Estudo aponta resistências na aplicação da Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha foi criada em 2006 para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Quatro anos após entrar em vigor, a iniciativa ainda esbarra na resistência de juízes e promotores, que nem sempre recorrem a ela para julgar as vítimas. A conclusão é de Welliton Maciel, graduado em Sociologia pela Universidade de Brasília em 2009. O artigo do ex-estudante sobre o tema conquistou o 6º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O artigo Processos Institucionais de Administração de Conflitos, Produção de “Verdades Jurídicas” e Representações Sociais sobre a Questão da Violência Doméstica contra a Mulher no Distrito Federal nasceu no Programa de Iniciação Científica da UnB (Proic), que Welliton concluiu no ano passado. “Queria entender como os promotores estavam interpretando a Lei Maria da Penha no DF”, diz. “Uma das coisas que eu percebi foi a persistência em manter na esfera privada um problema que é de natureza pública”.

Assistindo a audiências e analisando processos de violência contra a mulher, o sociólogo percebeu que alguns juízes evocam o conceito de família para justificar a agressão. “Existe uma percepção de que a mulher deve subjugar-se ao homem”, afirma. Welliton acrescenta, ainda, que muitos deles sustentam esse argumento com bases religiosas. “Para manter a posição de soberania do homem no âmbito familiar, o juiz recorre ao discurso e à lógica discursiva religiosa, mesmo fazendo parte de um Estado laico”.

A Lei Maria da Penha propõe medidas protetivas que os juizados especiais não garantiam. Até 2006, a mulher decidia se queria ou não continuar com a queixa. “Com a lei, isso caiu. Ela tirou a possibilidade da mulher voltar atrás por pressão do agressor, pela própria condição de dependência econômica ou psicológica”, explica. “A lei define que a violência doméstica contra a mulher ocorre desde a violência física até a simbólica”, completa o pesquisador.

BARREIRAS – “Encontrei na minha pesquisa resistência na aplicação da lei, principalmente dos juízes em entender a agressão como violência doméstica”, relata Welliton. “Há até mesmo juízas que entendem não se tratar de violência, é como se o marido aplicasse uma correção na mulher”, afirma o sociólogo. Segundo ele, a lei ainda é percebida como sexista.

A não compreensão da lei acaba fazendo com que alguns processos sejam julgados na vara de família com base na Lei Nº 9.099, de 1995. “Para banalizar o problema, eles descem o processo para a vara de família, com penas mais brandas”, observa. “Fica clara a redução do problema. É um ranço de patrimonialismo que marca a cultura brasileira: o homem agrediu a mulher e só precisa reparar os danos materiais”.

Para a orientadora da pesquisa, Lia Zanotta, do Departamento de Antropologia, Welliton combina as Ciências Sociais com Direito de forma exemplar. “Ele fez uma análise muito cuidadosa do funcionamento dos juizados especiais que tratam da violência contra a mulher, que não são exclusivamente especializados na Lei Maria da Penha”, diz. “Há uma interpretação jurídica que continua a perceber os crimes de violência contra a mulher como privados, que não merecem a atenção da justiça”.

Para a professora, o consenso entre os juízes é um desafio para implantação plena da lei. “Há juízes e promotores que estão de acordo com o espírito da Maria da Penha, mas há um sentimento que funciona quase como uma tradição legal em que o castigo contra as mulheres é um direito dos homens sobre elas”.

O ex-estudante receberá o prêmio do CNPq no dia 21 de dezembro, às 10h, no auditório da Secretaria de Políticas para Mulheres, que fica na Esplanada dos Ministérios.

http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=4321

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