Cecília Mello*
A Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente esteve em Salvador nos dias 4 e 5 de abril de 2011 com o intuito de reunir-se com as autoridades públicas responsáveis pela proteção da saúde e do meio ambiente e gestão das águas no Estado da Bahia, bem como com o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal.
O objetivo desta incidência foi apresentar a estes órgãos o quadro de violações encontrado durante a missão à Caetité, realizada em julho de 2010, e cobrar dos entes públicos envolvidos o cumprimento de suas atribuições e responsabilidades diante da situação crítica encontrada nos municípios de Caetité e Lagoa Real (vide informe abaixo). Acompanharam a Relatora Marijane Lisboa, Zoraide Vilasboas (Associação Movimento Paulo Jackson, entidade da RBJA que demandou a missão) e Renato Cunha do Grupo Ambiental da Bahia (GAMBA, também integrante da RBJA), que apoiou a Relatoria com a articulação local.
No dia 4 de abril, foram realizadas uma reunião com a SUVISA – Superintendência de Vigilância Sanitária e Proteção da Saúde, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e uma reunião com o MPF (Procuradora Caroline Queiroz e Procurador Claudio Gusmão) com a participação do MPE (Promotora Luciana Khoury).
No dia 5 de abril, realizaram-se uma reunião com a Direção Geral do INGA, Instituto de Gestão das Águas e Clima do Estado da Bahia, incluindo a direção de Monitoramento e Informação e a Direção de Outorgas; uma reunião com o Deputado Estadual Eures Ribeiro (PV/BA), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa e uma reunião com a superintendência regional do IBAMA.
Como observação geral, a Relatoria constatou em Salvador um quadro de desinformação, omissão e/ou pressão externa sobre os entes públicos responsáveis pela qualidade da água, da saúde da população e do meio ambiente – quadro já anteriormente observado em Caetité, mas que se perpetua e se reproduz de maneira aguda entre os órgãos visitados. Nota-se, porém, a existência minoritária de técnicos responsáveis e preocupados com a situação dos municípios, que se comprometeram a fornecer documentos que subsidiem tanto o relatório da Missão quanto as ações civis públicas em curso. Mais detalhes sobre os resultados dessa incidência constarão no relatório da missão Caetité, a ser lançando no mês de maio, em data a ser definida e divulgada em breve.
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Informe da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente
Relatores: Marijane Vieira Lisboa e Guilherme Zagallo
Assessora: Cecília Mello
As principais violações de Direitos Humanos observadas pela Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente em sua missão realizada em 2010 à região do município de Caetité (BA) dizem respeito ao Direito Humano à Saúde e ao Direito Humano ao Meio Ambiente. Foram reportados a esta Relatoria uma série de acidentes graves nas instalações da Unidade de Concentrado de Urânio da INB ao longo de seus 11 anos de funcionamento, alguns deles envolvendo vazamento de licor de urânio para o ambiente. Isto teria causado a contaminação por substâncias radioativas do solo, do lençol freático e da água dos poços, estes últimos utilizados para dessedentação humana e animal por parte das comunidades do entorno da mina. Verificar-se -ia aí a violação do Direito Humano à Água Potável, definido pela 108ª plenária da Assembleia Geral da ONU como um Direito Humano Universal.
Foi reportado ainda a esta Relatoria que o uso intensivo dos recursos hídricos na atividade de mineração estaria drenando a água dos poços dos moradores e diminuindo de forma drástica a oferta hídrica no entorno da mina. Observa-se, portanto, para além do problema grave da qualidade da água, um problema de redução da quantidade deste recurso, caracterizando um quadro de escassez e de conflito de usos. Segundo a Política Nacional de Recursos Hídricos, os conflitos de uso envolvendo recursos hídricos devem ser resolvidos priorizando-se o uso da água para consumo humano e dessedentação animal.
O caso da contaminação radioativa de água em Caetité seria um forte indicativo de que o Estado Brasileiro não estaria cumprindo seu papel de assegurar o cumprimento das normas de proteção ao meio ambiente e à saúde da população potencialmente afetada pelas atividades relacionadas à exploração do urânio na Bahia. As notícias de vazamentos e acidentes apresentadas a esta Relatoria permitem supor que a unidade não esteja atendendo às condições legais de radioproteção e segurança nuclear.
A Relatoria considera indesculpável o fato de que o Estado Brasileiro não tenha provido os moradores das redondezas da indústria e da cidade com serviços médicos de prevenção e tratamento das doenças provocadas por forte radiação, em particular cânceres, o que obriga enfermos a buscarem tratamento longe de seus parentes e lares, na capital do Estado, ou até mesmo fora da região. O Estado brasileiro falha, ademais, ao não oferecer informações à população da região, recusando-se a esclarecer os riscos reais a que estariam expostos trabalhadores da mina, moradores das comunidades do entorno e demais habitantes do município. Note-se que os mananciais da região de Caetité inserem-se na Bacia do Rio de Contas, a maior bacia hidrográfica inteiramente inserida no Estado da Bahia, envolvendo 86 municípios em uma área de 55.483,0 km2, equivalente a 10,2% do território baiano e abrigando uma população de 1.242.000 habitantes (IBGE, 2000).
A Relatoria destaca ainda a ausência de mecanismos de participação da sociedade civil ou de controle público das atividades da mineração da urânio. Estas são mantidas em sigilo sob o argumento da “segurança nacional”, argumento com o qual se pretende desqualificar e minimizar as legítimas preocupações da população local em relação à sua segurança, saúde e proteção do meio ambiente, do qual depende a manutenção dos seus modos de vida.
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*assessora da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente/Plataforma DHESCA.