Instituto Socioambiental começa a avaliar a participação indígena no município mato-grossense conhecido como “portal do Xingu”
Qual é a participação dos indígenas na economia de Canarana? Esta é a pergunta que está norteando uma pesquisa do Instituto Socioambiental (ISA), que mantém um escritório no município e desenvolve ações em toda a bacia do Rio Xingu.
O município de Canarana, no nordeste de Mato Grosso, é conhecido como o ‘portal do Xingu’, por ser ponto de partida para quem precisa entrar no Parque Indígena do Xingu (PIX) e por receber indígenas de diversas etnias que saem de suas comunidades em busca de produtos e serviços. Esta expressiva participação dos índios no comércio local, porém, nunca havia sido dimensionada, conforme explica Rodrigo Junqueira, coordenador-adjunto do Programa Xingu, do ISA. “Todos os moradores de Canarana sabem que o dinheiro indígena movimenta o comércio do município, mas isso nunca foi quantificado. É importante saber qual é a contribuição dessas pessoas para a economia local, inclusive para que haja mais reconhecimento e respeito”.
Um levantamento preliminar feito pela pesquisadora Carolina Cooper mostra que as vendas para os indígenas (indivíduos e organizações) representam entre 17,8% a 27% das vendas locais de parte dos estabelecimentos. “Apesar das dificuldades de estimar ao certo qual é a participação do indígena na economia local, é possível dizer que o cliente indígena tem certa importância no comércio de Canarana”. Cooper ressalta que o número não pretende ser exato, pois os comerciantes não costumam diferenciar a origem de seus clientes.
Outro número que chama atenção na pesquisa de Cooper é que 62% dos entrevistados disseram ter “muitos” clientes indígenas. “Sete das quatorze respostas sobre a porcentagem de clientes indígenas apontam para um número maior que 50%”, explica.
A consultora entrevistou 23 comerciantes e 12 prestadores de serviço para realizar a pesquisa, além de representantes de duas organizações indígenas: Associação Terra Indígena Xingu (ATIX) e Instituto de Pesquisa Etno Ambiental do Xingu (IPEAX) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), organização que trabalha com índios da região. “As entrevistas foram feitas com base em um questionário pré-elaborado que visava coletar dados quantitativos, como a renda, gastos, porcentagem de clientes indígenas; e qualitativos, como as impressões sobre os clientes indígenas.”
Participação das organizações indígenas
Organizações indígenas, como a ATIX e o IPEAX, e organizações do setor público que lidam com os povos indígenas têm participação significativa no comércio de Canarana. No setor público, a Fundação Nacional da Saúde (Funasa) informa que 29% de sua receita anual é destinada às despesas com combustível e transporte, o que beneficia diretamente o comércio local.
Representantes da Secretaria do Estado de Educação (Seduc), responsável por cinco escolas no Parque Indígena Xingu e duas escolas em terras dos povos Xavante, informam que todos os materiais pedagógico e didáticos são comprados em Canarana, via licitação. “No ano de 2009, essas escolas indígenas gastaram mais de R$ 154 mil diretamente no município, excluindo os salários. Isso representa 61,8% das despesas totais da instituição”. A ATIX declara investir 38,5% de sua receita em Canarana. Funai e ISA também contribuem nessa conta, mas a participação dessas instituições não foi mensurada.
O balanço final mostra que 22,6% das despesas destas organizações são feitas no município, informação confirmada pelos comerciantes entrevistados. “Dezessete comerciantes e prestadores de serviços, o que representa 48,6% dos entrevistados, disseram atender clientes dessas organizações indígenas. São, na maioria, estabelecimentos como supermercados, postos de gasolina, restaurantes e hotéis”, explica Cooper.
Relacionamento comerciante x cliente
A relação entre os comerciantes de Canarana e seus clientes indígenas também foi explorada por Carolina Cooper. A consultora observou que, dos 35 estabelecimentos visitados, nenhum tinha funcionários indígenas. Apesar disso, 60% dos comerciantes disseram que contratariam um indígena, alguns com restrições: “Um dos entrevistados chegou a fazer uma distinção, dizendo que um indígena não poderia trabalhar como garçom, por não ter as habilidades necessárias para interagir com clientes e turistas”.
Os comerciantes também avaliaram o comportamento de seus clientes indígenas, a pedido de Cooper. Ela conta que 56% dos comerciantes fizeram avaliações positivas, porém, alguns citaram problemas com furto e inadimplência. “Alguns inclusive disseram que colocam mais vendedores para circular na loja e evitar roubos. Em contrapartida, vários entrevistados fizeram questão de chamar atenção ao fato de que o furto não é um problema relacionado exclusivamente com clientes indígenas. Um deles disse que: ‘igual ao branco, existe índio bom e índio ruim’”.
A busca por produtos de qualidade e de marcas conhecidas, por parte dos índios do Xingu, também foi bastante constante nos relatos, segundo a consultora. Alguns chegaram a descrever os índios como consumistas. Ela afirma que essas caracterizações gerais nos permitem observar algumas tendências. “A descrição de consumista é ambígua, porque pode ou não ser considerada negativa, além de poder ser interpretada de forma preconceituosa”.
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