Justiça Ambiental e Saúde: Ciência e Ativismo em Busca da Transformação foi o tema do seminário promovido pela ENSP no dia 14/6. Na abertura, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, parabenizou a qualidade dos participantes e classificou o momento como especial, carregado pela expectativa da Rio+20. “Esse evento compõe o esforço que a Fundação vem galgando na área de ambiente, e o fortalecimento do movimento de justiça ambiental ajuda a reduzir a iniquidade, a assimetria”. Na sua missão, origem e trajetória, a Fiocruz tem forte compromisso com a justiça social e as mesas do encontro deram foco aos movimentos populares e experiências da África, América Latina e Europa.
O coordenador do projeto Environmental Justice Organizations, Liabilities and Trade (Ejolt) e economista da Universidade Autônoma de Barcelona Joan Martinez-Alier também compôs a mesa de abertura e disse que os grupos ativistas de justiça ambiental de várias partes do mundo são forças importantes para se chegar a uma economia sustentável. Ainda destacou o plano de ação da Ejolt, que engloba os conflitos de justiça ambiental e de terra gerados pela exploração de energia nuclear, petróleo e gás.
O evento, composto por duas mesas-redondas, teve a primeira mediada pelo diretor da ENSP, Antônio Ivo de Carvalho, e a outra, por Joan Martinez-Alier. Na parte da manhã, o debate centrou-se no tema ‘Experiências dos movimentos de justiça ambiental no enfrentamento de riscos ambientais e o papel do engajamento popular’. O pesquisador do Cesteh/ENSP, Marcelo Firpo, falou sobre ‘Ciência para a justiça ambiental: princípios e desafios’.
Segundo ele, a crise ambiental é cada vez mais crescente, sendo que nos últimos 150 anos as mudanças climáticas vêm acontecendo devido ao aumento da produção industrial e do uso de combustíveis fósseis, que geram poluição e reduzem a biodiversidade. Firpo ressaltou que nos últimos 40 anos observa-se o fenômeno da passagem dos riscos gerados pela produção industrial, com a poluição transfronteiriça atingindo níveis globais e provocando a redução da camada de ozônio, por exemplo. “Entendemos que o movimento por justiça ambiental articula ambientalismo com direitos humanos e com democracia e se relaciona com a saúde dos atingidos. Somos todos responsáveis, mas não igualmente responsáveis”, declarou.
A pesquisadora Raquel Rigotto, da Universidade Federal do Ceará, trouxe o tema ‘A luta contra os agrotóxicos no Ceará e o conhecimento dos atingidos’ e deu início à sua apresentação saudando a ENSP pela acolhida da temática da justiça ambiental. De forma otimista, disse que “a injustiça está globalizada, mas a resistência também está”. Uma das histórias que Raquel relatou aconteceu no município de Apodi, comunidade da Lagoa dos Cavalos, onde a relação sociedade/natureza era harmônica e eram usadas técnicas de irrigação milenar. No entanto, disse ela, as comunidades foram removidas para dar lugar às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, sob a alegação de que um estudo de impacto ambiental identificava que a população local era rarefeita e havia escassez de recursos hídricos. “’Por que a água chega e a gente tem que sair?’ é a pergunta da população”, disse ela.
Raquel informou que as lições aprendidas da produção compartilhada do conhecimento com a população foram livrar-se da arrogância da ciência e do elitismo colonial; incorporar a participação e perspectiva popular desde a definição e construção do problema; construir uma relação de confiança com os sujeitos do território; entender que a metodologia científica deve oportunizar o diálogo e a expressão do grupo, traduzir e organizar a informação de maneira a ser apropriada pelas pessoas; e também criar e cultivar instâncias de comunicação permanente com o local.
Adolfo Maldonado, da organização ecologista Acción Ecológica, compartilhou o caso de Pimampiro, província de Orellana, no Equador, repleta de estações de exploração de petróleo. De acordo com ele, de uma produção de 400 mil barris por dia, a cada ano derrama-se mais de 32 mil barris nos rios. Há famílias com três casos de câncer. “As pessoas não sofrem só a pobreza econômica porque a terra dá menos, mas porque não podem mais eleger determinados cultivos. O empobrecimento é parte da estratégia do Estado de destruição do tecido social”. Maldonado defendeu uma ciência que recupere a identidade, a visibilidade dessas pessoas e sua alegria, seu sonho. E concluiu: “quando se renuncia à reparação da natureza, se renuncia a tudo”.
