Miguel Baldez
Dezenove de abril deste 2011, importante dia de saudação e homenagem à vida desse povo pobre do Rio de Janeiro, aquela pobreza institucionalizada pela Constituição Federal no princípio objetivo (artigo 3º) nela incluído em cumprimento ao princípio fundamental do respeito à dignidade do homem e da mulher (artigo 1º), falo da ordem constitucional de erradicação da pobreza e, como ordem, anotado no programa de governo pela presidenta Dilma Roussef, mas muito mal compreendida por seus parceiros do Rio, principalmente o Prefeito Eduardo Paes e seu braço armado, o governador Sergio Cabral com o aparato militar que a competência federativa lhe reservou.
Entendam senhores: a presidenta não quis dizer que a erradicação da pobreza se faria através de variada forma de violência, oficial ou não, como mandados judiciais, ações policiais e terrorismo municipal. Já se disse em outro escrito mas não custa repetir, até à exaustão se for preciso, que não é e nem será por meios cirúrgicos que a senhora presidenta pretende erradicar a pobreza mas sim por mecanismos de inclusão social.
Pois naquele importante dia 19 de abril deu-se na prática aquilo que Ernst Bloch (O Princípio Esperança), citado por Leandro Konder (O Manifesto Comunista 150 anos depois) chamou “consciência antecipadora” da utopia. E esta festa democrática aconteceu por iniciativa do deputado Marcelo Freixo, que, em honra do grupo de terras da Defensoria Pública, criou condições institucionais para abrir a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro às comunidades excluídas e perseguidas da cidade, mostrando a Alerj, de fato, o que não é muito comum, como casa do povo.
A sessão solene não foi, por isso, uma solitária solenidade burocrática. Na verdade, a outorga da medalha Tiradentes ao Núcleo, foi fruto de importante mobilização popular e ao deputado Freixo, com solidária sensibilidade política, coube formalizar na Alerj a vontade daquela gente segura de si e organizada para resistir às agressões do poder.
Não foi, apenas entretanto afirma, o Núcleo de Terras o único grupo democrático honrado com outorga da medalha. Com ele também foram homenageados os Magistrados Fluminenses para a Democracia e os Juízes Democratas de São Paulo, que juntamente com os Juízes do Rio Grande do Sul, vêm iluminando com as luzes da democracia e vigorosa ação libertária e envelhecido direito brasileiro.
A nota triste da noite foi a incompreensível intervenção da Defensoria Geral no ato, pois sua representante, ao invés de ressaltar a importância de seus companheiros do Núcleo, acabou invisibilizando-os em generalização naquele momento certamente inoportuna. Pareceu que o trabalho dos defensores do Núcleo, afinal, não é tão importante assim. E é deveras muito importante, eu diria imprescindível, pois chega a beirar o heroísmo a luta contra o reacionarismo racista (70% dos 10% mais pobres da cidade são negros) de um sistema formado pelos principais comandos jurídicos e policiais do Rio de Janeiro, incluindo Município e Estado, e, a distância ou com apoio financeiro ou pela omissão diante da violência, a União Federal, e, mais à distância, mas não tão distante assim, com seus bolsos recheados e ávidos olhares voluptuosos, a especulação imobiliária, grande beneficiária de UPPs e das remoções, essas uma aberrante ilegalidade.
Deu pena a vaia com que foi recebida a nomeação de um novo coordenador para o núcleo de terras, pena do jovem supostamente agraciado, cujo embaraço ficou muito claro, e se isto lhe servir de consolo veja que a vaia, tecnicamente, não foi para ele e sim para a natureza do ato anunciado, evidente intervenção que o deixou na incômoda e desagradável condição de interventor, prática inaceitável de fascismo societal, como bem diz e registra em vários estudos Boaventura de Sousa Santos.
A intervenção é um sinal. Mostra o risco da perda ou, no mínimo, do enfraquecimento do Núcleo de Terras, com sua necessária composição atual, cujos componentes, espera-se, que o senhor Defensor Geral mantenha, até pela significação histórica desse grupo, síntese perfeita da dialética democrática entre a investidura oficial e a práxis consagrada pela unânime aprovação popular.
PS: depois de redigido o texto, chegou-me a notícia de que os componentes do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública, não resistindo às pressões internas, exoneraram-se de suas respectivas funções, e, provavelmente como punição, foram lotados, cada um de per si, em municípios diferentes e distantes uns dos outros. Cabe, agora, à Assembléia Legislativa e aos movimentos que participaram do grande ato do dia 19 de abril exigirem do Defensor Geral a recomposição do Núcleo com o retorno de seus integrantes, pois não se pode admitir que a Assembléia Legislativa e os movimentos populares sejam punidos por participarem de ato democrático promovido na própria assembléia por iniciativa e a convite de um deputado. É a consumação da prática fascista ensaiada e anunciada com a intervenção.
Salve o Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública (mas salve mesmo…)