Em entrevista à Carta Maior, Walcyr Barros, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior no Rio de Janeiro – (Andes-SN/RJ), credita os dois meses de greve dos professores das universidades federais à demora do governo em chamar uma negociação e coloca o compromisso com os princípios de uma educação pública de qualidade como a principal meta do movimento.
Rodrigo Otávio
Rio de Janeiro – Em meio ao acampamento dos servidores públicos na Esplanada dos Ministérios os professores das universidades federais completaram 60 dias de greve e se preparam para novas negociações com o governo na semana que vem. Em entrevista à Carta Maior, Walcyr Barros, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior no Rio de Janeiro – (Andes-SN/RJ), credita os dois meses de greve à demora do governo em chamar uma negociação e coloca o compromisso com os princípios de uma educação pública de qualidade como a principal meta do movimento.
Barros afirma que o governo não apresentou uma proposta na semana passada, mas apenas “algumas notas”, e que o sindicato discorda delas em três pontos principais: o plano para a carreira docente, as condições de trabalho e investimentos nas instituições e o reajuste salarial. “O que o governo apresenta como proposta imediata de 45% de reajuste é uma falácia.
O reajuste seria a partir de 2013, só alcançando os 45% em 2015. Nós fizemos os cálculos e só quem viria a ter algum ganho seria o professor titular, de 5%. Todas as outras categorias receberiam quase nada ou teriam perdas salariais em termos reais ao longo desses três anos com a inflação”, afirma.
CARTA MAIOR – Qual o desacerto nas negociações entre professores e governo?
WALCYR BARROS – Alguns pontos têm que ser esclarecidos neste contexto. O primeiro é basicamente os nossos 60 dias de greve. Por que ficamos este tempo em greve? A resposta é simples. O governo federal não sentou para negociar, não apresentou nenhuma proposta.
Ele só veio a apontar uma possibilidade de negociação a partir do momento que essa pressão política a nível nacional se intensificou, ou seja, o movimento de greve se reforçou e as pressões sociais, de certa forma, e políticas, dentro do próprio parlamento, se intensificaram. Aí marcou-se uma reunião, quando o governo finalmente apresentaria uma proposta.
Pois bem, na última sexta-feira (13), para nossa surpresa, antes de nós sentarmos para a negociação, o ministro da Educação (Aloizio Mercadante) e a ministra do Mpog (Miriam Belchior, ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão) fizeram uma convocação à mídia apresentando a proposta com a seguinte epígrafe: “Vamos conceder reajuste de 45% para dar fim à greve dos professores. O reajuste é além, inclusive, do que os professores estão solicitando”. Isso antes de sentarmos à mesa. Então nós temos um problema político bastante grave aí. E logo em seguida o Sérgio Mendonça (secretário do ministério da Educação) nos apresentou algumas notas, porque o governo não veio com uma proposta.
… Não teve proposta?
Não! Completamente diferente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), que tem uma proposta. Nós temos uma proposta de carreira que vem sendo construída desde 2010, foi apresentada ao governo no ano passado e foi aprovada no congresso nacional do Andes.
Qual é a particularidade da nossa carreira? É uma carreira de professor federal. Nas universidades nós temos um dispositivo que se chama Caps, os colégios de aplicação; temos os centros federais de ensino, os Cefets, e temos agora a Instituição Federal de Ensino Superior, todos eles com uma formatação de natureza de ensino básico e técnico. Então são dois espaços dentro de um mesmo processo de educação, mas são professores com concurso, com mestrado, com doutorado, pesquisa e extensão, da mesma maneira que professores de ensino superior. Esses professores têm o mesmo gabarito. Então a nossa carreira engloba, é uma carreira única de professor federal. Porque nosso entendimento é: como duas pessoas formadas da mesma maneira vão ter carreiras diferentes, vão ter salários diferentes?
O governo não entende assim?
As anotações que ele apresentou de forma concreta mantêm toda uma série de distorções que se acumulam na carreira docente. É importante termos noção das táticas que o governo federal vem apresentando nos últimos 20 anos. Nós tínhamos uma carreira que só tinha, basicamente, as categorias Auxiliar, Assistente, Adjunto e o Titular. Só que são carreiras diferentes. Até Adjunto você ascende. Mas para Titular você tem que prestar outro concurso.
Pois bem, um professor quando se aposentava como Assistente, isso era lei, ia para o topo da carreira, com o salário de Titular. Até porque a diferença percentual era muito pequena, justamente para evitar essas distorções. A mesma coisa com o ensino básico e técnico, era B1, B2 e B3.
Na greve de 2006, o governo então cria a categoria de Associado. No ano passado o governo apresentou a proposta de criar uma outra categoria, Senior, que achataria ainda mais as aposentadorias, criando uma dificuldade de ascensão do professor ao longo de sua carreira.
E qual a proposta do Andes?
A proposta do Andes é uma carreira de 13 níveis. Essa nomenclatura cai. A mesma coisa para o quadro dos docentes do ensino básico e técnico, eles estariam dentro da mesma carreira. Até porque esse modelo do governo quebra de uma forma determinante todo o processo de funcionamento da universidade.
