Brasília – “A garantia dos direitos é fundamental para trazer o bem-estar e dignidade para a vida dos povos indígenas. São direitos bonitos no papel, mas de difícil implementação”. A afirmação abriu o discurso feito pela advogada indígena Joênia Batista de Carvalho, da etnia wapichana, ao ser designada pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado, para presidir a Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da entidade. A solenidade de designação aconteceu na sede do Conselho Indígena de Roraima, em Boa Vista. Com a Comissão, cria-se na OAB canal permanente de interlocução para a sistematização de uma pauta nacional voltada para as causas indígenas.
Na solenidade, Joênia lembrou que a Constituição Federal de 1988 trouxe uma mudança significativa para a vida desses povos, tendo representado avanço nos direitos humanos, cidadania, no reconhecimento da diversidade sócio-cultural, na fixação do dever da União de demarcar as terras e no direito dos índios de receberem ensino escolar diferenciado, focado na realidade indígena.
No entanto, para Joênia Wapichana, todos esses direitos começam a ser mitigados por Propostas de Emenda à Constituição em tramitação na Câmara e no Senado que, por imporem retrocesso nas conquistas e direitos indígenas, devem ser alvo de estudos da nova Comissão. As propostas às quais Joênia se refere são as PECs 215/00 e 038/99, que determinam que fica condiciona à apreciação prévia do Congresso Nacional a demarcação de terras ocupadas por indígenas e a ratificação das demarcações já homologadas.
“Não existe um único representante, uma voz indígena no Congresso Nacional. Não temos nenhum índio político, o que nos coloca à margem do debate e acarreta na exclusão dos povos indígenas”, afirmou a índia wapichana. “A Comissão chega, portanto, num momento necessário, oportuno e válido para fazer valer o compromisso com a garantia dos direitos dos indígenas”, acrescentou.
Também participaram da reunião na sede do Conselho Indígena de Roraima o secretário-geral do Conselho Federal da OAB, Claudio de Souza Neto; o diretor-tesoureiro da OAB Nacional, Antonio Oneildo Ferreira; os presidentes das Seccionais da OAB do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, de Roraima, Jorge da Silva Fraxe, e de Sergipe, Carlos Augusto Monteiro Nascimento; além de vários conselheiros federais da entidade.
Veja a íntegra de seu discurso na solenidade de designação:
“Vemos com o passar do tempo como foi difícil para os povos indígenas verem reconhecidos uma série de direitos. Essa conquista não foi a curto prazo. Ao contrário, esses direitos levaram muito tempo para virarem realidade, uma conquista a duras penas. Até hoje vemos que a impunidade existe, em diversas instâncias, para aqueles que cometeram crimes contra os indígenas.
Para nós, a Constituição Federal de 88 trouxe uma mudança bastante significativa para a vida desses povos. Ela é o marco de nossos direitos e representa um avanço nos direitos humanos, na nossa cidadania, no reconhecimento da diversidade sócio-cultural, na fixação do dever da União de demarcar e proteger os bens e no direito de ter um ensino escolar diferenciado, mais focado na realidade indígena.
Os desafios dessa Comissão criada hoje são grandes porque estão conectados a uma série de interesses, que, sabemos, tem influência direta no Judiciário brasileiro.
Temos requerimentos de PECs que se encontram no Congresso – as PECs 215 e 038 – e tentam, de todas as formas, retroceder nas conquistas e direitos indígenas. Em suma, tentam reformar a Constituição Federal brasileira para que o Artigo 231, que a duras penas foi conquistado, vire um conflito entre poderes, pois querem repassar a obrigação de demarcar e proteger de os bens indígenas da União para o Congresso Nacional.
Não existe um único representante, uma voz indígena no Congresso Nacional. Não temos nenhum índio político, o que nos coloca à margem do debate e acarreta na exclusão dos povos indígenas.
A PEC 215 está na fase final de aprovação e esse é um grande desafio sobre o qual a Comissão Especial deve se debruçar. Mas também temos outros em andamento.
Temos uma série de condicionantes que foram fixadas quando do caso da demarcação da Raposa Serra do Sol. O Supremo Tribunal Federal (STF) fixou e estas estão sendo discutidas em embargos declaratórios. No entanto, são condicionantes que não atingem somente a Raposa Serra do Sol, mas a todos os povos indígenas do Brasil. Essas condicionantes tratam de direitos fundamentais e restringem o exercício de outros direitos que já estão assegurados tanto na Constituição Federal quanto numa série de tratados intencionais que o Brasil se comprometeu a defender em relação à segurança dos povos indígenas.
Uma dessas condicionantes impõe e revoga o direito de consulta, restringe o livre exercício de os povos indígenas se manifestarem sobre o que querem ver acontecer dentro de suas terras e em suas vidas. As leis que tratam de mineração e da construção de hidrelétricas em nossas áreas muitas vezes são feitas sem qualquer consulta prévia aos povos indígenas. Aboliram o direito da comunidade indígena de se manifestar nesses processos. Com essas condicionantes fica praticamente abolido o direito das comunidades indígenas de se manifestar nos processos.
Importante é dizer que entendo que a responsabilidade de resguardar o exercício dos direitos dos indígenas é compartilhada. É de todos nós, seja da sociedade civil seja das autoridades e do agente público, que, se sabe que há a notícia de um crime mas não a leva pra frente, compartilha com a omissão.
O artigo 231 é o mínimo de suporte de base para os povos indígenas no Brasil. Se for alterado, colocará em risco a vida das futuras gerações, que seguem dependendo da implementação desse direito.
Há grandes e novos desafios, tal como um marco regulatório para uma interpretação positiva bem como uma série de parcerias a serem firmadas com o governo federal para executar políticas de educação, saúde e outros serviços.
Esses direitos indígenas que constam da Constituição foram referendados pela Convenção 69 da OIT e a Declaração da ONU sobre os Povos Indígenas. Que elas sirvam para inspirar cada autoridade para, quando se depararem com uma situação de conflito em relação a direito indígena, possam servir de orientação para a resolução desses problemas.
A comissão chega, portanto, num momento necessário, oportuno e válido para fazer valer o compromisso com a garantia dos direitos dos indígenas”.
Fonte: OAB – http://www.oab.org.br/
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http://noticias.promad.adv.br/oab/79103/advogada-wapichana-fala-de-seu-projeto-a-frente-de-comissao-indigena
Enviada por Ricardo Verdum.