Mudanças no Código Florestal, que permitiriam expandir a área de cultivo, reforçaria apenas modelo agrícola voltado para exportação. Grãos como soja não compõem dieta do brasileiro
Por: Virginia Toledo, Rede Brasil Atual
São Paulo – As estimativas de recorde na safra de grãos no país em 2011 aumentam a pressão de representantes do agronegócio sobre a legislação ambiental. As mudanças no Código Florestal Brasileiro, em discussão na Câmara dos Deputados, pode reduzir áreas de preservação e anistiar desmatadores. Para ativistas e pesquisadores ouvidos pela Rede Brasil Atual, o terreno extra para o plantio, nas grandes propriedades, apenas reforçaria o modelo agrícola voltado à exportação sem preocupações com a segurança alimentar.
Na semana passada, tanto o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicaram aumento da produção para a safra deste ano. Como 2010 foi marcado por um recorde de produção, o aumento significaria novo rompimento da maior marca registrada na série histórica.
O geógrafo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino, critica a insistência de que o agronegócio precisa de mais áreas para suprir as necessidades de alimentar o mundo. Ele avalia que os recordes sucessivos que o Brasil apresenta na produção de grãos, principalmente soja e milho, evidenciam uma economia de exportação. Na safra 2010/2011, segundo dados do IBGE, 90,8 % da produção é de arroz, milho e soja.
A produção de soja nesta safra será de 71,6 milhões de toneladas, 4,5% a mais do que em 2010. Para Umbelino, esse índice tem uma única explicação: “Nosso consumo de soja é insignificante comparado com o que se exporta a outros países”.
O coordenador da Via Campesina e membro do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Raul Krauser, concorda. Os números da produção agrícola, principalmente a de grãos, leva a entender que o que o agronegócio faz não é uma produção de alimentos. “É uma produção de commodities destinada à exportação para o mercado internacional, onde grande parte da soja é usada como ração animal”, pontua Krauser.
“A gente está a cada ano batendo recorde de produtividade e de produção, inclusive usando menos área. O argumento de que seria necessário ter mais área é tendencioso. Ainda mais quando é dito que a legislação ambiental é que encarece”, aponta André Lima, consultor jurídico do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Segurança alimentar
A argumentação de que as áreas produtivas que o Brasil possui atualmente não darão conta da demanda alimentar da população é colocada em discussão pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO). Em recente artigo publicado no jornalFolha de S. Paulo, Abreu afirmou que a elevação do preço da comida afeta toda a população mundial e, portanto, a solução é o aumento da produção de grãos, carne e frutas. Afirma ainda que a história mostra que a agricultura e o agricultor só precisam de liberdade para acomodar preços e que aspectos da atual legislação ambiental são nocivos aos interesses do país hoje.
No entanto, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009 mostram que cerca de 30,2% da população brasileira ainda vive em insegurança alimentar, ou seja, ainda vivem com alguma restrição de alimento. “Dizer que o preço dos alimentos que chega hoje à mesa do brasileiro está mais alto por causa da legislação ambiental é de uma desonestidade intelectual”, pontua André Lima.
“O agronegócio está interessado em produzir o que dá dinheiro. O fato é que o agronegócio não produz comida para os brasileiros”, define Ariovaldo Umbelino.
Segundo ele, a contradição do que prega o agronegócio e o que ele faz é que a produção de alimentos como feijão, arroz e mandioca não cresce desde 1992. Os itens citados por ele são alguns dos mais presentes na mesa do brasileiro.
Segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 2006, 40% do PIB agrícola do país são produzidos pela agricultura familiar. “Mas, dos alimentos consumidos no Brasil, 70% são produzidos pela agricultura camponesa e familiar”, destaca Krauser. Para ele, o agronegócio só quer expandir ainda mais as suas áreas agrícolas sem mexer em áreas de pastagens improdutivas ou com produção baixissima. Na prática, segundo Krauser, isso significaria avançar sobre biomas como o cerrado e a Amazônia.
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