Informe nº. 005/UNIVAJA/2011
“Reestruturação da FUNAI: uma conquista ou um retrocesso?”
Desde a criação da FUNAI ocorrida em 05 de Dezembro de 1967 (através do Decreto nº. 5.371 de 05.12.1967), muito se falou e muito se esperava da instituição, que pudesse estar estruturada e capaz para atender a crescente demanda acerca da questão indígena no país. Era uma reivindicação que sempre estava em pauta nas reuniões e assembléias indígenas, sobretudo, devido ao evidente sucateamento da instituição promovido pelo Governo Federal nessas três últimas décadas. Havia uma situação paradoxal onde os índios estavam sempre além do órgão criado para coordenar a política indigenista de Estado, de forma que era praticamente inviável se pensar num denominador comum, entre aquilo que os indígenas pensavam e aquilo que a FUNAI deveria provocar ou coordenar em favor dos mesmos. Os antagonismos eram inevitáveis.
Em meio a um clima de desconfiança dos indígenas e ufanismo político do PT, desrespeitando a Constituição Federal (Art.231) e a Convenção 169 da OIT, reconhecida como lei pelo Brasil desde 2004 (através do Decreto nº 5.051 de 19.04.2004), o atual presidente da FUNAI, senhor Marcio Freitas de Meira, impõe aos índios o Chamado Decreto 7.056 de 28 de Dezembro de 2009, que trata da reestruturação da FUNAI.
Dentre as decisões impostas pelo Decreto, sem uma consulta prévia aos povos indígenas do Vale do Javari, tem-se a extinção da Administração Executiva Regional da FUNAI de Atalaia do Norte e a previsão da criação de uma Coordenação Regional que tenha em sua jurisdição tanto os povos indígenas de parte do Estado do Acre quanto os do Vale do Javari, formando um total de mais de 20 mil indígenas. Bem, até aqui nada anormal, haja vista que o índice demográfico indígena vem crescendo além da média nacional. Porém, as diferenças geográficas, regionais e o nível de interação dos indígenas com a sociedade evolvente são incomparáveis, fatores determinantes para o atendimento às populações indígenas dessas duas regiões.
O Vale do Javari é a segunda maior Terra Indígena do país (tem 8,5 milhões de hectares) e detém uma fronteira de 1.400 quilômetros (seguindo o leito do rio Javari) com o Peru. Além disso, sofre grande influência da Colômbia, pois está próxima a tríplice fronteira entre esses países. Os índios do Javari estão inseridos nesse contexto regional preocupante, numa região que é considerada rota do narcotráfico internacional e suas mazelas correlacionadas, assim como a degradação do ecossistema em suas terras. E o que é mais grave, os índios das regiões mais vulneráveis, como é o caso do baixo rio Curuçá, médio rio Javari e alto rio Jaquirana vêm sendo constantemente usados para ações ilegais nessa região de fronteira, numa perspectiva preocupante à integridade física e sócio-cultural, dentre uma série de agravantes que os expõe no interior de suas terras. É sabido que nessa região mais de 4 mil índios vem sofrendo com uma grave epidemia de hepatite B e Delta há anos, o que já causou cerca de 300 óbitos nos últimos dez anos. Nessa região está localizado o maior número de índios considerados “isolados” do país; apesar de todos esses fatores, os dirigentes do órgão indigenista, numa atitude injustificável, vêm priorizando por manter apenas uma Coordenação Técnica Local, em detrimento a importância da presença de instituições que representem o Estado Brasileiro frente ao contexto supracitado. A criação de uma Coordenação Regional especifica para essa região é de suma importância.
