Filipe Leonel
Uma demanda da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro (SEA) fez com que três unidades da Fundação Oswaldo Cruz trabalhassem em parceria na organização de um material que construísse uma metodologia para a identificação da vulnerabilidade dos municípios do Estado do Rio de Janeiro aos projetados efeitos regionais das mudanças climáticas.
Assim surgiu o Mapa da Vulnerabilidade da População do Estado do Rio de Janeiro aos Impactos das Mudanças Climáticas nas Áreas Social, Saúde e Ambiente, um documento criado pelo Instituto Oswaldo Cruz, junto com o Centro de Pesquisas René Rachou e a Escola Nacional de Saúde Pública, cujo objetivo é sintetizar aspectos ambientais, sociais e de saúde humana sensíveis à variabilidade climática, associados a cenários futuros de mudança global do clima, considerando os dados climáticos de 1960-1990 e os projetados para o período 2010-2040.
O projeto teve a coordenação geral da pesquisadora Martha Barata, do IOC/Fiocruz, a coordenação técnica ficou a cargo do pesquisador Ulisses Confalonieri, O CPQRR/Fiocruz, e a pesquisadora da ENSP/Fiocruz Diana Marinho fez parte da equipe técnica do estudo. Em entrevista ao Informe ENSP, os três pesquisadores falam sobre os objetivos do mapa, sua funcionalidade e a importância do trabalho em parceria entre as Unidades da Fiocruz.
Informe ENSP: Como se deu o processo de construção do mapa?
Martha Barata: A ideia de produzir esse estudo surgiu quando foi criada a Superintendência de Clima do Estado do Rio de Janeiro. Houve um contato da superintendente na época para a elaboração de um trabalho na área de clima e saúde e, como eu já conhecia trabalhos coordenados pelo professor Ulisses sobre indicadores e avaliação do clima considerando aspectos de saúde e sociais, desenvolvemos a proposta.
Diana Marinho: A mesma secretaria já havia solicitado alguns estudos sobre vulnerabilidade em climas e bioma, feitos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pela Embrapa, e outros sobre a elevação do nível do mar e as bacias hidrográficas, que foram produzidos pela UFRJ. Eles antecederam o nosso estudo, mas possuíam um recorte geográfico bem maior, pois foi feito para o Estado do Rio de Janeiro como um todo. A ideia, então, era usar um pouco do que já havia sido feito e agregar essas informações com dados de saúde, socioeconômicos e ambientais para todo o processo e municipalizar as informações.
Ulisses Confalonieri: Na verdade, acabamos usando os trabalhos anteriores apenas como ponto de partida, pois apresentamos um estudo praticamente novo e inovador. Em saúde, a referência espacial é sempre o município ou microrregiões, mas os outros três projetos não utilizaram essa unidade de análise. Então, a gente se inspirou nesses outros trabalhos, mas apresentamos um projeto bem amplo.
Diferente do que foi feito nos projetos solicitados anteriormente pela SEA, usamos indicadores compostos, algo bastante usado nas ciências sociais e na economia, e que já havia sido trabalhado em outras pesquisas, como a do Índice de Vulnerabilidade Geral (IVG) – concluída em 2005 e patrocinada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia -, que tratava da vulnerabilidade do setor saúde e da população em relação ao impacto do clima e seus possíveis efeitos nas regiões do país, e um regional sobre o Nordeste brasileiro. A novidade é que essa foi a primeira vez que fizemos este estudo em escala municipal.
Informe ENSP: O mapa aponta a vulnerabilidade da população do Estado do Rio de Janeiro frente aos impactos das mudanças climáticas nas áreas social, saúde e ambiente. De que forma elas interferem na condição de vulnerável ou não dos municípios?
Diana Marinho: Antes disso, é importante falar que o objetivo do trabalho era criar um único valor – que chamamos de índice – que se pudesse mensurar quantitativamente o quanto um município é mais vulnerável que o outro. Para cada um desses índices, tivemos variáveis específicas. No Índice de Vulnerabilidade de Saúde (IVS), por exemplo, foram selecionadas quatro doenças presentes de forma endêmico-epidêmica no Estado do Rio de Janeiro: dengue, leptospirose, leishmaniose tegumentar americana (LTA) e mortalidade por diarreia em menores de 5 anos de idade, que apresentam formas de transmissão e persistência relacionadas ao clima ou podem se dispersar espacialmente devido a processos migratórios desencadeados por fenômenos climáticos.
No Índice de Vulnerabilidade Social da Família (IVSF), o segundo componente, foram organizadas informações acerca das diferentes famílias que convivem no cenário social do estado, possibilitando a identificação de grupos sociais mais vulneráveis. Nesse caso, entende-se por vulnerabilidade social da família o conjunto de aspectos que transcende o indivíduo, abrangendo elementos coletivos, contextuais, de acordo com o pesquisador da ENSP que também participou do trabalho, o Alberto Najar. Utilizamos dados do Censo 2000, mas o objetivo era conhecer a pobreza. Não vê-la apenas como falta de recurso, mas observá-la por outro prisma, como falta de acesso à informação, comunicação e educação.
