Uma lei para cuidar da Mãe Terra

A proposta dos movimentos camponeses e indígenas inclui a proibição de atividades econômicas que afetem o meio ambiente, como aquelas realizadas na Bolívia por dezenas de empresas mineradoras, florestais e de hidrocarbonetos.

As organizações indígenas e camponesas reunidas no Pacto de Unidade apresentaram à Assembleia Legislativa Plurinacional um projeto de lei da Mãe Terra. Este documento reconhece o planeta como um ser vivo e, portanto, com direitos. A proposta inclui a proibição de atividades econômicas que afetem o meio ambiente, como aquelas realizadas na Bolívia por dezenas de empresas mineradoras, florestais, de hidrocarbonetos e outras que deterioram as “bondades da natureza”, como optam por chamar os recursos naturais. Os deputados se comprometeram a debater o texto nas próximas semanas. O governo de Evo Morales pretende apresentar esta lei na próxima Conferência da ONU sobre Mudança Climática, que acontecerá no México em dezembro.

O projeto foi elaborado pelas cinco confederações nacionais indígenas e camponesas que apoiaram Morales para que chegasse ao Palácio Quemado em 2006. Foi construído em dezenas de encontros que as organizações realizaram em todo o país.

“Agradeço ao Pacto de Unidade pela capacidade e a honra para trabalhar propostas de lei. Agora a nossa obrigação é aprová-la. Talvez haja alguma vírgula para mudar ou algo que possamos complementar. Do contrário, será aprovada dentro de 15 dias”, disse o senador do MAS Isaac Avalos na Praça Murillo, quando recebeu o texto das mãos dos dirigentes do Pacto.

Há meses, Avalos era secretário-executivo da Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia (Csutcb), à qual está filiado o presidente aymara. Comprometeu-se a trabalhar pela aprovação da proposta porque “nunca vamos nos esquecer dos movimentos sociais”, assegurou aos centenas de indígenas e camponeses na praça. Haviam marchado de Ceja de El Alto, debaixo de uma chuva gelada, para comemorar a chegada de Cristóvão Colombo e para entregar o projeto aos legisladores.

O Pacto de Unidade havia apresentado em 2006 um anteprojeto de Constituição à Assembleia Constituinte. Depois de várias modificações, esse documento serviu de base à atual Carta Magna. Mesmo que na aparência tenham muita proximidade com o governo de Morales, as organizações querem maior participação na gestão do Estado Plurinacional.

“Continuamos longe do Estado. Como há cinco anos, ainda o vemos estranho. Com este projeto esperamos dar a linha do horizonte para onde estamos indo. Não podemos ver o Estado e o governo longe das organizações. Temos que nos apropriar deste processo e avançar. O processo de mudança vai se instaurar somente quando fizermos leis desde abaixo”, disse a secretária-executiva da Confederação de Mulheres Camponesas Indígenas Originárias da Bolívia “Bartolina Sisa” (Cnmciob BS), Julia Ramos, que fora ministra do Desenvolvimento Rural no primeiro mandato de Morales.

A iniciativa recolhe as conclusões da Conferência Mundial dos Povos sobre Mudança Climática e Direitos da Mãe Terra, realizada em abril passado em Cochabamba com a participação de 30.000 pessoas de todo o mundo.

Para as organizações, um dos pontos mais conflitivos do projeto se refere ao direito à consulta vinculante que as comunidades indígenas e camponesas têm quando o Estado quer explorar recursos naturais de seus territórios. Assim figura na Constituição, no Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, ambos com status de lei na Bolívia.

Mas, em várias normativas já aprovadas pela Assembleia Legislativa, assim como no projeto governamental de Lei da Mãe Terra, o direito à consulta é reconhecido, mas não considerado vinculante. Isto quer dizer que as comunidades não poderiam vetar as iniciativas econômicas que afetem as suas populações. Segundo o Pacto de Unidade, o direito à consulta não teria sentido se suas opiniões não fossem levadas em conta pelo governo.

Depois que as organizações entregaram sua proposta, realizaram uma oferenda à Pachamama para que fosse aprovada “sem que tirem uma vírgula”, segundo o mallku de Indústrias Extrativas do Conselho Nacional de Ayllus e Markas do Qullasuyu (Conamaq), Rafael Quispe. A cerimônia foi atrapalhada pela chuva, e também pela ação de policiais que não queriam permitir a realização do ato frente ao Legislativo. Mas a presença de meios de comunicação fez com que os uniformizados deixassem de escancarar as contradições do Estado Plurinacional.

A maior parte dos ingressos na Bolívia provém da exploração de hidrocarbonetos e minerais. Neste sentido, o texto estabelece que “a exploração, industrialização, comercialização e toda a cadeia produtiva deve usar tecnologia adequada que não polua a Mãe Terra”.

Também proíbe este tipo de atividades “dentro de áreas protegidas, lugares sagrados dos povos indígenas originários camponeses, comunidades interculturais, afrobolivianos e lugares de fragilidade ecológica”. O governo boliviano espera que a Lei da Mãe Terra esteja promulgada para a COP 16, a ser realizada em dezembro em Cancún.

O Pacto de Unidade é integrado pela Cnmciob BS, o Conamaq, a Confederação de Povos Indígenas da Bolívia (Cidob) e a Confederação Sindical de Comunidades Interculturais da Bolívia (Cscib).

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