Elaine Tavares – Palavras Insurgentes
Comunidade não é só um lugar. É um sentido de pertencimento, um compromisso. Viver em comunidade é respirar o mesmo ar, sonhar os mesmos sonhos, travar as mesmas lutas. No Campeche, um pequeno bairro de Florianópolis, somos assim. Famílias/pessoas que se juntam na defesa do lugar, contra a especulação, contra a destruição e pela preservação da cultura.
No último sábado (16.05) essa comunidade se reuniu no salão da capela para ver um filme, feito por um “gringo” (nascido no Canadá), Todd Southgate, que, chegando ali, amou o lugar e dele fez seu lar. Documentarista de profissão, decidiu filmar o Bar do Chico, espaço de cultura e resistência que havia perto da praia, onde a comunidade se fazia feliz e em luta. Foi quando o bar acabou sendo pivô de uma grande batalha da comunidade contra o governo. Estava dado o argumento.
Como era no Bar do Chico que o povo se juntava, era ele o nascedouro das centenas de lutas travadas em defesa do bairro. Lutas por um Plano Diretor comunitário, que não esmoreceram, feitas anos e anos à fio. Por isso, a prefeitura quis derrubar o bar, atingindo de morte também o velho pescador – Seu Chico – que comandava o pequeno empreendimento. Defendido pela comunidade durante anos, o bar foi finalmente demolido numa madrugada chuvosa, de surpresa, para que não houvesse resistência.
Toda essa história o Todd conta no filme, que expressa, muito mais do que a dor da queda do bar e da morte do seu Chico, a fortaleza de uma comunidade. Na sala repleta – exibido apenas para a família de Chico e os envolvidos com a luta – o filme de Todd e de Ivan provocou comoção. O riso do seu Chico, a praia, as manifestações, a cena dramática do bar sendo destruído pelas máquinas. Tanta luta, tanta dor. E depois, as cenas dos edifícios que vão se erguendo na beira da praia, com suas passarelas até o mar. Só tristeza.
O filme “Desculpe pelo transtorno”, de Todd Southgate , é o retrato em movimento da luta e da esperança de toda uma comunidade, que começou nos anos 80, com as reuniões pelo Plano Diretor. Depois, as batalhas com a prefeitura, a vingança do poder, a morte do seu Chico, a queda do bar. Na tela, os rostos dos velhos lutadores, ainda dando batalha. E os de uma juventude que chega e se faz comunidade também.
A noite de visualização do “Desculpe pelo transtorno” nos fez chorar, a todos, mas, ao final, quando as luzes se acenderam e a gente pode se abraçar, percebemos que aquela era a nossa história, a digna história de uma comunidade que segue viva. Que sofre derrotas sim, mas não se apequena. Tanto que ali estávamos, todos, na mesma comunhão que nos une na hora do protesto, do enfrentamento com a polícia e com os homens do poder.
Por isso, em meio às lágrimas, começou o riso. Porque estamos juntos, porque somos comunidade, porque temos uma história, feita por nossas mãos. Porque temos a lembrança e a força. Esse povo do Campeche, essa gente que luta sempre vai seguir em frente, defendendo seu lugar dos vilões do amor. E ainda que venham as máquinas, que derrubem os prédios, que violentem a praia, nós estaremos braço no braço, mão na mão, porque fomos plasmados com os mesmos sonhos. Somos comunidade. Aconteça o que acontecer.
E quando saímos, alma lavada, na noite úmida, pudemos ouvir no marulho do mar, aquele que deu sentido ao filme, seu Chico, dizendo, baixinho: “aqui eu sou feliz”. E bem ali, onde agora só tem areia, e um dia foi seu/nosso bar, perdura a sua energia e a de toda gente. Porque comunidade não é só um espaço geográfico. Ela é um lugar em nós. Viva o seu Chico, viva o Campeche e viva esse irmão do norte, Todd, que soube vestir a nossa história com tamanha ternura. Aqui seguiremos sendo felizes!
Vejam tudo sobre o filme no endereço: http://www.desculpepelotranstorno.com/index_port.html
O filme pode ser lançado oficialmente no Florianópolis Audiovisual Mercosul (FAM), de 19 a 26 de junho. Ainda não sabemos. Mas, até lá, só o aperitivo.