Acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reitera a caracterização do trabalho análogo à escravidão em propriedade do senador João Ribeiro (PR-TO) – condenado a pagar R$ 76 mil de indenização por danos morais
Por Maurício Hashizume
Logo após a mais recente decisão do Judiciário sobre o caso de trabalho escravo envolvendo o senador João Ribeiro (PR-TO), em dezembro de 2010, a assessoria do parlamentar se apressou em divulgar que o político tinha sido completamente absolvido na esfera trabalhista.
“Tribunal em Brasília confirma inocência de João Ribeiro da acusação de trabalho semelhante a trabalho escravo” é o título do informe (confira reprodução abaixo) sobre a manifestação dos ministros da 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre recurso apresentado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), autor das denúncias contra o congressista.
Na nota, distribuída ao público em geral e reproduzida por alguns veículos de comunicação, a asessoria crava que o TST “confirmou (…), por unanimidade de votos, decisão do TRT do Pará pela inocência do senador João Ribeiro da acusação de ´trabalho análogo a escravo´(sic)”.
O próprio senador comemora na mesma circular. Segundo ele, a decisão “finalmente coloca um ponto final na questão junto a justiça trabalhista (sic), o que me deixou muito feliz pois entendo (sic) que a justiça foi feita no presente caso e restabeleceu (sic) a verdade dos fatos”.
Ocorre que o TST não absolveu João Ribeiro, em momento algum, quanto à responsabilidade pela exploração de 35 pessoas em condições de trabalho escravo – na Fazenda Ouro Verde, em Piçarra (PA), de acordo com flagrante registrado em fevereiro de 2004. O acordão, que veio a público no mês passado, revela justamente o oposto: reitera a caracterização do trabalho escravo análogo à escravidão e confirma o envolvimento do político, condenado inclusive a pagar indenização por danos morais.
O colegiado da 4ª Turma do TST decidiu, por unanimidade, não conhecer o recurso do MPT contra a decisão anterior do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8) por um simples motivo: para os ministros, as reivindicações dos procuradores do trabalho – basicamente a confirmação da ocorrência do trabalho análogo à escravidão e a responsabilização do senador – já estão presentes na decisão proferida pelo órgão regional.
Trechos do acórdão, que leva a assinatura do ministro Barros Levenhagen, esclarecem a argumentação adotada. Para o relator, “tanto o relator originário [Lúcio Vicente Castiglioni] quanto os demais integrantes do Colegiado [TRT-8] firmaram entendimento de que a caracterização do trabalho em condições degradantes e de jornadas exaustivas já seriam suficientes para configuração de trabalho em condição análoga a de escravo”.
“Com isso, agiganta-se a inocuidade do registro ali lavrado de que a Turma, por sua maioria, considerara inexistente o trabalho escravo, visto que efetivamente o considerara existente, não na modalidade do trabalho forçado e sim na modalidade do trabalho degradante, a partir da qual foram excluídas da sanção jurídica certas obrigações impostas ao recorrido”, emendou.
A partir da admissão do trabalho escravo na modalidade de trabalho degradante, acrescenta o ministro Barros Levenhagen, é possível concluir que “a evidência de os arestos trazidos à colação [recurso], longe de dissentirem do acórdão impugnado, com ele se coadunam”.
O recurso do MPT visava contestar pontos da decisão tomada no âmbito do TRT-8 ainda em 2006. Na ocasião, ficou estipulada a indenização por danos morais de R$ 76 mil a ser paga pelo político, por conta do que se verificou na Fazenda Ouro Verde. Na primeira instância – Vara do Trabalho de Redenção (PA) -, a indenização fora fixada inicialmente em R$ 760 mil.
Em outra passagem, o colegiado do TST é ainda mais direto no que se refere à ocorrência de flagrante de escravidão contemporânea. O acórdão destaca que o voto condutor do desembargador Lúcio Castiglioni, no julgamento no TRT-8, “deixou consignado, equivocadamente, na fundamentação de fls. 1.039, que a Turma teria considerado inexistente o trabalho escravo”. Ou seja, se a decisão do TRT-8 emitiu sinais contraditórios acerca do ocorrido, o TST foi categórico quanto à caracterização do trabalho análogo à escravidão na fazenda de pecuária bovina do senador.
Reeleito para representar o Estado do Tocantins no Senado com 375 mil votos, João Ribeiro ocupa o posto de 2º Secretário da Mesa Diretora do Senado e atua como coordenador da bancada federal do Tocantins no Congresso. O parlamentar ainda é titular nas Comissões de Assuntos Econômicos, de Ciência e Tecnologia, e de Educação, Cultura e Esporte. Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o ex-prefeito de Araguaína (TO) é suplente.
Após a decisão da 4ª Turma do TST, o próprio réu – que mentém, há anos, uma intensa ofensiva judicial em torno da questão – entrou com embargos de declaração. O processo segue curso e passou pela Procuradoria-Geral do Trabalho, em Brasília (DF).