Desde que o Decreto 7.056 foi publicado, a direção da FUNAI-Brasília tem mantido uma postura incoerente com os anseios das populações indígenas do Vale do Javari e isto vem causando, indiretamente, reflexos no próprio andamento das atividades do órgão em Atalaia do Norte e consequentemente na jurisdição da “metamorfósica Coordenação Regional do Vale do Juruá”. Isto porque, devido à desorganização e a indefinição da Presidência da FUNAI, criou-se uma situação na qual uma CTL faz às vezes de uma Coordenação Regional, mantendo-se as “aparências”, porém, diante de uma confusão gerada por mudanças sem um pré-planejamento e sem uma transparência com os índios e muito menos com os próprios servidores “de base” da instituição.
Em 2008 o povo brasileiro ficou indignado ao saber do pronunciamento feito pelos militares na Amazônia, os quais vieram a público expor uma situação preocupante como às do Vale do Javari, na qual argumentavam que o Estado Brasileiro deveria estar mais presente nas regiões de fronteira, onde enfatizavam a falta de controle a que tinha chegado a “política indigenista” coordenada pela FUNAI. Como se vê, a preocupação dos povos indígenas brasileiros nessa região não está baseada na “mesquinhez” ou na “forma paternalista” a que foram submetidos durante anos e muito menos na “manipulação de grupos indígenas dominantes”, como muitos Diretores desinformados do órgão vêm afirmando. Toda essa situação poderia ser evitada se houvesse uma ampla participação dos índios nas discussões, que houve nos bastidores e envolvendo interesses de toda natureza, dentre os quais a fragilidade e a falta de controle a que querem submeter o Vale do Javari. Isto demonstra que o direito dos povos indígenas de discutirem e fazerem suas reivindicações condizentes com o seu bem estar no interior da Terra indígena é o que menos importa.
Há um caos instalado, não existe um diálogo franco com os principais interessados, e até que todas as providências sejam tomadas para a normalização das atividades do órgão indigenista, essa situação irá chegar ao nível de revoltas dos indígenas, a exemplo do que vem ocorrendo em algumas regiões do país. Existem chefes de CTL vinculadas a tal Coordenação Regional do Vale do Juruá (baseada atualmente em Atalaia do Norte) que os indígenas nunca viram e só sabem que existem por que têm suas portarias publicadas no Diário Oficial da União. Parte do efetivo dessa Regional está baseado em Rio Branco, ociosos e sem uma definição sobre onde irão atuar.
Nos últimos meses a FUNAI em Atalaia do Norte vem funcionando de forma limitada, haja vista os imbróglios burocráticos e legais, sem recursos financeiros que atendam as demandas sob a sua responsabilidade. As invasões no médio rio Javari, baixo rio Curuçá e alto rio Jaquirana seguem numa constante, inclusive ameaçando a integridade física dos índios; apenas parte dos trabalhos de etno-desenvolvimento foram executados na região do alto rio Ituí; o atendimentos social aos índios podem parar por falta de condições; a atual chefia da “Regional” vem tendo de atuar num contexto de revolta dos indígenas contra a FUNAI, pois não existe uma definição oficial sobre as reivindicações apresentadas desde que foram oficializadas as mudanças sobre a “reestruturação”; a direção do órgão já marcou e desmarcou sucessivamente 5 reuniões com os indígenas para discutirem os problemas criados por essas mudanças; os novos funcionários, que estão lotados em Atalaia do Norte, vêm tendo de trabalhar sob um clima de incerteza e insegurança; há o esvaziamento de servidores experientes e do quadro que poderiam dar mais dinâmica às atividades dessa “regional”, pois os concursados, além de não terem experiência, são desconhecedores da realidade local e regional pelas vêm tendo de lidar. Tudo isso são empecilhos desnecessários e até propositais que, somados a situação sobre a reestruturação, poderão piorar, ainda mais, o “barril de pólvora” que está instalado na Região do Vale do Javari.
Atalaia do Norte-AM, 14 de abril de 2011.
A Coordenação Geral do UNIVAJA
http://uniaocampocidadeefloresta.wordpress.com/2011/04/17/reestruturacao-da-funai-uma-conquista-ou-retrocesso/