CE – RENAP denuncia despejos forçados de comunidades em favor da especulação imobiliária, inclusive com uso de milícias

MNLM em marcha na Cúpula dos Povos

Por Rodrigo de Medeiros Silva*, para Combate ao Racismo Ambiental

Hoje, 22 de feveiro, no Seminário de Planejamento Participativo da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Fortaleza, a Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares  no Ceará, RENAP-CE, entregou documento sobre os despejos forçados de comunidades, em Fortaleza. A problemática vem se repetindo, fruto da desorganização urbanística da cidade, em que são atendidos os interesses da especulação imobiliária, em detrimento do direito social à moradia. A Rede ainda denuncia  a utilização de grupos armados nessas situações, como vem ocorrendo no Bairro Parque Presidente Vargas.

A Renap propôs à Comissão animar grupo interinstitucional de mediação de conflitos fundiários, para evitar que famílias de uma hora para outra fiquem na rua ou tendo que ir morar de favor, como aconteceu no despejo da Comunidade Nova Estiva, no Bairro Serviluz. Pediu também apoio à Comissão para que os órgãos competentes possam esclarecer e responsabilizar quem participa ou patrocina de grupos armados, que atacam estas ocupações. Além disto, alertou para a necessidade de efetivação do Plano Diretor Participativo-PDP de Fortaleza, quanto às Zonas Especiais de Interesse Social- ZEIS, além de aprovação de outras leis necessárias a efetivação do PDP.

Abaixo, cópia do documento da RENAP, com dados sobre o que vem acontecendo com as comunidades, uma a uma.

Ofício 001/2013

À Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, da Mulher, da Juventude, da Criança e do Idoso

Fortaleza, 22 de fevereiro de 2013

Sr. Presidente,

A Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares no Ceará vem, por meio de seus membros abaixo-assinados, trazer fatos sobre os chamados “despejos forçados” no Município de Fortaleza e a violação de diversos direitos do nosso ordenamento, tais como o Direito Social de Moradia (art. 6º, da CF), da forma que segue:

  1. O Plano Participativo Diretor de Fortaleza precisa ser efetivado em sua normativa infra, com a consolidação das Zonas Especiais de Interesse Social-ZEIS, inclusive, as chamadas ZEIS de vazios. A especulação imobiliária concentra em certas áreas do Município deve ser enfrentada de forma a promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 6º, VII, da Lei Orgânica do Município);

  2. Pela falta de ordenamento que garanto o Direito Social à Moradia ocorrem despejos forçados, por vezes utilizando-se de força paramilitar e/ou violência estatal legitimada pelo Poder Judiciário, que, nestes casos, desvia de suas funções para atender a interesses particulares e não o bem comum;

  3. É histórica esta violência como nos casos do Morro Santa Terezinha:

Em junho de 2005, centenas de famílias ocuparam um terreno abandonado no Morro Santa Terezinha, uma das áreas de maior déficit habitacional em Fortaleza. Trata-se de um exemplo escandaloso de propriedade que não cumpre função social, como manda a Constituição Federal. Mesmo assim o Judiciário ordenou o despejo, executado por mais de 900 policiais. Antes do despejo, os ocupantes foram atacados duas vezes por homens armados e encapuzados em plena madrugada. Uma pessoa foi morta. (Disponível em http://raizesdapraia.blogspot.com.br/2009/07/nota-da-ocupacao-raizes-da-praia-n1.html, acessado em 22/02/13)

Como dito, não só meios oficiais, mas irregulares, ilegais são utilizados para violar os direitos da população que apenas luta para a efetivação da Constituição Federal, como este caso de 2007, no Caça e Pesca:

Desde 3 de Novembro de 2007, aproximadamente 80 famílias residentes no Bairro Caça e Pesca em Fortaleza, ocupam um terreno vazio para estabelecerem suas moradias. Desempregados, ambulantes, catadores de materiais recicláveis, artesãos, pescadores, todos excluídos do acesso à terra regularizada, sofreram várias tentativas de despejo ilegal, abuso de autoridade, receberam ameaças do suposto proprietário, enfrentando inclusive armas, mas conseguiram sua permanência e vem se consolidando na organização comunitária.

No último dia 18, estiveram na área por volta de oito policiais militares acompanhando o suposto proprietário do terreno. Fotografaram a área e, ao serem interpelados pela comunidade, disseram existir uma liminar de reintegração de posse e que estavam planejando a operação de despejo. Imediatamente a comunidade realizou assembléia e definiu pela resistência em defesa do seu chão. A ação de resistência foi reforçada pela presença de mais militantes – já participantes de ocupações – do Movimento dos Conselhos Populares vindos do Morro da Vitória e do Serviluz.

