Nós, representantes de movimentos sociais e populares, de ONGs, de pastorais sociais, de Igrejas e confissões religiosas, organismos de cooperação, num total de 110 pessoas convocadas pelo Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, estivemos reunidos por três dias no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia, Goiás, no 2º Simpósio Mudanças Climáticas e Justiça Social. Procuramos compreender o que se passa com o planeta Terra, preocupados com os desastres socioambientais que afetam cada vez mais a vida e provocam mortes de tantas pessoas. Viemos das várias regiões do Brasil, e isso nos permitiu ter informações ricas do que acontece nos diferentes biomas. E nos reunimos especialmente porque desejamos agir para enfrentar o que está provocando as mudanças climáticas presentes em todas as regiões.
Os estudos recentes, no Brasil e no mundo, sinalizam que o aquecimento do planeta tem avançado mais rapidamente do que o previsto no 4º Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), de 2007. No Brasil, conhecemos melhor a Amazônia, sua relação decisiva para a vida e a fertilidade das demais regiões do país e do Continente e os efeitos da continuidade de sua devastação, seja na emissão de dióxido de carbono, seja nas mudanças do clima no bioma e em toda esta região do Planeta; mas conhecemos também melhor os demais biomas – Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal, Zona Costeira e Pampa -, agredidos, depredados e cada dia mais fragilizados. Junto com as comunidades locais, temos consciência mais clara dos efeitos desastrosos da agropecuária e do reflorestamento extensivos e com monocultura na contaminação da atmosfera com óxido nitroso, além da contaminação do ar, do solo, córregos e rios com produtos químicos venenosos, e da emissão de metano a partir do plantel de cabeças de gado e das represas das grandes hidrelétricas; temos consciência igualmente dos efeitos do tipo de industrialização e de urbanização que marcam nossas cidades, com córregos e rios poluídos, com ar quase irrespirável, com discriminações sociais, com descuidos em relação ao lixo e esgoto, com falta de política habitacional, com descuido na ocupação de morros e margens dos rios, com privilégio para automóveis e detrimento de transporte coletivo e de massa de boa qualidade…
A intensificação das enchentes de verão em quase todo o território nacional, e que se caracterizam como precipitações intensas em determinada área, ultrapassando em muito os níveis pluviométricos previstos, nos mostra que estamos submetidos efetivamente às consequências da mudança do clima. Porém, mais preocupante ainda é a nova seca que atingiu, apenas cindo anos depois da anterior, o imenso bioma Amazônia em 2010.
Tendo presente os eventos extremos em muitas partes do planeta, com um número cada vez maior de mortes de pessoas e de outros seres vivos, com deterioração das condições de vida em muitas regiões, provocando migrações em massa, já ultrapassando 50 milhões de pessoas, segundo a ONU, firma-se em nós a consciência de que todas as pessoas, povos e países não podem perder tempo e oportunidades para implementar mudanças profundas em todas as atividades humanas que têm a ver com o aquecimento e as consequentes mudanças climáticas, e, por isso, desejamos publicamente assumir os seguintes compromissos:
1 – Empenhar nossa força na mobilização social e formação de consciência das populações sobre a urgência de iniciativas que se coloquem na linha da defesa dos direitos das pessoas, integrada à defesa do ambiente e do Planeta Terra.
2 – Constituir iniciativas que possam ser efetivas no enfrentamento da derrubada e destruição da floresta amazônica e do que ainda resta do Cerrado e da Mata Atlântica. Empenhar-nos especialmente pela aprovação da PEC 115 -150/95, que propõe que os biomas “Cerrado, Caatinga e Pampa sejam reconhecidos na Constituição Brasileira como Patrimônio Nacional.”
3 – Questionar com responsabilidade e tendo presente a construção de uma sociedade justa, solidária e sustentável, as políticas econômicas do nosso país que privilegiam a expansão do capital e da prática predatória. Denunciar o consumismo dos 10% da população, que se mantém tendo como base a concentração de lucros e agrava as condições de vida da maioria, e é fruto de um modelo de produção e consumo não universalizável e gerador de exclusão social, particularmente dos povos e comunidades tradicionais.
4 – Incorporar em nossos estudos e em nossas práticas os ensinamentos do “BEM VIVER”, cultivados pela maioria dos povos indígenas, que tem como princípios essenciais as relações de reciprocidade entre as pessoas, a amizade fraterna, a convivência harmoniosa com outros seres da natureza e o profundo respeito pela Terra, bem como as propostas e práticas de relação respeitosa entre as pessoas e meio ambiente cultivadas pelos povos e comunidades tradicionais do nosso país.
