Tania Pacheco – Combate ao Racismo Ambiental
Faz tempo este Blog fala na Defensoria Pública, defendendo a necessidade de nos conscientizarmos de sua importância para a democratização da justiça, o cumprimento das leis e a garantia da igualdade de direitos para toda a população. Ultimamente, assumimos também a campanha pela derrubada do veto presidencial à PLP 114, como aliás pode ser visto em matéria publicada hoje mesmo. Não fazemos uma defesa cega, entretanto. Sempre achamos um jeitinho, nem que seja na legenda da uma foto, de reafirmar que a Defensoria Pública que queremos é a autônoma; a que não barganha cargos e apadrinhamentos; a que cumpre a LC 132/2009, instalando sua Ouvidoria Geral, entre outras coisas; e, finalmente, a que respeita a sociedade civil, reconhecendo que é dela o direito à indicação da lista tríplice da qual sairá o Ouvidor ou a Ouvidora. Algo bem diferente do que acaba de fazer a DP da Paraíba e está tentando fazer a do Rio de Janeiro… Mas por que essa aparente fixação?
Ontem, Ana Paula postou uma matéria que chegara via Carta Capital: SP – Liminar dá reintegração de posse a quilombolas. Em síntese, a juíza Marcela Filus Coelho, da Comarca de Jacupiranga, garantiu à comunidade de Ilhas, em Barra do Turvo, Vale do Ribeira, acesso a um reservatório d’água do qual os quilombolas cuidam há mais de 20 anos, desde que o rio que o serve foi abandonado pela Sabesp, companhia de águas de São Paulo. Na sua decisão, a juíza determinou a derrubada de cercas e a retirada de cadeado colocado pela dona de uma chácara localizada em território quilombola, além de fixar em 5 mil reais a multa caso a passagem volte a ser obstruída.
A vitória, que é mais um passo na proteção do território quilombola, até agora aguardando os trâmites de regulamentação, foi obtida por dois Defensores Públicos da região Registro: Andrew Toshio Hayama e Thiago de Luna Cury. Foi a eles que os quilombolas recorreram no dia 28 de janeiro, depois de tentar o acesso à estrutura localizada a 1 km da comunidade, da qual cuidavam e cuja água haviam eles próprios canalizado para poderem usá-la na área que estão por enquanto ocupando. E, ao contrário do que estamos acostumados a ver em termos de justiça brasileira, nove dias depois, em 6 de fevereiro, a juíza proferia sua decisão.
Mas não é apenas do sentido de justiça e da presteza da juíza Marcela Filus Coelho que queremos falar, embora ela mereça elogios. Nosso assunto são dois Defensores Públicos sobre os quais já escrevemos aqui – Andrew Toshio Hayama e Thiago de Luna Cury -, e a pequena mas importante revolução na Justiça que eles estão promovendo, juntamente com alguns juízes, na historicamente conturbada região do Vale do Ribeira.
Da última vez que os mencionamos, em 8 de agosto de 2012, a notícia – “Este é um dia de felicidade”! No Vale do Ribeira, a Justiça se fez presente! – privilegiava o sentido de justiça e de indignação do texto que embasava a decisão do Juiz Raphael Garcia Pinto, de Eldorado, impedindo que o prefeito de Iporanga expulsasse comunidades tradicionais e desapropriasse vastas extensões de terras, para transformá-las em Parques Naturais a serem transacionados no mercado de carbono. Infelizmente, o texto da decisão foi encaminhado em texto fotografado. Assim, só pude mostrar seus três parágrafos finais, na abertura da matéria; mas quem quiser lê-lo na íntegra pode baixá-lo clicando AQUI.
Na matéria anterior sobre o assunto – No Vale do Ribeira, Defensoria Pública defende comunidades tradicionais contra corrupção e mercado de carbono, publicada em 24 de junho de 2012 -, usei como abertura um belíssimo trecho de José Saramago, que era exatamente parte das fundamentações de Toshio e Thiago (a quem assim chamo como prova de respeito), no mandado de segurança contra o prefeito de Iporanga. Na ocasião, escrevi: “A Defensoria Pública agiu, e agiu pela Justiça e pelo Direito, de forma indignada, culta, forte, poética e, sempre, muito bem fundamentada nas leis. E coube ao Juiz Raphael Garcia Pinto, de Eldorado, São Paulo, reconhecê-lo em decisão do dia 11 de junho de 2012”. Na decisão era concedida a liminar inicial, depois confirmada em agosto, mas o que desejo ressaltar é a forma utilizada pela Defensoria na ocasião: como escrevi, ao mesmo tempo indignada, culta, forte e poética, como pode ser visto clicando AQUI. Aliás, a decisão do juiz Raphael Garcia Pinto acolhendo a liminar pode ser lida AQUI.
Nossa bela história sobre a justiça já vai acabar, em termos retrospectivos. A primeira vez que tomei conhecimento de Toshio e Thiago foi por caminhos outros, que não me permitiram ter acesso à íntegra dos documentos por eles produzidos. Mas acho que vale citar a matéria reproduzida da Revista Consultor Jurídico, em 3 de maio de 2012 e sob o título SP – Ação rescisória da Defensoria Pública quer reaver terras de Quilombo Propava, no Vale do Ribeira, na medida em que boa parte dela cita trechos do pedido encaminhado pelos dois DPs.
Voltemos, agora, ao princípio. Fiquei ao mesmo tempo contente e triste pela publicação da matéria de ontem. Contente na medida em que ela tornava pública uma ótima notícia. Triste na medida em que não fora eu a divulgá-la. E me explico correndo: não queria em absoluto ter a primazia. Queria, sim, ter podido fazer dela uma homenagem ao belíssimo trabalho que Toshio e Thiago vêm desenvolvendo, desde que a recebi em primeiríssima mão, no dia 13 de fevereiro. Mas eram 50 páginas tão ricas, misturando ao mesmo tempo cultura, humor, legislação e uma verdadeira aula sobre os quilombolas e seus direitos, que infelizmente não consegui, nestes últimos dias para mim caóticos, dar a ela o tratamento merecido. Pena.
Muito mais importante, porém, é termos gente como Toshio e Thiago nas Defensorias Públicas. Importante é termos gente como Luciana Zaffal0n na Ouvidoria Geral de São Paulo e no Colégio dos Ouvidores. Importante, para nós que de uma forma ou outra estamos na luta, é saber que existe Justiça neste País. Que existem pessoas (e aqui no Rio de Janeiro, como em outros estados, conheço gente que está “exilada” da Defensoria Pública exatamente por seu senso ético e de dignidade) capazes de entender que são antes de mais nada servidores públicos. E que à “coisa pública”, e a nada mais, devem respeito e compromisso.
Deixo vocês com a íntegra do belíssimo documento escrito por Toshio e Thiago, bastando para isso clicar AQUI. E deixo também, encerrando este grito/desabafo/homenagem, a citação de Dom Tomás Balduíno que eles fazem, antes de concluir:
“Nossa história está pontilhada de silêncios impostos aos fracos e oprimidos que, a partir de sua situação de sofrimento, buscaram organizadamente uma vida digna, humana e boa. É o caso de Palmares de Zumbi, de Canudos de Antônio Conselheiro, de Trombas e Formoso de José Porfírio de Souza etc. É o caso não só da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito, mas de todo o povo Guarani-Kaiowá. É o caso dos povos indígenas, dos quilombolas e dos camponeses”.
Está mais do que na hora disso começar a mudar! E precisamos nos apossar das Defensorias Públicas e valorizar aquelas e aqueles que a dignificam, como parte dessa mudança!