A situação da ocupação atualmente é imprevisível e a ameaça de despejo constante. Pede-se ajuda de três formas: através da resistência, contato com a imprensa e apoio jurídico. (Disponível em http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/01/410043.shtml, acessado em 22/02/13).

O caso das Raízes da Praia demonstra a opressão do poder econômico sobre os munícipes, bem como um poder público omisso ou a serviço destes interesses escusos. Assim, há pessoas, famílias que vem tendo que ter sua história de vida, confundida com a história de luta por moradia no Município de fortaleza:

Em julho de 2012, a Comunidade Raízes da Praia está comemorando 03 anos de existência. Em 2009, 80 famílias organizadas em núcleos de luta por moradia do Movimento dos Conselhos Populares – MCP do Morro da Vitória e do Serviluz, ocuparam a terra que hoje é a Comunidade. Essas pessoas já vinham em luta pelo direito a moradia desde 2005. Todas moravam de aluguel ou em coabitação, numa área muito populosa, cheia de terrenos vazios, enorme especulação imobiliária. Foram manifestações, participação popular, negociações, compromissos não cumpridos, até definirem coletivamente pela ocupação. Desde então, homens e, principalmente, mulheres travam a valente luta diária de organizar uma comunidade que sofre desde a violência do “proprietário-especulador” ao descaso do poder público. (Disponível em http://raizesdapraia.blogspot.com.br/2012/07/convite-de-aniversario-de-3-anos-da.html, acessado em 22/02/13).

  1. Em consulta ao Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar, da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, percebe-se que esta realidade é presente, não muda:

COMUNIDADE VITÓRIA

Despejo, segurança armada, violência armada, violência contra as famílias, processo com advogado particular.

Localidade: Messejana

73 Famílias

Desde o dia 28 de janeiro de 2013 vem ocorrendo vários fatos de extrema violência, praticados por um grupo de cerca de 20 seguranças privados, atuando como “capangas”, que atearam fogo e derrubaram os barracos das famílias. Em diversas situações foram utilizadas armas de fogo e choque para amedrontar a comunidade. No caso, o suposto proprietário (empresa TRANA) possui apenas uma ação de usucapião referente a uma área de 92 metros quadrados – equivalente a apenas 46% do total do terreno, pois o total da área é de 200 m² -, não sendo possível assim que houvesse liminar autorizando o despejo, portanto a ação não foi respaldada em qualquer decisão judicial. Dentro da situação, a empresa se reivindica proprietária, mas ainda não foi assim declarada pelo Judiciário, pois a Usucapião não foi decidida.  Ademais, a empresa não possuía a devida posse do terreno, razão pela qual não faz jus à usucapião.

Ainda que houvesse decisão judicial no sentido de que os ocupantes se retirassem do imóvel, nas várias tentativas de intimidação não havia no local oficial de justiça, policiais ou qualquer funcionário público, e as famílias ressaltam que o fogo foi criado pelos homens a mando da empresa, consistindo em um incêndio criminoso. A comunidade denunciou o incêndio do dia 28/01/2013 e o despejo ilegal no 30º DP e por conta da ação foram apreendidos por porte ilegal de armas 3 homens  que segundo os moradores atuaram nessa ação criminosa, mas já foram liberados.

As famílias na manhã do dia 15 de fevereiro de 2013 foram despejadas com uma violência absurda. Parece que a empresa ingressou com uma ação de Reintegração de posse há poucos dias, e os moradores ainda não tinham conhecimento disso. Estão agora no local por volta de cinqüenta homens, dentre policiais e seguranças da empresa, um oficial de justiça e uma senhora que se diz do conselho tutelar, mas que não apresentou documento de identificação. Outro problema é a ameaça de serem levadas as crianças, pois a senhora que se apresenta quanto conselho tutelar está querendo levá-los sem informar o local para onde iriam, e ainda sem a autorização das famílias.

ALTO DA PAZ

Reintegração de posse, Processo 0040205-12.2012.8.06.0001.

Localidade: Serviluz

300 Famílias

Há aproximadamente 10 anos centenas de famílias que viviam no entorno, no Castelo Encantado, ocuparam o imóvel quando ainda de propriedade da expropriada Nacional Investimentos e Participações LTDA,  quando sofreram forte represália e violência que ocasionou, inclusive a morte de um dos moradores (Raimundo Facundes) numa ação cometida pela empresa de segurança contratada pela expropriada (com homens armados e encapuzados), que de forma ilegal e arbitrária agiu sem apresentar qualquer ordem judicial.

