espécies com maior potencial de gerar matéria-prima para a indústria, por conta do seu rápido crescimento — uma árvore pode ficar madura em média em sete anos, enquanto uma espécie nativa leva, no mínimo, 15 anos —, ele demanda grande quantidade de água do solo e, por ser uma monocultura, não tem a mesma riqueza de uma floresta nativa.

O físico Alexandre Uhlig, consultor da Agência Internacional de Energia (IEA), faz um alerta. Ele concorda com o incentivo à silvicultura, já que os ciclos de café e gado no Rio de Janeiro acabaram deixando como herança grandes áreas degradadas. Mas, para o pesquisador, é necessário estudar toda a cadeia produtiva, desde a plantação das mudas até a comercialização, a fim de descobrir se o investimento no segmento trará benefícios, não apenas econômicos, como também ambientais e sociais.

— A indústria da silvicultura não gera tantos empregos e a remuneração do setor também não é tão alta. A alternativa pode ser boa, mas é preciso aprofundar os estudos sobre isso, pensar não apenas no meio ambiente. E as políticas públicas precisam andar juntas.

Para Uhlig, a autossuficiência nem sempre é o melhor caminho. É preciso, por exemplo, levar em conta que estados próximos ao Rio já têm uma produção estruturada de silvicultura. Além disso, o investimento em florestas de eucaliptos é de longo prazo. O retorno só começa a aparecer no mínimo sete anos após a colocação da primeira leva de mudas, quando a árvore já está madura para o corte.

Madeira nativa vem do Norte

Os principais fornecedores de madeira oriunda de floresta plantada para o Rio de Janeiro são os estados vizinhos. Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo entram na rota. Já a madeira nativa, que segundo o estudo da Firjan representa 13% do total, vêm, principalmente, do Norte do país, da Floresta Amazônica, com destaque para Mato Grosso e Pará.

A maior parte dessa madeira entra no estado em formato de lenha e é levada aos polos industriais, como o de cerâmicas, em Itaboraí, na região Leste Fluminense. Um dos destinos é a cerâmica Santa Izabel, que utiliza cerca de mil metros cúbicos (m³) de cavaco (restos de madeira), vindos da Bahia, nos seus fornos, segundo o proprietário da fábrica, Edézio Menon. Como a maior parte das olarias, a Santa Izabel parou de usar madeira nativa há cerca de 20 anos — quando começaram a ser cobradas pelo impacto na floresta. A empresa passou a comprar resíduos descartados pelas siderúrgicas do entorno, que compram madeira em formato de carvão vegetal, para geração de energia.

— Seria interessante que houvesse plantio no Rio de Janeiro, compraríamos mais perto. Mas, claro, só se o custo não for mais alto — admite Menon.

Antes da madeira, o combustível usado pela Santa Izabel era óleo. A troca por uma matriz renovável rendeu à cerâmica a entrada em um projeto de geração de créditos de carbono, que reúne 11 olarias do Estado do Rio. Como a queima de lenha emite menor quantidade de gases de efeito estufa, as empresas vendem créditos no mercado de carbono, para empresas emissoras.

De acordo com a Sustainable Carbon, empresa internacional que faz a gestão dos projetos, ao longo de dez anos foram geradas cerca de um milhão de toneladas de créditos de carbono. Como a única medida dessa recompensa é redução das emissões, o impacto gerado pela retirada da madeira da floresta não entra nessa conta. Até porque, em tese, toda a madeira usada é legalizada.

Cadeia não é monirotada

Segundo o presidente do Sindicato de Cerâmica do Sul Fluminense, Henrique Nora, dono da cerâmica Vargem Alegre, em Pinheiral, como a oferta de madeira de floresta plantada ainda é pequena, é também cara. Por isso, maior parte da madeira usada pelas empresas é de resíduos das siderúrgicas. Sobre esses últimos, porém, as olarias não fazem monitoramento da origem.

— Não sabemos de onde as siderúrgicas compram, mas com toda certeza deve ser de floresta plantada. E, quando compramos de floresta de eucalipto, vem com nota fiscal — afirmou Menon — Esse rastreamento não é responsabilidade nossa, só queremos que tudo tenha documento.