O Índice de Vulnerabilidade Ambiental (IVAm) inclui características de sistemas biofísicos vulneráveis aos efeitos do clima, bem como uma série histórica de eventos meteorológicos extremos, conforme registro da Defesa Civil, e é composto de indicadores de cobertura vegetal; de conservação da biodiversidade; de linha costeira; e de eventos hidrometeorológicos extremos.
Ao juntarmos esses três índices, criamos o Índice de Vulnerabilidade Geral que representa a vulnerabilidade atual. A esse valor agregamos o cenário climático (maior emissão de carbono) projetado para 2040, e observamos a situação de cada um dos 92 municípios do Estado do Rio.
Ulisses Confalonieri: O grande avanço neste trabalho foi o método. Foi feito um trabalho para montar os critérios, manusear o banco de dados. Por exemplo, algumas doenças no Rio de Janeiro estão presentes em poucos municípios. Por outro lado, a dengue está presente em quase todos, assim como a diarreia. A nossa associação não foi feita aleatoriamente. Há uma racionalidade em tudo isso, e usamos doenças afetadas pelo clima. Seria importante estudar Aids no Rio de Janeiro? Sim, seria. Mas qual é sua relação com o clima? Da mesma forma, a malária é afetada pelo clima, mas não há casos no Rio de Janeiro. Portanto, o trabalho foi bastante criterioso.
Informe ENSP: De que forma este material pode vir a orientar a construção de políticas públicas? Qual a melhor forma de ser usado pelos gestores?
Ulisses Confalonieri: Este trabalho aponta algumas diretrizes gerais, mas precisa ser atualizado periodicamente para que seja algo de utilidade pública. É importante para avaliar qual município deve ser mais protegido, qual deve ter a aplicação de políticas em caráter mais definitivo.
Diana Marinho: O trabalho foi entregue à SEA, que está à disposição para responder à demanda dos municípios. A secretaria deve entrar em contato com as cidades mais vulneráveis e, segundo o próprio secretário Carlos Minc, eles vão chamar os prefeitos para explicar o mapa e demonstrar para o gestor que o município dele pode estar com baixa vulnerabilidade no setor ambiental, mas com uma situação de saúde crítica. Além disso, é preciso alertar que a situação pode piorar com as mudanças climáticas.
Martha Barata: A partir da identificação do índice de vulnerabilidade de cada município, podemos demonstrar para os gestores quais áreas estão mais vulneráveis. É a parte social? É a ambiental? Com isso, é possível fazer adaptações a essas situações. Exemplificando: se a saúde está mais vulnerável, por exemplo, deveremos analisar se a notificação está sendo feita de forma correta, se há mais criadouros de dengue. Enfim, quando há números comparativos entre municípios, você consegue ter uma linha de ação, um direcionamento. Essa é a importância do índice. Ele é um instrumento de gestão.
Informe ENSP: Qual o índice utilizado para atestar a situação de vulnerabilidade de cada município?
Diana Marinho: O índice tem um tratamento estatístico interessante já que, depois de ser calculado, é padronizado para que todos os valores estejam variando entre 0 e 1. Zero é a melhor situação, e quanto mais próximo a 1 estiver, maior será a vulnerabilidade. O nosso índice é agregado, é um número adimensional, pois agrega várias informações de diferentes naturezas.
Martha Baratha: Para que serve um número índice? Esse número agrega algumas informações relevantes do que se quer saber sobre um fenômeno. Ele permite melhor gerenciar o aspecto que se quer avaliar. Ele possibilita o estabelecimento de metas indutoras de melhor desempenho para as variáveis nele incorporadas. No nosso caso, como disse a Diana, temos um número adimensional com diversas variáveis que não conversariam entre si, pois têm unidades distintas.
Informe ENSP: Quais municípios merecem maior atenção em função do alto índice de vulnerabilidades?
Diana Marinho: Tomando como ponto de corte municípios que receberam valores de IVG acima de 0,80 – e isso não quer dizer que os demais estejam com índice baixo -, podemos dizer que Campos dos Goytacazes (1,00); Magé (0,97); Angra dos Reis (0,95); Rio de Janeiro (0,90); Parati (0,84) e Duque de Caxias (0,82) são cidades que necessitam de maior atenção por parte dos gestores.
Informe ENSP: O mapa foi criado a partir da parceria de três unidades da Fiocruz. Como vocês veem essa atuação conjunta?
Diana Marinho: É ótimo que as unidades criem vínculos uma com as outras. Afinal de contas, a Fiocruz é única. A parceria ENSP/IOC e René Rachou é uma oportunidade de criar laços mais fortes.
Martha Barata: Tivemos também um grande apoio da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde, da diretoria do IOC e de colegas de outras instituições. O estudo da saúde ambiental perpassa pela multidisciplinariedade e a colaboração entre diferentes áreas da pesquisa. Isto ressalta a necessidade de criação de redes inter e intra-institucionais. Percebo que há grande apoio no âmbito do IOC e da instituição nesse sentido.
http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/materia/index.php?matid=24526