Da luta pela demarcação das terras à participação em organismos governamentais, indígenas elegem novas frentes de batalha para conquistar renda e dignidade
Manaus, 19 de Abril de 2011, Aristide Furtado
Depois de três décadas de luta, a questão indígena no Amazonas chega em 2011 com lideranças em cargos públicos, o movimento de representação fragmentado e o desafio de superar problemas em áreas básicas como saúde e educação, e avançar na implementação de políticas de geração de renda para assegurar a permanência, com dignidade, de uma população de mais de 120 mil habitantes nas 178 terras indígenas do Estado.
Nesse período, a mobilização em defesa dos direitos das populações indígenas levou à criação de órgão de pressão social como a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), que agrega 750 aldeias, de 22 grupos étnicos diferentes, e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a maior do gênero no Brasil. Levou também à criação da Fundação Estadual dos Povos Indígenas (Fepi), transformada em 2009 em Secretária Estadual (Seind).
Apesar de ações pontuais, a conquista de espaço no Poder Público, contudo, não colocou a questão indígena como prioridade na agenda governamental.
A Seind possui o menor orçamento do Governo Estadual. A Lei Orçamentária para 2011 prevê R$ 4,1 milhões para a secretaria. O valor fica abaixo até dos R$ 4,5 milhões reservados para a Secretaria de Articulação de Políticas Públicas aos Movimentos Sociais e Populares (Searp).
Em 2010, a Seind gastou R$ 3,3 milhões, de acordo com o portal da Transparência do Governo Estadual.
Outro fato que chama a atenção é a ausência de representantes indígenas no Poder Legislativo. O Amazonas detém a maior concentração de índios do Brasil.
Cerca de 30% do território estadual fica em terras indígenas. Essas áreas estão localizadas em 81% dos 62 municípios do Estado.
Dados da Seind, indicam a existência de 120 mil habitantes nas aldeias e mais de 60 mil nas cidades. Apesar desses números, nenhum dos 24 deputados estaduais do Amazonas é oriundo do movimento indígena. Tampouco nenhum dos onze membros da bancada federal do Amazonas.
Esse quadro começou a mudar nas administrações municipais. Duas das 62 prefeituras do Estado hoje são comandadas por lideranças indígenas. No Alto Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira é administrada por Pedro Garcia (PT).
O município tem mais de 90% da população de índios de mais de 20 etnias. O prefeito de Barreirinha é Mecias Sateré (PMN). Ambos foram eleitos em 2008.
Nas câmaras municipais, a representação indígena começou a aparecer. Pelas contas da Seind, são 19 vereadores espalhados em municípios como Tabatinga, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá, Barreirinha, Manicoré e Alvarães.
Grandes projetos são uma ameaça
A coordenadora do Conselho Indigenista Missionário do Regional Norte I (Cimi), Edina Pitarelli, entende que os atuais desafios das populações indígenas no Amazonas vão desde questões básicas como o enfrentamento da mortalidade por doenças como hepatite e malária à imposição de grandes projetos de desenvolvimento sem a consulta às populações tradicionais.
Na avaliação de Edina Pitarelli, as políticas públicas para as áreas indígenas são precárias. Ela cita como exemplo o caso da região do Vale do Javari.
Há cada 12 dias, segundo ela, morre um índio vítima de hepatite ou malária. “As escolas estão abandonadas. Sem infraestrutura. As crianças estudam na lama e na poeira”, disse a ativista social.
A coordenadora critica o fato do Governo Federal não levar em conta a opinião dos povos indígenas em grandes obras que afetam a vida deles como a construção das hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia, e de Belo Monte, no Pará.
“Os programas são colocados de cima para baixo. O acompanhamento técnico não aparece. Falta diálogo”, disse.
Políticas de governo inadequadas
A vice-coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazonia Brasileira (Coiab), Sônia Guajajara, criticou nesta segunda-feira (18), por meio de nota, a ineficiência das políticas públicas para as populações indígenas.
“Entendemos que o Estado brasileiro não tem compromisso ou respeito com o seu povo, em especial os povos indígenas. Somos tratados como pessoas que estão à margem da sociedade, empecilhos ao desenvolvimento, ignorantes e primitivos”, disse a dirigente, citando o exemplo da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
Segundo Guajajara, quando as políticas do Governo conseguem chegar às aldeias são inadequadas ao modo de vida dos povos indígenas.
“Lutamos por uma saúde de qualidade que atenda as reais necessidades dos povos indígenas, respeite à medicina tradicional e a cura dos pajés. A Educação é estadualizada, não atende as especifidades dos povos indígenas em nenhum lugar do país, e não oferece condições mínimas para seu funcionamento. Estão negociando os rios para empreendimentos”, declarou.
http://acritica.uol.com.br/noticias/Organizacoes-indigenas-redefinem-desafios_0_465553516.html