Em 2011, o poder público anuncia que ali seria construído um grande Conjunto Habitacional. Este anúncio, de certa forma, encheu de esperanças as famílias da região que moravam de aluguel ou nas casas de parentes, entretanto, pouco tempo depois a Prefeitura apresentou um projeto de desapropriação de centenas de famílias do Titanzinho, no Serviluz que seriam reassentadas no referido local.

COMUNIDADE BR 116 MAKRO

Despejo forçado (tentativa), segurança armada, violência

50 famílias

50 famílias, ocuparam um terreno ao lado do Makro da BR 116, que não estava sendo utilizado. Alguns dias depois, apareceu um homem, cujo nome especulado é José Gomes de Albuquerque, pedindo para os moradores afastarem suas casas, pois estavam ocupando o seu terreno. No dia 06/11/2012, seguranças do mesmo atearam fogo nos barracos e agrediram físico e verbalmente muitos moradores que ali se encontravam, incluindo crianças, além de abusarem de armas de fogo para intimidar os moradores.

CURVA DA VIÚVA

Segurança armada (violência)

Zé Walter

800 famílias

No dia 07/11, foi complementada – aumentou-se a ocupação existente. Estão sendo assessorados pelo MNLM e pela ACEDIC. A problemática enfrentada por eles são as ameaças e intimidações, com falcão e armas de fogo, feitas por um BM licenciado, Sergião, que faz trabalho de segurança no local para o Zé Miguel (gerente dos Montenegros, segundo os moradores) e o Fred (sobrinho do Zé). Segundo a comissão de moradores que esteve aqui o BM Sergião prometeu está indo hoje, 12/11, para fazer a despejo. No final de semana o Choque esteve no local também intimidando. Ressalta-se a ausência de mandato judicial.


PARQUE POTIRA III

Despejo, violência policial

Caucaia

300 família

Havia uma ocupação que já possuía mais de dez anos, já possuindo energia elétrica e água. A comunidade já era cadastrada no município como bairro (Pq. Potira III). Como se deu a desapropriação? Por volta de 8 meses atrás houve uma ocupação ao lado da comunidade e ação de reintegração de posse deve ter sido contra essas pessoas, entretanto quando a força policial chegou com o oficial de justiça não existiu distinção do que era recente ou não. Simplesmente, destruíram todas as casas populares que haviam na região, inclusive, casas que estavam em terreno do município, na faixa de 70, os moradores desta área estão sendo acompanhados pela defesa civil que está se propondo a lotear e distribuir os terrenos para estas 70 famílias. Vale ressaltar que a força policial utilizada foi enorme, estando presente COTAN, Cavalaria, Ronda, helicópteros.

NOVA ESTIVA

Despejo, violência de seguranças armados, matrícula do imóvel duvidosa

Serviluz

80 famílias

Desde meados de agosto deste ano, a comunidade Nova Estiva, está em situação de conflito fundiário diante das tentativas de despejo perpetradas pelo senhor que reivindica a propriedade do imóvel. As 80 (oitenta) famílias que residem no local denunciaram a ação ilegal de seguranças privados clandestinos, que estariam atuando em nome do suposto proprietário, dentre os quais, vários teriam se identificado como policiais civis. Segundo depoimentos prestados, além das constantes ameaças e intimidações, no dia 20 de agosto foram realizados vários disparos de arma de fogo e duas crianças foram atingidas com spray de pimenta.

De acordo ainda com as denúncias, policiais do Programa Ronda do Quarteirão, ao invés de resguardarem as famílias e reprimirem a ação abusiva, tentaram forçar “acordo” para a saída das famílias.

No dia 18 de Dezembro de 2012, foi cumprida a liminar de reintegração de posse, devida a reconsideração do próprio Tribunal de Justiça. O que agravou, ainda mais, a situação das famílias, pois a ação de cumprimento de liminar inaudita altera.


Por todo o acima exposto, cabe a esta Comissão acompanhar esta realidade. Urge que esta realidade violadora não seja cotidiana. Há de se ter mecanismos de negociação, interinstitucional, que impeça os chamados “despejos forçados”. O Ordenamento Jurídico Municipal deve ser efetivado de forma a garantir o Direito à Cidade, coibindo os interesses especulativos. Há de se esclarecer e responsabilizar quem esteja agindo e patrocinando grupos oficiosos, armados, para admoestar, e até mesmo atingir a integridade física das famílias que realizam ação legítima em prol do Direito Social de Moradia. O Escritório Dom Aluisio Lorsheider, aprovado nesta Câmara Municipal, precisa sair do papel.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Daniella Alencar Matias  – OAB-CE 17.714

Luanna Marley – OAB-CE 25.879

Rodrigo de Medeiros Silva – OAB-CE 16.193

*Advogado e membro da RENAP

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