Amigo muito querido,
Repito aqui o que escrevi na mensagem particular: você pode ter muitos medos, mas não é covarde. Costumo dizer a meus pacientes que coragem não é exatamente igual a destemor: coragem é a força que precisamos acionar justo diante do que tememos. Os medos de que você se fez íntimo desde tão pequeno, dos quais não faz segredo e até fatura parte de seu charme, os seus medos queridos, se assim posso dizer, também te exigem coragem. Se não fosse assim, não poderia conviver com eles. Porém – e como dizia Plínio Marcos, sempre existe um porém – eu que te observo desde 1987 (antes já te conhecia mas não te observava) afirmo aqui, outra vez, o que já devo ter dito de viva voz com minha falta de diplomacia crônica: o pior remédio para o medo é eleger a segurança como medida da vida. Quanto mais você se protege, mais alimenta os fantasmas. Quanto mais fecha a porta de casa, mais o mundo se afigura ameaçador. A estratégia contrafóbica de quem conviveu com a fobia, no meu caso, é esta: tá com medo? Vai lá. Confere o tamanho da encrenca, veste o lençol do fantasma, espia com cuidado, na beirinha do abismo, a paisagem lá em baixo. Quase sempre dá certo. Não sempre.
Quando fiz sete anos, minha família se mudou para um sobrado bem maior do que a casinha térrea a que já me acostumara. No início, sentia pavor de subir sozinha, à noite, até o segundo andar. Inventei de brincar com o suposto perigo: subia as escadas no escuro e testava em quantos cômodos era capaz de entrar sem acender a luz. Ia suspensa, palpitante, com a respiração presa até o momento em que um tremor vindo de dentro do corpo me obrigava a acender a luz de onde estivesse e correr, com todas as pernas, de volta para a sala onde estavam meus pais, a quem nunca contei qual era o jogo. Brinco disso até hoje, com outras escuridões. Às vezes vale o que encontro, às vezes não – mas ainda assim, vale o jogo. E o frisson. Já te mostrei este velho poema, “Caminhar no escuro”, lembra dele? (mais…)