Em 16/11/2010, recebemos relato e denúncia do Sr. João Batista e sua esposa, Dona Conceição, onde ambos solicitavam nosso apoio na averiguação de diversas irregularidades acerca das obras do Corredor Transoeste, na Av. das Américas, Recreio dos Bandeirantes. Várias casas na área estão próximas aos canteiros de obras e ao local das novas vias, mas não tinham recebido, até recentemente, qualquer informação ou notificação da Prefeitura.
“JB”, como é chamado pelos amigos, e Dona Conceição são valorosos militantes da causa sócio-ambientalista no Rio, tendo destacadas participações na organização sem fins lucrativos Verdejar e na ONG e Rádio Comunitária Bicuda Ecológica, de proteção e recuperação da Serra da Misericórdia. João Batista foi, por muitos anos, diretor da Seção Rio de Janeiro da Associação dos Geógrafos Brasileiros e um dos fundadores do GT de Meio Ambiente dessa entidade.
A casa humilde, construída ao lado da Avenida das Américas há mais de trinta anos, era sua poupança e sua esperança de uma aposentadoria tranquila num quintal repleto de árvores, flores, hortas e gramados. O termo de compra e venda do terreno é registrado em cartório e o imóvel era devidamente cadastrado na Secretaria Municipal de Urbanismo. IPTU e todas as demais taxas eram pagas religiosamente. O imóvel consta inclusive da planta oficial da Cidade, na escala 1:2000.
Tudo mudou nos últimos meses, quando o consórcio encarregado da construção do corredor Transoeste, liderado pela empreiteira Odebrecht, começou a instalar seus canteiros de obras e bate-estacas ao lado da casa deles sem sequer lhes repassar qualquer informação. Segundo o relato, as próprias assistentes sociais da empresa afirmaram que os técnicos “não sabiam” que haviam casas na área, antes de iniciar as atividades.
Cinicamente, as assistentes sociais demonstravam contrariedade com a situação e diziam que eles “deveriam” correr atrás dos seus direitos.
Não deu tempo. No último dia 24/11/2010, eles receberam uma notificação da 19ª Gerência de Conservação, da Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos, ordenando a desocupação sumária do imóvel em, no máximo, 30 dias. Ou seja, os dois idosos deveriam deixar sua casa de mais de trinta anos até a véspera do Natal.
Na terça-feira, 30/11/2010, buscaram apoio no Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública. De lá, por se tratar de imóvel formal, foram encaminhados para o 1o Núcleo de Fazenda Pública, com pedido de urgência. O Defensor que os atendeu pediu que aguardassem um contato para o início de uma possível ação judicial.
Absurdo dos absurdos, na manhã do dia 01/12/2010, o Sr. João Batista nos relatou desesperado ao telefone que receberam a visita de dois homens, identificando-se apenas como funcionários da Prefeitura, e dizendo-lhes que eles teriam que sair até a próxima SEXTA-FEIRA, 03/12/2010. Ou seja, menos de 48h para o casal de idosos arranjar outro local para morar, deixando para trás seus trinta anos de história na região, sua casa, provavelmente, sua Vida. Nessa mesma semana, uma vizinha dos dois, em situação muito semelhante, enquanto estava no trabalho, teve sua casa atacada a marretadas pelas forças da ordem que só pararam quando, em desespero, suas duas filhas conseguiram entrar na casa e se trancar por lá.
Fica claro que o Estado brasileiro perdeu definitivamente qualquer condição de refrear ou inibir as máfias e grupos criminosos organizados dentro de sua própria máquina burocrática. O Estado Democrático de Direito é uma mera figura de retórica na boca de meia dúzia de dirigentes lacaios do que existe de mais sórdido na elite social e econômica do nosso país.
O crime está a ser praticado pelos próprios agentes públicos, inclusive os de alta patente, com papel timbrado e tirania absolutas. Informado pessoalmente do caso, o Senhor Secretário da Casa Civil, Luiz Antônio Guaraná, orientou seus asseclas a “oferecerem ajuda” ao casal de idosos, para facilitar o processo de mudança. A crueldade, a infâmia só não são maiores do que o deboche e o sarcasmo de tal caterva. Só uma mobilização continuada e equivalente em força e em organização pode parar a máquina de destruição que se move por nossa cidade e é comandada, dentre outros, pelo Ímprobo e Deslustre Senhor Eduardo da Costa Paes.
Enquanto escrevo essas palavras, o Sr. João Batista e Dona Conceição estão sozinhos em casa, terminando de embrulhar as coisas miúdas e de desmontar louças de cozinha e banheiro, instalações elétricas, lembranças e saudades que levarão consigo. Um pequeno grupo de companheiros militantes está se organizando para ajudar na mudança e levar algum alento, na manhã desta sexta-feira, 03/12/2010.
Quem quiser ir prestar solidariedade, a casa deles fica na margem direita da Av das Américas, bem ao lado da ponte sobre o Rio Morto/Canal de Sernambetiba, logo depois do Recreio Shopping. De cima da ponte já dá pra ver o bate-estaca que foi instalado exatamente na frente da casa e que, inclusive, já causou um acidente que poderia ter matado alguém.