Mesmo com a confirmação do trabalho análogo à escravidão pelo TST, o procurador do trabalho Marcelo José Fernandes da Silva, que participou da operação que promoveu as libertações da propriedade do senador, expressa insatisfação quanto à desproporcionalidade entre a situação encontrada, o número de envolvidos, a condição do empregador e uma indenização por danos morais de R$ 76 mil. Para ele, esse tipo de condenações “irrisórias” tendem a enfraquecer o caráter educativo da punição.
Criminal
Além do processo trabalhista, João Ribeiro foi denunciado, em junho de 2004, pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de redução de pessoas à condição análoga à escravidão, negação de direitos trabalhistas e aliciamento ilegal. Juntas, as penas podem somar até 13 anos de prisão.
Por causa do foro privilegiado do parlamentar, foi dado início a um inquérito para que as 11 autoridades que compõem a Corte máxima do país possam opinar acerca da abertura de um processo criminal contra o senador, que já foi deputado federal por dois mandatos (1995-2003).
O inquérito 2131/2004 ocupou a pauta do STF em outubro do ano passado. A relatora do caso, ministra Ellen Gracie, votou pela abertura do processo criminal para apuração das graves denúncias. Logo em seguida, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas e o julgamento foi suspenso. De acordo com levantamento da Transparência Brasil, o senador João Ribeiro responde ainda no STF por outro inquérito (2274/2005) associado a crime contra a ordem tributária, que corre em segredo de Justiça, e por ação penal (399/2005) contra a administração pública – peculato.
Também denunciado, Osvaldo Brito Filho se apresentou como gerente da Fazenda Ouro Verde e foi apontado pelos depoimentos como principal aliciador de mão de obra (“gato”) em Araguaína (TO), Ele recebia salário do governo estadual do Tocantins e estava oficialmente registrado como assessor especial da Secretaria de Governo – pasta que João Ribeiro comandou por um brevíssimo período de 14 dias em 2002.
À fiscalização, Osvaldo admitiu atuar como assessor parlamentar do político e fazendeiro do Tocantins. Há registros da contratação dele como funcionário da Câmara dos Deputados de 1995 a 2002. Em 2000, segundo informações da Casa que foram repassadas à reportagem da Folha de S. Paulo, o preposto chegou a receber até R$ 7 mil por mês. Durante a operação, auditores fiscais fizeram questão de registrá-lo em carteira como administrador da Fazenda Ouro Verde. De 2007 a 2009, Osvaldo fez parte ainda do quadro de assessores do deputado estadual Raimundo Palito (PP).
Organizações da sociedade civil chegaram a organizar, no final do ano passado, um abaixo-assinado dirigido à presidência do STF para que seja dada atenção e celeridade ao processo criminal contra o senador. Coordenador do grupo móvel que vasculhou a Fazenda Ouro Verde (que abrigava cerca de 500 cabeças de gado), Humberto Célio Pereira recorda do cenário de barracos de lona cobertos com folha de palmeira, sob chão de terra batida. Os empregados (entre eles suas mulheres e um jovem com menos de 18 anos de idade), que preparavam a área para a a atividade pecuária, não tinham acesso à água potável e nem a banheiro. A alimentação era precária.
A jornada era de 12 horas diárias, sem descanso semanal. A operação identificou esquema de aliciamento. Carteiras de trabalho não estavam assinadas e o sistema prometido de pagamento era por diária. Havia um armazém no local e, segundo a fiscalização, sistema de dívidas. Problemas relacionados à ausência de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e ao risco de contaminação por agrotóxicos também foram contabilizados. Integrantes da Polícia Federal (PF) que participaram da ação abriram inquérito sobre o caso.
Um dos itens expressamente citados na Lei Complementar 135/10, mais conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, versa sobre o crime de redução de pessoas à condição análoga à de escravo. De acordo com a lei – que só terá validade a partir das próximas eleições de 2012, conforme deliberação do STF -, qualquer indivíduo que for condenado por trabalho escravo “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena” se tornará automaticamente inelegível.
Fontes consultadas pela Repórter Brasil ponderam que não é preciso que haja necessariamente uma condenação criminal de trabalho análogo à escravidão para que seja aplicado o príncípio da “Lei da Ficha Limpa”. Uma condenação trabalhista determinada pelos tribunais regional e superior, pelo menos em tese, já seriam o suficiente para que o envolvido acabe enquadrado nos casos de inelegibilidade previstos na legislação. Vale lembrar que João Ribeiro entrou para a “lista suja” do trabalho escravo em 2006, após conclusão do processo administrativo no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), mas acabou sendo retirado do cadastro por liminar judicial.
A reportagem encaminhou questões para a assessoria de imprensa e para o gabinete do senador João Ribeiro, que não deram nenhum retorno. A assessoria do deputado estadual Raimundo Palito (PP), da Assembleia Legislativa do Tocantins, foi acionada, mas não encaminhou posição a respeito dos serviços prestados por Osvaldo Brito Filho. O gerente da Fazenda Ouro Verde também foi procurado, mas não foi possível contactá-lo.
http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1870