Todo esse contexto de ascensão é acadêmico. Essa modalidade que o governo insiste em manter é uma modalidade de ascensão produtivista. Então é aquilo, você tem metas, tem que montar dez carros durante uma hora. Isso não faz parte do que seja o trabalho acadêmico! Exemplo, as atividades de extensão não são consideradas a nível de pontuação. É a quantificação de quantos artigos você veio a publicar ao longo de um ano em uma revista top de linha. Se você não conseguiu essa publicação vai ser penalizado, não importa se você tem um trabalho de extensão em saúde, por exemplo, se você está em outros projetos de educação em comunidades carentes.
O governo quer fragmentar dois grupos de professores universitários que apenas atuam em cenários diferentes. Seria como penalizar professores de Belas Artes porque imediatamente eles não ofereceriam resultados para a sociedade; em contrapartida os professores da área de saúde, junto aos hospitais universitários, atenderiam a população. Isso a grosso modo. Os professores de Belas Artes fazem pesquisa, fazem extensão, produzem. Afinal de contas estamos em uma sociedade plural quanto ao processo de conhecimento.
Além do plano de carreira, em quais outros pontos professores e governo não se entendem?
A falácia com relação à remuneração salarial, aquilo que o governo apresenta como proposta de 45% de reajuste. Nós fizemos o cálculo e está claro que só quem viria a apresentar algum ganho seria o professor titular, um ganho de 5,9%. O professor Adjunto IV, que na tabela da nossa proposta seria o Nível 8, receberia 1%. O Adjunto III não receberia nada em termos quantitativos reais. E todos os outros teriam perda salarial.
…Isso ao longo desses três anos na proposta do governo de 45% escalonados até 2015…
…Não! Isso contando a partir do primeiro ano. A inflação, por mais que nos pareça baixa, existe. E existe uma corrosão. O que o governo apresenta como reajuste imediato de 45%, temos que considerar que seria a partir de 2013. E tem outra informação. O governo baixou uma Medida Provisória indicando a data base dos professores e do funcionalismo para 1? de março, então esse 2013 começaria em março. Escalonados seriam então 40% em 2013, 30% em 2014 e 30% em 2015 para chegar a esse percentual de 45% de aumento.
E no ano passado nós firmamos um acordo com o governo em que ele se comprometia a um percentual de reajuste de 4% a vingar a partir de janeiro de 2012. O governo só veio a pagar isso em junho, que sai em julho. E aí temos uma estratégia contábil fantástica. No meio do ano a grande massa do funcionalismo recebe a metade do 13? salário. O que acontece quando você aplica um percentual maior naquele momento? O nível de imposto de renda se eleva. Então é dar com uma mão e tirar com a outra.
Outro ponto de reivindicação dos professores é por melhores condições de trabalho, correto?
O serviço público vem sendo sucateado. Em contrapartida a isso, o governo federal aplica o Prouni (Programa Universidade para Todos), que se nós formos ver é o financiamento para as faculdades particulares que estão na bancarrota sobreviverem. Locais de ensino que não tem uma função social, mas uma função de mercado, puramente comercial. E o governo investe nelas diretamente e com anistia fiscal. Ou seja, um orçamento que certamente poderia ser usado nas universidades públicas, que ao longo desses anos proporcionalmente têm tido redução orçamentária. Proporcionalmente por quê? Aumentou o número de universidades públicas e de alunos nestas universidades, e a inflação continuou. Então o que o governo apresenta numericamente em termos de aumento de investimento é uma grande ficção.
A questão dos 10% do PIB para a educação estaria inserida aí?
Para a educação pública! O que o governo fez? Em 2003 houve uma negociação onde o governo apontou destinação de 7% do PIB para educação até 2010. Não foi cumprido. Agora o MEC aponta 10% em 2023!! Só que neste projeto de 10% estão todas as escolas privadas, todas as fórmulas matemáticas e orçamentárias que não dizem respeito ao investimento no ensino. Então este princípio para o Andes é fundamental: 10% do PIB para a educação pública!
Quais os próximos passos da greve e das negociações?
Quem decide são as bases. O Andes se debruçou em cima dos elementos que o governo apresentou, que ele está configurando como uma proposta. E na nossa leitura não tem nada de concreto, apenas esses 45% apresentados como reajuste salarial. Só que não estamos lutando por uma questão puramente salarial, mas por um plano de carreira, pela sobrevivência da universidade pública, ou seja, por um conjunto de elementos e princípios que apontam um compromisso dessa universidade pública com a sociedade.
Então o sindicato faz uma análise, encaminha essa avaliação para as associações docentes, e essas associações, seus professores, vão fazer a análise em suas assembleias gerais, provavelmente até sexta-feira (20). Está marcada uma outra reunião entre Andes e governo para o dia 23, e até lá devemos ter um posicionamento definido de forma democrática, deliberada pelo conjunto dos professores.
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