A mineração e seus impactos na saúde e ambiente
Os casos emblemáticos de justiça ambiental relacionados a conflitos na America Latina, África e Europa foram expostos na mesa da tarde do seminário Justiça Ambiental e Saúde, realizado no dia 14 de junho. Os palestrantes revelaram numerosos casos de exploração causados pelas indústrias de mineração em suas localidades e os impactos negativos no meio ambiente e na saúde das populações provocados pela atividade extrativista.
As consequências da exploração das minas de urânio na Namíbia foram relatados pela representante da organização Environmental, Justice Organizations, Liabilities and Trade (Ejolt), Bertchen Kohrs, que apontou o país como um destino favorável a esse modelo de indústria pela falta de enquadramento legislativo para a indústria nuclear, a ausência de monitoramento do governo, além do alto grau de desemprego da população e os baixos custos com impostos. “O urânio representa 16,5% do total de exportações na Namíbia”.
Ela citou problemas com a água da população, a falta de equipamentos adequados para a proteção radiológica dos mineradores e a insegurança em relação à alimentação. “Nossa declaração é dizer não ao urânio! Ele faz com que as pessoas sofram e poucos se beneficiam do seu uso. Apelamos para deixarem o urânio na terra, pois não precisamos de energia nuclear”.
Empresas não associam doenças à mineração
A palestrante comentou a falta de informação dos trabalhadores sobre os resíduos da substância e a conivência dos médicos com as empresas. “Os médicos não apresentam os exames aos trabalhadores, apesar de eles saberem a natureza dos seus problemas de saúde. Também tentamos entender a perspectiva da gerência das empresas, mas eles julgam não haver elo entre a atividade de mineração e as doenças dos trabalhadores. Dizem que as doenças dos mineradores estão relacionadas ao estilo de vida dos trabalhadores, como a grande ingestão de álcool e a proliferação da Aids. Temos casos de trabalhadores prejudicados e queremos usar essas provas contra as empresas”.
O físico Bruno Chareyron, também da Ejolt, destacou o papel da população no monitoramento do impacto radiológico das minas de urânio na Nigéria. O palestrante citou a exploração dos recursos na África fazendo uma comparação com os países europeus. “Desde o final dos anos 1960, mais de cem mil toneladas de urânio foram produzidas na Nigéria, enquanto na França foram extraídas 76 mil toneladas de 1946 a 2000”.
Chareyron citou uma missão desenvolvida em 2003 naquele país e lembrou que, ao desembarcarem, os equipamentos de monitoramento profissional foram confiscados pela polícia no aeroporto. Ele lembrou, ainda, da grande quantidade de sucata radioativa dispersa no país e a revenda desses produtos infectados. “Descobrimos em 2009 tubos usados sendo vendidos no mercado com grau de radiação 49 vezes acima do normal. Os tecidos que cobriam os tubos estavam 100 vezes mais contaminados”, denunciou. Ele falou também das outras formas de contaminação. “A água usada pela população tem um grau de contaminação maior do que o permitido pela OMS e os resíduos e a lama radioativa das minas são armazenadas a céu aberto. Tudo está contaminado e não é surpresa que a população esteja doente”.
Ao comentar a situação da mineração no Equador, Glória Chicaiza, da Acción Ecológica, disse que é do conhecimento de todos os impactos sociais e ambientais causados pelo extrativismo em grande escala. O modelo, segundo ela, toma rios, lagos, áreas protegidas e gera uma exploração de conflitos sociais. “Não importa para as empresas onde estão os minerais. O importante é a extração”. Chicaiza ainda falou do processo de criminalização de organizações que se posicionam contra o minério em países latino-americanos. “O processo de expansão territorial pelas transacionais é disputado pelas nacionais também. Há repressão às populações que se opõem a isso, com forças paramilitares vinculadas à mineração”.
A legalização dos crimes ambientais
No final, Dragomira Raeva falou sobre os conflitos na Bulgária, comentando a ‘permissão’ concedida pelo governo do país para desmatamento por meio de novas leis ambientais. “Sofremos muito com o aumento da construção e da pressão nas áreas protegidas, além das zonas costeiras e florestas. Projetos de construção de rodovias e expansão de aeroportos vêm sendo promovidos pelo governo, que está buscando promover uma mudança na lei florestal para agradar a empresas de ski e promover o turismo. Esse é um exemplo de como um crime ambiental pode ser legalizado permitindo a destruição da natureza pela lei.
http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/30497