Famílias do Pinheirinho sofrem com abandono e sequelas da operação policial

Moriti Neto e Vinicius Souza, da Agência Pública

Um ano depois da violenta desocupação de Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), a maioria das 1700 famílias, — 9,6 mil pessoas — que residiam no terreno de 1,3 milhões de metros quadrados de propriedade da Selecta, do especulador Naji Nahas, vive pior agora do que antes do despejo ocorrido em 22 de janeiro de 2012, após uma ordem de reintegração de posse expedida pela 6ª Vara Cível da Justiça Municipal.

Expulsos por 2 mil policiais militares, os moradores tiveram as casas destruídas pela prefeitura que agora paga auxílio-moradia — no valor de R$500 por mês — para cerca de 1500 famílias. A quantia é insuficiente para pagar aluguel mesmo em regiões consideradas mais carentes, segundo o advogado Aristeu Neto, que defende os ex-moradores do Pinheirinho.

“A solução é as famílias se consorciarem. Há pequenas casas com duas, três famílias, 15 pessoas morando para poder pagar. Isso é ótimo só para os rentistas da cidade, que exploram momentos assim para subir os preços das locações absurdamente. Tem gente alugando um quarto por R$ 500”, conta Aristeu Neto.

O advogado pede a reparação de danos e punição aos responsáveis pela operação de desocupação e a volta dos antigos moradores ao terreno.

A situação das 200 famílias que ficaram fora do auxílio-moradia é ainda mais dramática. Algumas mudaram para municípios vizinhos, como Jacareí, onde os valores dos imóveis são mais baixos, abrindo mão do direito de receber o benefício. Entre as famílias que permaneceram na cidade, 20 estão hoje em área de risco, interditada pelo poder público. Foram levadas para lá pela própria prefeitura.

Áreas de risco

No dia da reintegração de posse, a prefeitura levou essas famílias ao Rio Comprido, área de risco que, há poucos anos, sofreu deslizamentos de terra e desabamentos de moradias, inclusive com mortes. Uma ação da Defensoria Pública contra a gestão do então prefeito Eduardo Cury (PSDB) contém fotos de funcionários públicos descarregando móveis, imagens de placas dos caminhões da administração municipal, além de encaminhamentos de assistentes sociais para a transferência dos moradores para a área condenada.

Em janeiro de 2011, durante um período de chuva forte, cinco pessoas morreram com o desabamento de uma casa que ficava em área de encosta do bairro, localizado às margens da Dutra, rodovia que liga São Paulo e Rio de Janeiro. Depois do acidente, a prefeitura iniciou a demolição de residências e remoção de 170 famílias, processo que ainda está em disputa judicial. Ainda assim, a prefeitura conduziu para lá as famílias de Pinheirinho.

“Sugerimos que as pessoas documentassem e montamos um dossiê partindo de vídeos e fotos. O pessoal foi levado para casas marcadas com um ‘x’ pela Defesa Civil. Algumas nem tinham telhas”, diz o defensor público Jairo Salvador.

Hoje, já são 40 famílias em condições de extrema vulnerabilidade socioeconômica registradas ali, todas com ordens de desocupação pedidas pelo município. Sem recursos para se instalar em outros pontos da cidade, eles preferem permanecer na área, apesar dos riscos de desabamento.

Medição errada

Uma das justificativas das autoridades da Justiça que atuaram pela ação de reintegração era garantir aos credores da Selecta o pagamento de dívidas. Porém, em outubro de 2012, os advogados de Naji Nahas entraram com pedido que embargou o leilão do terreno que garantiria o ressarcimento dos credores. O argumento é de que a medição da área estava errada.

“É uma loucura. A Associação de Moradores do Pinheirinho havia pedido a suspensão do leilão com base em garantir os pedidos de indenização das vítimas pelas diversas violações. Não conseguimos. Agora a Justiça cede ao pedido da empresa com a história de revisão da medição. Pior: se estava errada, e a alegada proprietária é quem afirma, isso anula todos os atos judiciais”, relata o advogado Aristeu Neto.

Além disso, os únicos atuais credores da Selecta são o Município de São José dos Campos e a União, ambos com tributos a receber, e nenhuma das partes requereu o leilão, pedido pelo juiz da 18º Vara Cível do Fórum Central de São Paulo, Luiz Beethoven Giffoni Ferreira.

Semelhança entre depoimentos

Como resultado da operação policial de desocupação do terreno, há 1042 ações individuais movidas pela Defensoria Pública de São José dos Campos contra a prefeitura, o governo do Estado de São Paulo e a Justiça Estadual por violações de direitos humanos, danos morais e materiais na desocupação. Nas 80 mil páginas que compõem os autos, impressiona a semelhança entre os depoimentos de diferentes famílias.

“Quando temos ações desse tipo, com acusações de violência dessa natureza, normalmente olhamos com desconfiança, mas a convergência dos depoimentos é impressionante”, afirma Jairo Salvador.

Os excessos relatados pelas vítimas incorporam dados novos às violações conhecidas, como a morte do aposentado Ivo Teles dos Santos, de 70 anos, espancado por policias militares, ou o caso de David Washington Furtado, ferido por bala disparada da arma de um guarda municipal, ambas com investigações inconclusas pela Polícia Civil.

Nas declarações, também há informações de que casas dos ocupantes do Pinheirinho foram incendiadas durante a reintegração. Testemunhas afirmam que dois helicópteros da PM sobrevoavam o local lançando bombas de efeito moral nos telhados das residências. As faíscas provocadas pelos dispositivos, em contato com material inflamável, teriam causado o fogo.

Quem manda no Pinheirinho

“A ação foi para destruir um inimigo. O poder mobilizado pelo Estado era de guerra. As pessoas foram colocadas sob estresse contínuo. O tempo todo, desmobilizavam pequenos grupos. Ninguém podia se reunir que tomava tiro de bala de borracha, pancada e bomba. Não tenho dúvida de que, do ponto de vista militar, a operação foi vitoriosa, só que contra civis”, diz o defensor Jairo Salvador, amparado em um estudo realizado pela Defensoria de São José em parceria com o Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo.

O estudo contém um relatório sobre os danos psicológicos sofridos pela população em que se constata, principalmente, os reflexos da humilhação imposta, não apenas pela violência, mas pela desmoralização sofrida por famílias que buscavam legitimar seu direito à moradia. Há vários relatos, por exemplo, de pais de famílias obrigados a repetir em altos brados, na presença dos filhos, que quem mandava no Pinheirinho era o Batalhão de Choque da PM.

“Os policiais foram muito estúpidos, apressando muito, debochando dos moradores o tempo todo. Xingavam, empurravam e apressavam as pessoas com armas no peito e na cabeça. O que mais machuca até hoje é lembrar dos filhos pedindo pra ir pra casa”, diz Aline França, que ali vivia com o marido e três filhos, de 8, 5 e 2 anos, desde 2007.

“Aquelas pessoas perderam seu projeto de vida, desacreditam de tudo, não querem saber de organização. Crianças chegam à escola estigmatizadas, com grande chance de fracasso escolar. Vamos sentir, no futuro, o grande impacto disso tudo”, avalia o defensor público.

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Compartilhada por Andrei Danilo Guarani Kayowá.

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