Artigo da ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, publicado na editoria de Opinião do jornal Correio Braziliense, em 15 de julho de 2012
Autonomia das mulheres
Toda manhã, mais de 40 milhões de brasileiras finalizam os cuidados nas próprias casas para poder ir ao trabalho, ou para a busca do emprego. Quase 7 milhões delas irão a outras tantas casas, na condição de trabalhadoras domésticas. Nas últimas décadas, a presença das mulheres nas mais diversas áreas, faixas e profissões tem aumentado significativamente, mas ainda é proporcionalmente menor que a dos homens. Sete em cada 10 homens na população economicamente ativa trabalham ou procuram emprego, e menos de cinco em cada 10 mulheres estão na mesma situação. A diferença de rendimentos é marcante: as mulheres recebem 73,8% dos rendimentos dos homens. Ou bem menos quando se consideram as desigualdades raciais: a renda média das negras equivale a um terço da dos homens brancos.
É evidente que as mulheres vêm superando desvantagens históricas, como demonstra o aumento da escolaridade em relação à dos homens. Mas os obstáculos para conquistar condições mais igualitárias continuam muitos e fortes. Vão da menor valorização das tarefas e funções desempenhadas por elas, à noção ainda comum de que trabalho feminino é leve e complementar ao masculino, e às dificuldades plantadas no dia a dia, já que é “natural” atribuir prioritariamente a elas as pesadas responsabilidades familiares. É o cotidiano da casa, do mundo privado demarcando possibilidades e horizontes da vida. Para ficarmos num exemplo, em 2010 as mulheres informaram ao IBGE que gastam cerca de 24 horas semanais em atividades domésticas não remuneradas – o velho trabalho doméstico cotidiano, tão essencial quanto invisível.
Ao mesmo tempo, os homens declararam a dedicação de apenas 10 horas às tarefas domésticas e familiares, reforçando a divisão sexual do trabalho. O espelho da sociedade difunde assim um imaginário segundo o qual há trabalhos e carreiras “essencialmente” femininas. Não por acaso, ainda hoje, as jovens se orientam majoritariamente para cursos e profissões que refletem essas dinâmicas. Em 2010, nos cursos de educação, mulheres eram 67,4%, e homens, apenas 32,6%. Proporção que se repete nos estudos das áreas de saúde e bem-estar social, com 74,8% de mulheres e 25% de homens. Na outra ponta, numa inversão que fala por si, os homens são mais de 70% nas áreas de ciências, matemática, computação, engenharias, produção e consumo.
A situação das trabalhadoras domésticas é, talvez, a que melhor exemplifica a questão. Uma em cada seis brasileiras que trabalham fora é empregada doméstica. São quase 7 milhões, das quais 62% negras. A maioria sem a carteira de trabalho assinada, o que significa não ter acesso a direitos como férias remuneradas, auxílio-doença, 13º salário, descanso semanal e reconhecimento da profissão. Trata-se de um quadro de intensa desigualdade e ausência de direitos que a sociedade tem o desafio de enxergar e tratar. É nesse sentido que a Secretaria de Políticas para as mulheres da Presidência da República pauta sua ação – na perspectiva das políticas públicas de transformar em interesse do país realidades que eram consideradas restritas ao mundo privado.
O objetivo da SPM de alcançar a autonomia econômica da mulher e sua inserção no mercado de trabalho compõe-se de necessidades várias, como reverter os baixos rendimentos, dar garantia efetiva dos direitos, inclusive com propostas legislativas, e de debater com a sociedade uma mudança da concepção de que o trabalho de casa é tarefa de mulher. Ainda que essa não seja a única condição, mulheres com independência econômica e financeira, com direitos e benefícios garantidos, podem investir em perspectivas profissionais e culturais, entre outras: têm melhores instrumentos para enfrentar a violência doméstica, já que poderão garantir o sustento de si e da família. Mas essas não são questões apenas do mundo urbano. Para as trabalhadoras do campo e da floresta, muitas vezes é mais difícil o acesso aos equipamentos sociais e às políticas públicas.
Se as prioridades da SPM, no conjunto do governo federal, são estimular e fortalecer ações capazes de incrementar a autonomia econômica das mulheres, o horizonte dessa questão vai muito além das ações de governo. Superar desigualdades presentes no cotidiano do mundo do trabalho, que ainda guarda relações e valores incompatíveis com as conquistas das mulheres, é necessidade de um país inteiro, ainda mais porque ele está à frente nas políticas de superação das desigualdades sociais.
Eleonora Menicucci – Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República
http://www.sepm.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2012/07/16-07-em-artigo-ministra-eleonora-aborda-autonomia-economica-das-mulheres