A Rede Ban Asbestos e a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) repudiam o artigo “Amianto sem riscos”, veiculado na edição desta sexta-feira (8/5), do jornal O Globo. As instituições destacam que o texto é um desserviço à saúde pública brasileira, uma vez que, ao misturar assuntos que não têm qualquer relação, confunde o leitor e distorce os dados nocivos já comprovados a respeito de uma fibra mineral causadora de doenças como asbestose pulmonar, espessamento pleural difuso, placas pleurais, câncer de pulmão e mesotelioma. “Não há forma de se trabalhar com o amianto sem que haja risco à saúde. O artigo é um panfleto publicitário que não pode ser encarado como algo sério”, diz a nota de repúdio assinada pela Rede Ban Asbestos e a ENSP. Confira.
A defesa do indefensável
Novamente nos surpreendemos com a propaganda da indústria do amianto publicada em jornal de grande circulação, como nesta data. O artigo já se apresenta de maneira equivocada a partir do próprio título (“Amianto sem riscos”), pois não há forma de se trabalhar com o amianto sem que haja risco à saúde.
Nossa experiência de três décadas de fiscalização no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) demonstra claramente que o uso controlado do amianto é uma ficção e uma situação impossível de ser obtida em todos os momentos da produção. Sempre há risco à saúde.
A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o amianto como um “inimigo silencioso”. Em seu Critério 203, sobre amianto crisotila, a OMS atesta a nocividade da fibra. Segundo a Organização, não há limite seguro para a exposição ao mineral e recomenda-se sua substituição como melhor forma de prevenir doenças a ele atribuídas. Inclusive, na semana passada (30/4), reportagem da Rádio ONU informou que 300 milhões de europeus podem estar expostos ao amianto naquele continente. Isso é gravíssimo. De acordo com dados da própria ONU, atribuem-se ao amianto 107 mil mortes por ano.
Não há como controlar esse risco, pois, mesmo em países que proibiram o uso do mineral, o risco da exposição existe em razão de seu uso no passado. Quando o representante da indústria diz que 150 países não baniram o uso do amianto, só na Europa nos referimos a 300 milhões de expostos à fibra, segundo a OMS.
Em termos econômicos, de acordo com a diretora regional da OMS na Europa, Zsuzsanna Jakab, em nota emitida durante a conferência de alto nível sobre Saúde e Meio Ambiente, em Haifa (Israel), 15 mil pessoas morrem por ano no continente em razão da exposição ao amianto, sendo que todas as mortes poderiam ser evitadas. Ainda segundo a Organização, em 15 países europeus, as mortes por mesotelioma custam US$ 1,5 bilhão por ano à sociedade.
Há, portanto, um apelo da própria OMS para que os países criem, até o fim deste ano, políticas para eliminação das doenças causadas pelo amianto. E a única maneira de eliminá-las é a sua proibição, por meio do banimento da fibra cancerígena.
Nesta semana, decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) impôs nova derrota à indústria em ação civil pública contra uma das empresas utilizadoras. No momento em que o representante da indústria do amianto alega que “existem pelo menos sete ações questionando leis estaduais que proíbem o amianto, no Supremo Tribunal Federal” e diz que “há grandes chances de essas leis serem consideradas inconstitucionais”, ele ignora completamente o risco conhecido, um dano que se expressa em vítimas, números e valores, justificando a defesa da indústria com base em hipóteses.
O artigo publicado no jornal não tem credibilidade. De onde procede a informação que o amianto não oferece riscos à saúde de trabalhadores e que não há casos de pessoas que tenham contraído doenças em função da segurança da fibra? Temos conhecimento de indústria que tem um passivo de doentes e está sendo acionada em duas ações civis públicas pelo Ministério Público do Trabalho.
Referir-se à fala do ministro Marco Aurélio, quando este diz que “nenhum produto deve ser proibido em virtude do risco pelo uso indevido”, é preocupante, pois afirmações como essas pinçadas de um relatório passam a ser repetidas várias vezes e se tornam “verdades”. Trata-se, sim, de uma fibra perigosa. No entanto, já existem produtos que podem a substituir com segurança e menor risco. Não faz sentido manter essa tecnologia.
Por outro lado, a distinção feita entre os vários tipos de amianto (amianto azul, anfibólio ou crisotila) não tem qualquer sustentação do ponto de vista científico porque todas a fibras de amianto são consideradas cancerígenas. Não há distinção: todas causam câncer.
Dizer que há outros fatores que podem desencadear vários tipos de câncer é, no mínimo, incoerente. Para o mesotelioma, o único agente reconhecido como causador da doença é o amianto. Não há fatores genéticos que tenham sido estabelecidos ou que relacionem o mesotelioma com esses fatores. Desse modo, a única causa conhecida e reconhecida por provocar o mesotelioma é o amianto! Outra inverdade é afirmar que “trabalhadores que entraram nas minas e fábricas, no Brasil, a partir de 1980, não tiveram qualquer tipo de alteração na saúde relacionada ao amianto”. Os processos do Ministério Público do Trabalho coletaram dados da própria empresa que atestam que muitos trabalhadores admitidos após a década de 1980 desenvolveram doenças relacionadas ao amianto. Há casos, inclusive, de mesotelioma em trabalhadores de fábricas que adoeceram após a exposição.
O que se viu na edição de hoje do jornal O Globo pretende confundir a população, além de prestar um desserviço do ponto de vista de saúde pública. O último parágrafo traz mais um equívoco por parte da indústria ao dizer que as decisões do Judiciário europeu têm se baseado em fatos, e não em meras manipulações. Quer dizer que houve manipulação, má fé ou invenção da doença? Nesses casos, provavelmente não se conseguiu provar a culpa, o dolo, estabelecer o nexo adequadamente entre réu e vítima, já que, para o juízo, é necessário, na condenação, encontrar o culpado. Não confundamos: na justiça se busca reparação, indenização. Isso não inviabiliza, de forma alguma, os laudos médicos em andamento. Nem todo caso médico se transformará em caso jurídico.
A Rede Ban Asbestos e a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) reforçam que a nota veiculada nesta data presta desserviço à saúde pública brasileira.
Imagem: Capa da Radis 29.