5 – Envolver as nossas possibilidades de atuação para enfrentar a prioridade da política de desenvolvimento nacional dada à produção agropecuária com as características do agronegócio, que possui um modelo tecnológico que agride o ambiente vital e vende commodities carregadas de venenos, produtos químicos e com transgenia, colocando em risco a saúde dos animais e dos seres humanos que se alimentam com eles de forma direta ou transformados pela indústria. Essa prática também põe em risco a vida dos povos indígenas em situação de isolamento, que são ameaçados cada vez mais pela expansão das fronteiras agrícola e agropecuária no país.
6 – Unir forças no apoio ao desenvolvimento de um novo modelo de produção agrícola e de preservação da natureza baseado na Agricultura Familiar Camponesa, responsável pela produção, em média, de mais de 70% dos alimentos dos povos brasileiros. Ela já capaz de, se apoiada, produzir todos os alimentos de forma agroecológica, contribuindo para recuperar a vitalidade do solo e para refrigerar o planeta. Reivindicamos que ela seja tornada prioritária na política agrícola nacional, constituindo-a como a principal forma de cultivo e produção no campo através da implementação, de forma coerente, de políticas de reforma agrária e de destinação dos recursos de incentivo à produção diversificada da alimentação que brasileiros e outros povos necessitam, convivendo e em diálogo com a Terra como mãe da vida.
7 – Enfrentar os encaminhamentos nacionais reiterados, especialmente nos últimos 60 anos, no campo da produção industrial e utilização de energia que contribui com o aumento da emissão de gases do efeito estufa na atmosfera através da intensificação do uso do petróleo, gás e carvão, no incentivo à opção do uso do carro individual em detrimento do transporte coletivo, na priorização do atendimento da viabilização de empresas com intensa utilização de energia, especialmente na mineração. Apoiar as iniciativas que lutam por uma reforma urbana que, entre outras medidas, conte com uma política habitacional que leve a dar destinação social aos seis milhões de moradias desocupadas, diminuindo drasticamente o déficit existente sem novas agressões ao meio ambiente.
8 – Denunciar e questionar, política e cientificamente, a continuidade da política energética assentada nos grandes projetos de hidrelétricas e na multiplicação de PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) em todas as regiões do país, que destroem que resta de rios e sua relação com os biomas, interferindo em seu equilíbrio em troca de relativamente baixa produtividade em termos de energia elétrica; mais grave ainda, por ser uma política que não opta por alternativas de produção de energia elétrica mais adequadas ao nosso país, desprezando o potencial solar, eólico e dos movimentos naturais das águas, e desviando recursos gigantescos da investigação e instalação dessas energias alternativas.
9 – Posicionar-nos incisivamente e mobilizar comunidades e movimentos com os quais temos contato contra a utilização da energia nuclear no país, e exigir a revisão das condições de segurança das usinas existentes, bem como das condições de vida na região de Caitité, Bahia, ameaçadas por contaminação com urânio.
10 – Diante do aumento do número de pessoas atingidas por eventos climáticos, especialmente entre os mais pobres, reivindicar a criação ou fortalecimento de setores específicos de atuação governamental, com recursos financeiros e pessoal adequado, que implementem processos de prevenção, atendimento aos atingidos e possibilidades de superação dos eventos climáticos que atingem mais duramente as populações em situação mais desfavorável.
11 – Tomar posição incisiva contra a aprovação do projeto sistematizado pelo deputado Aldo Rebelo sobre reformulação do Código Florestal Brasileiro e sugerir que sejam construídas alternativas de adequação legal ou de complementação regulatória, com a participação efetiva da sociedade civil organizada e incluindo os interesses e direitos das comunidades, modificando-se apenas o necessário para enfrentar problemas reais especialmente da agricultura familiar, garantido a continuidade da defesa do meio ambiente e a penalização dos que não o respeitam, evitando todo e qualquer tipo de privilégio, de modo especial de grileiros e de grandes proprietários.
12. Reafirmar nosso compromisso de promover o protagonismo dos povos, comunidades, classes e setores excluídos de nossa sociedade, apoiando as iniciativas comunitárias dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais, da economia solidária, dos catadores\as de materiais recicláveis, da agricultura familiar camponesa, dos pescadores\as, das iniciativas das mulheres no campo e nas cidades, dos trabalhadores assalariados nas cidades e no campo, de todos e todas, enfim, que estão empenhados na construção criativa de outro mundo possível, onde o “BEM VIVER” seja a prática que harmoniza a relação entre as pessoas e a Mãe Terra.
Luziânia-GO, aos 16 de março de 2011.
Enviada por Ruben Siqueira.