O Brasil não precisa [de usinas nucleares]

Por Joaquim Francisco de Carvalho*, no O Globo

Devido à desastrosa gestão imposta ao setor energético nestes últimos 12 anos, o racionamento de eletricidade só tem sido evitado pela queda da demanda, provocada pela recessão econômica. Mas isto não bastará para evitar apagões em futuro próximo, porque as mudanças climáticas comprometem a vazão dos rios e cerca de 70% da energia elétrica brasileira vêm de usinas hidrelétricas.

A bacia do São Francisco, por exemplo, está sendo devastada pela agropecuária, o que reduz a vazão dos rios, como aliás já se previa há mais de 40 anos. No entanto, em vez de agir no sentido de reverter esse processo, mediante o incentivo ao reflorestamento das nascentes e matas ciliares, o governo agrava-o, haja vista o disparatado projeto de transposição das águas daquele já minguante rio. Futuro sombrio também é previsível para as bacias do Tietê, Paraná, Paraíba e Iguaçu — e até para a Bacia Amazônica.

Como solução para esses problemas, o governo — em sua invencível inépcia — propõe a implantação de centrais nucleares, precisamente quando esta opção é abandonada por países da vanguarda tecnológica, como Alemanha, Bélgica, Suíça — e o Japão, que reativou apenas duas centrais nucleares das mais de 40 que operava antes da catástrofe de Fukushima.

Mesmo na França, que em termos relativos é o país mais nuclearizado do mundo, a Assembleia Nacional passou recentemente a lei da transição energética, lançando uma contagem regressiva para menor dependência da energia nuclear.

Os adeptos do tout nucleaire (como eu já fui, no passado) apontam a intermitência dos ventos e das radiações solares como desvantagem das fontes renováveis.

Ocorre que o aproveitamento das fontes renováveis pode ser muito aperfeiçoado. A implantação de malhas inteligentes (smart grids) para interligar as hidrelétricas com os parques eólicos e fotovoltaicos contribuiria para aumentar o fator de capacidade do parque hidrelétrico e para atenuar o problema da intermitência dos ventos e das radiações solares, por meio do chamado “efeito portfólio”, pelo qual, à semelhança de uma carteira de ações na bolsa de valores, a produção conjunta de todos os parques eólicos e fotovoltaicos varia menos do que as produções individuais de cada parque. E pode-se ainda aumentar muito a eficiência das turbinas eólicas e dos painéis solares.

Desperdícios de energia podem ser evitados nas malhas das empresas de distribuição, nas quais a desordem e o emaranhado de cabos nos postes induzem correntes que provocam perdas descomunais. Por fim, se houvesse planejamento energético e os institutos de pesquisa controlados pelo governo investissem no desenvolvimento de sistemas de armazenamento e transporte de energia em larga escala, muito poderia ser feito nesse campo.

Joaquim Francisco de Carvalho, mestre em Engenharia Nuclear e doutor em Energia, foi diretor da Nuclen (atual Eletronuclear)

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