Maior manifestação das trabalhadores no campo, Marcha das Margaridas leva à capital federal camponesas dos lugares mais distantes do Brasil. Para honrar memória de sindicalista assassinada há 28 anos e reivindicar direitos, ‘margaridas’ enfrentam longas viagens de ônibus e falta de dinheiro. Resultado do esforço será conhecido hoje (17/08), com resposta do governo a reivindicações.
Bárbara Lopes – Especial para a Carta Maior
BRASÍLIA – Os seis quilômetros que separam o Parque da cidade de Brasília, área central da Marcha das Margaridas, e o Congresso Nacional não serão os mais difíceis que milhares de mulheres presentes à manifestação terão de percorrer nesta quarta-feira (17/08). Será até um passeio, para quem esteve na estrada por mais de um ano, participando de etapas preparatórias à jornada anual de lutas das camponesas brasileiras.
“Foi uma longa caminhada até o dia de hoje [terça-feira]. A gente conseguiu nosso objetivo, de trazer a caravana”, diz Mercedes Panassol Demore, coordenadora de mulheres da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado do Paraná (Fetaep). Para conseguir viabilizar à ida à manifestação em longas viagens de ônibus e sobreviver durante um tempo longe de casa, mulheres de diversos estados tiveram de se virar e apelar à criatividade, para arrumar dinheiro.
“Uma mulher me disse: ‘eu tinha uma galinha e uma pata. Rifei a pata e consegui 70 reais'”, conta Conceição Dantas, do Centro Feminista 8 de Março do Rio Grande do Norte, organização que faz parte da coordenação da Marcha Mundial de Mulheres.
“Para nós, é até dificil explicar como é importante esse processo. Porque é dar responsabilidade às mulheres de organizarem a sua vinda. Elas têm que conquistar isso. Se o seu grupo não consegue mobilizar e conscientizar as mulheres e buscar os recursos, elas não conseguem vir. Assim, transformam dificuldades pessoais em desafios coletivos”, explica a potiguar.
Para construir essa mobilização, atividades regionais de formação, explicando a história e os objetivos da Marcha das Margaridas, foram realizadas nos 27 estados. Nem todas as mulheres envolvidas na preparação puderam ir à capital federal, no entanto. As 70 mil presentes, na estimativa da organização, são apenas a parte visível de um processo que tem raízes bem mais profundas.
“Nós começamos as discussões nos grupos de base, espalhados em pelo menos 20 municípios do Rio Grande do Norte, no dia 8 de março. Começamos a discutir quem viria para Brasília receber a resposta da presidenta [Dilma Rousseff] às reivindicações. E muitas manifestaram esse desejo”, diz Conceição.
Dilma vai participar do encerramento da Marcha, no mesmo Parque da Cidade aonde as margaridas estarão de volta do “passeio” de seis quilômetros até o Congresso. Lá, Dilma e seus ministros devem anunciar o que, dentre as reivindicações do movimento, será possível atender.
Margarida, sindicalista
A maior mobilização do campesinato feminino brasileiro é relativamente recente. A primeira foi feita há onze anos. O movimento inspirou-se num fato trágico, mas ainda comum no Brasil: o assassinato de uma sindicalista, Margarida Maria Alves, em 1983, numa região conhecida como Brejo da Paraíba, no estado homônimo.
“Começamos com um grupinho de esposas dos líderes das oposições sindicais rurais, em 1981, e a coisa logo pegou fogo e se espalhou”, lembra Maria Valéria Rezende, freira católica que assessorava movimentos populares na época.
As mulheres começaram discutindo assuntos gerais, como acesso à terra. Mas, aos poucos, questões de gênero foram surgindo. Foi nesse grupo que ascendeu como liderança a camponesa Margarida Maria Alves, que se tornou o apelido das manifestantes.
Hoje, as trabalhadoras defendem que é impossível discutir a situação no campo sem passar pela questão das mulheres. As críticas ao modelo agrário feitas pelo movimento rural – a defesa da agroecologia e da agricultura camponesa, por exemplo – têm uma relação profunda com o trabalho normalmente atribuído às mulheres no campo.
Os quintais, com plantações voltadas para consumo próprio ou para comercialização em pequena escala, eram uma forma de invisibilizar o trabalho feminino. Atualmente, é uma bandeira de diversos setores dos trabalhadores rurais.
“Precisamos de um modelo de desenvolvimento agrário que coloque a produção das mulheres e a reprodução como centro. Tanto faz elas estarem na casa, cuidando dos trabalhos domésticos, ou na roça, a divisão sexual do trabalho acontece nesses dois espaços e esses dois espaços sao desvalorizados quando é trabalho de mulher”, defende Conceição Dantas.
Apesar dos avanços, em relação aos benefícios da Previdência Social e titulação conjunta de lotes da reforma agrária, a pauta apresentada pelas margaridas ainda é extensa, mostrando que ainda falta muito para diminuir as desigualdades de gênero no campo.
“Para nós, são centrais as questões da violência contra a mulher, da documentação das mulheres trabalhadoras rurais, o Pronaf Mulher [linha do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar voltada às mulheres] que não sai, está sempre bloqueado e a mulher nunca consegue fazer o financiamento”, critica Mercedes. Por isso, as mulheres seguem em marcha.
Fotos: Marcello Casal Jr/ABr
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