Aborto seguro: direito das mulheres, dever do Estado

Cristiane Faustino*

O aborto é questão muito séria na vida das mulheres para ser tratado como peça de marketing no jogo eleitoral. Infelizmente é isto que vem ocorrendo: uma exibição sensacionalista e piegas, marcada por dogmatismos, preconceitos e discriminações, sob os mantos da hipocrisia e do cinismo que camuflam a realidade e reduzem o debate ao simplismo de ser “contra ou favor”.

A proposta do movimento de mulheres e organizações da sociedade civil no que se refere ao aborto é simples e justa: nenhuma mulher deve ser impedida de ser mãe; nenhuma mulher deve ser obrigada a ser mãe; nenhuma mulher deve ser presa ou maltratada por ter feito aborto. Essa proposta reivindica o dever do Estado (laico) de garantir direitos e agir democraticamente de acordo com as necessidades reais da população, não podendo basear suas decisões em crenças religiosas ou interesses privados. Na definição e no fazer das políticas, o Estado tem que garantir justiça. E não se garante justiça se não se considera a realidade.

A realidade é que as mulheres recorrem ao aborto sim, em todas as classes sociais, raças e crenças. Mas, com a criminalização, algumas ficam vulneráveis à morte, à prisão, à humilhação e aos maus-tratos. Essas são as mulheres pobres. Para nós do movimento, as mulheres que fazem aborto não são criminosas, mas pessoas éticas, capazes de avaliar se naquele momento lhes convém parir.

Muitas vezes recorrem a ele porque foram vítimas de estupro (inclusive estupro conjugal), pois embora o direito ao aborto seja garantido por lei nesse caso, o medo, a vergonha e a burocracia jogam-nas na clandestinidade e para o risco de morrer. Essa é a realidade, que independe de dogmas e preceitos moralistas. E não se trata de crime, mas de uma saída em uma situação difícil. Essa conclusão se torna simples se pensamos com justeza e solidariedade. Tratar essas mulheres como criminosas é uma injustiça terrível, um descuido, um desamparo, uma violência institucional e brutal contra quem não deseja ou não pode parir.

Olhando a realidade com justiça e solidariedade, é fácil enxergar que somente a descriminalização e legalização do aborto permitem ao Estado garantir os direitos das mulheres e resolver os problemas que a criminalização gera. Essas medidas, acompanhadas de políticas que levem à sociedade informações e apoio nos processos reprodutivos, devem definir normas e procedimentos que tirem as mulheres da clandestinidade e da insegurança; evitem a proliferação de clínicas clandestinas; o contrabando de medicamentos abortivos; a exploração econômica; e os maus tratos nos serviços de saúde.

Mas, na contramão da justiça e da solidariedade, hoje os direitos mínimos das mulheres em relação ao aborto, casos de estupro e risco de morrer estão ameaçados por diferentes projetos e setores conservadores. Um deles é o PL 478/97, o chamado Estatuto do Nascituro, aprovado em algumas comissões de trabalho da Câmara Federal e que, se aprovado no Congresso, não permitirá o aborto em nenhum caso, e mais: também proíbe qualquer discussão sobre o tema. Ou seja, é um retrocesso nos direitos, e a reafirmação e recrudescimento da violência institucional contra as mulheres.

*Assistente Social, militante do Fórum Cearense de Mulheres e representante do Instituto Terremar na Coordenação Colegiada do GT Combate ao Racismo Ambiental.

http://www.opovo.com.br/app/opovo/politica/2010/10/14/noticiapoliticajornal,2052543/integra-do-artigo-aborto-seguro.shtml

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