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— “Quem é você, adivinha… “
Ao soarem os primeiros acordes do bloco, o formigueiro multicolorido agita-se. Braços erguidos, acompanha, em uníssono, as estrofes do velho hit carnavalesco. A Cleópatra loura acerca-se da havaiana morena, sorri, estende as mãos, canta a plenos pulmões.
— “…se gosta de mim…”
O Batman barrigudo sai metendo o cotovelo, abrindo caminho (vai sem Robin. Não parece contaminado pela alegria coletiva); a enfermeira de bigode segura a saia da bailarina de pernas peludas e rodopia, rodopia, rodopia…
— “O amor de Julieta e Romeu. O amor de Julieta e Romeu. Igualzinho ao meu e ao seu…”
A luz da câmera de uma TV encandeia a multidão. O samurai vira o rosto, cutuca o baixinho de sunga preta, vai saindo de fininho. O cortejo segue pelas ruas bêbadas de luz, luxúria e som.
O Menino nem-tão-menino-assim Maluquinho entorna a lata de cerveja, joga-a no chão. Um homem abaixa-se, pega o recipiente e sorve-o sofregamente. É negro e esquálido. Veste colete verde numerado e bermuda jeans estilo esfarrapado. No rosto, uma cicatriz.
Após o gesto rápido, furtivo, o moço retorna ao posto de trabalho, junto a outras dezenas de mulheres e homens, quase todos negros e fardados, que margeiam o mundo de fantasia do bloco.
Eles quase não vêem o que acontece à volta. Os olhos de quase todos varrem, ansiosos, o chão. Espreitam latas vazias, que recolhem, amassam e colocam nos sacos de lixo amarrados ao cós da calça.
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