De acordo com a Constituição brasileira, o povo pode decidir os rumos do país também por meio de plebiscitos. O plebiscito é um instrumento que a população tem para modificar a Constituição, mas, para que seja oficial, só pode ser convocado pelo Congresso Nacional. Entretanto, como forma de organização social e de pressão política, movimentos sociais e entidades da sociedade civil organizam plebiscitos populares; é o caso do Plebiscito Nacional pelo Limite da Propriedade da Terra, realizado no início de setembro e cujos resultados foram divulgados na semana passada. A ideia do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, que organizou a votação, é pressionar para que a Constituição brasileira passe a limitar as propriedades rurais em 35 módulos fiscais, medida que significa tamanhos diferentes de acordo com a região do país. A partir dos resultados do plebiscito, a proposta do Fórum é que o tema continue sendo debatido e que, a partir da definição do novo governo, continuem as pressões para que não só o limite da propriedade seja implementado, por meio de um plebiscito oficial, mas também para que a reforma agrária avance no país.
A reportagem é de Raquel Júnia, da Escola Politécnica de Sáude Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), e publicada na página da Fundação Oswaldo Cruz, 26-10-2010.
Cerca de meio milhão de brasileiros votaram a favor do limite da propriedade da terra, em 23 estados brasileiros e no distrito federal. Um abaixo-assinado sobre o mesmo tema continua a circular na internet. Segundo um dos coordenadores do plebiscito no Rio de Janeiro, Marcelo Durão, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a expectativa é de que a coleta de assinaturas continue até o final do ano. Segundo ele, sempre quando é realizado um plebiscito popular, a ideia é que a partir dos resultados se pressione por um plebiscito oficial, o que não é tarefa fácil. “Queremos dialogar com o próximo governo. Mas nós sabemos como é a questão dos plebiscitos no Brasil. A burguesia é muito organizada por dentro do Estado e não deixa passar essas propostas. Então, é raro termos plebiscitos para algumas questões que são importantes para a classe trabalhadora”, pondera.
Até hoje apenas dois plebiscitos foram realizados no Brasil – um em 1963 e outro em 1993 – ambos para consultarem a população sobre o sistema de governo. O primeiro consultou os brasileiros se o sistema seria parlamentarista ou presidencialista; já, no segundo, também foi agregada uma outra pergunta: se a população preferia continuar sob o regime republicano ou restaurar o regime monárquico. O mecanismo plebiscito se difere do referendo, que também é uma forma prevista na Constituição de a população exercer o direito à democracia direta. No referendo, o povo é consultado sobre uma lei já aprovada, como aconteceu no caso do Estatuto do Desarmamento, enquanto no plebiscito, a consulta é feita antes da aprovação de uma determinada lei. Um terceiro mecanismo também previsto na legislação brasileira é o da iniciativa popular, que consiste na proposição de um projeto de lei assinado por pelo menos 1% dos eleitores brasileiros, distribuídos em pelo menos cinco estados. A recém aprovada ‘Lei da Ficha Limpa’ é um exemplo de projeto de lei apresentado por iniciativa popular.
Caráter pedagógico
Em comparação a outras iniciativas de plebiscitos populares já realizados, os movimentos sociais tiveram pouco tempo para organizar a votação sobre o limite da propriedade da terra. Em consequência disso, a participação neste plebiscito foi menor do que em outros como o da reestatização da companhia Vale, o do ingresso do Brasil na Alca e o da dívida externa. Entretanto, os organizadores avaliam que, apesar do pouco tempo, houve um grande esforço para debater o tema. “Se tivéssemos um prazo maior, acredito que teríamos organizado muito mais comitês por todo o país. Mas, por outro lado, foi uma campanha muito pedagógica no sentido de que conseguimos fazer dois ou três debates por dia em universidades e comunidades sobre a importância da reforma agrária e de limitar as imensas propriedades de terra. Foi uma das campanhas nas quais tivemos mais trabalho neste sentido de formação. Chegamos a ir mais de uma vez por semana em setores diferentes da mesma universidade”, destaca Durão.
Para além de limitar o tamanho das propriedades rurais, Durão comenta que durante toda a campanha foi enfatizado o quanto é importante a realização da reforma agrária, que trará benefícios tanto para a população do campo, quanto da cidade. “A reforma agrária tem uma proposta muito mais ampla na qual está incluída a produção de alimentos, moradia, diminuição do inchaço das cidades, comercialização regional, não utilização de sementes transgênicas, a educação no campo. A reforma agrária como um todo é muito importante para o país, ainda que a burguesia não concorde em realizá-la”, acrescenta.
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