Para garantir a origem da madeira usada nos fornos, há indústrias que optaram por tomar conta de todo o processo. É o caso da Quimvale Indústria Química, na cidade de Piraí. Como a empresa possuía um terreno degradado no mesmo município, resolveu plantar uma floresta de eucalipto para abastecer os próprios fornos. Surgiu assim a Quimvale Florestal. Hoje, cada árvore cortada dos 450 hectares cobertos de eucaliptos têm como destino o braço químico da companhia, que tem como principal produto o carbonato de cálcio, matéria-prima de objetos que vão desde pastas de dente e tintas até sandálias. Pilhas de toras de madeira são transportadas em caminhões, para dar conta dos quatro mil m³ de lenha usados nos fornos da empresa por mês. Segundo o diretor da Quimvale, Francisco Muniz, a combinação entre indústria e plantio de florestas é a alternativa mais econômica, e uma segurança de que a madeira usada têm origem legal.

— Até que haja outra alternativa economicamente viável, melhor pensar em como reduzir os impactos.

Tarefa mais difícil do que estimular o plantio de florestas é garantir o caminho percorrido pela madeira da mata às empresas. De acordo com o estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), 86,9% do recurso utilizado pelo setor é oriundo de florestas plantadas. Sendo assim, apenas 13,1% viriam da Amazônia, sempre com Documento de Origem Florestal (DOF), que garante a aprovação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) para o corte. Os números se baseiam, porém, em informações autodeclaradas pelas companhias. Na prática, o rastreamento da cadeia produtiva da madeira pelos órgãos oficiais ainda é muito falho e o comércio ilegal se prolifera, não só no Rio, mas no Brasil todo.

Exemplo disso ocorreu durante a produção desta reportagem. Afim de confirmar dados oficiais sobre a procedência da madeira que entra no Estado do Rio de Janeiro, três órgãos foram procurados, o Ibama, a Secretaria estadual do Ambiente (SEA) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), órgão do estado especializado em conservação. Cada órgão indicou os outros dois como fontes da informação. Até o fechamento dessa edição, nenhum dos três conseguiu fornecer o dado.

Segundo o especialista em energia Alexandre Uhlig, embora o recurso seja um dos principais motores da economia do país e necessite de monitoramento para que se cumpram compromissos de redução do desmatamento, falta investimento em estudos voltados para este mercado.

— Há pouco conhecimento e faltam estudos. Além disso, as empresas ainda não assumem a responsabilidade de garantir a legalidade em toda a cadeia produtiva.

Na prática, os próprios dados fornecidos pelas empresas podem ser desencontrados. Isso porque se uma companhia compra madeira beneficiada em São Paulo ou em outro estado, por exemplo, ela declara este como local de origem. Mas especialistas apontam que há possibilidade de parte do recurso ter sido comprado da Amazônia e trabalhado em outro lugar antes da venda. A única forma de saber de onde a madeira nativa foi cortada é a partir do DOF, que funciona como uma autorização para a retirada legal da madeir. Já as florestas plantadas, de pinus e eucaliptos, necessitam apenas da nota fiscal de carga para serem transportadas no país.

Os dois principais setores consumidores de madeira do Estado do Rio, as cerâmicas e a construção civil, afirmaram que possuem projetos de rastreamento da madeira. Segundo o presidente do Sindicato das Cerâmicas do Sul Fluminense, esse quesito fica a critério das empresas e a procedência, para ele, não é o mais importante, contanto que haja o DOF. Já a assessoria de imprensa do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Rio de Janeiro afirmou que grande parte da madeira consumida vem da região Norte, e é documentada. De acordo com o órgão, houve redução no uso de madeira bruta, que vem sendo substituída por outros materiais.

Dados recentes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) apontamque mais da metade da madeira retirada da Floresta Amazônica é ilegal. E, se confirmar a legalidade do recurso já é difícil, falar em certificação é quase vanguardismo no Rio de Janeiro. Segundo o Forest Stewardship Council (FSC), uma das maiores certificadoras de florestas do mundo, não há nenhuma madeira certificada no estado. Para obter o rótulo, é necessário garantir o manejo florestal, mas também boas práticas trabalhistas — com igualdade de gênero, por exemplo — e minimizar impactos.

Para a secretária-executiva do FSC no Brasil, Fabíola Zerbini, a certificação é um segundo passo, que será acelerado se houver transparência no mercado madeireiro do país:

— O certo seria que o governo tivesse a informação sobre a origem da madeira de bate-pronto, disponível a todos. É boa a notícia de que as indústrias estão começando a pensar nisso, mas falta um longo caminho a percorrer e esforço é conjunto.

Enviada por Thiago Lucas.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.