Nojo! Mais que lama…

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

O ‘convite’ apócrifo abaixo está sendo distribuído em Mariana, convocando para uma reunião “conosco” (não diz quem, assim como não assina). O objetivo? Por mais inacreditável que possa parecer e entre outros lamentos, para que se peça “a retomada das atividades, conforme pela Mineradora requerido, sob pena de a nossa dor ser prolongada e aos poucos nos fazer a todos, não só aos que diretamente atingidos pela lama, acreditar  que não vale a pena recomeçar… Que tudo está acabado…”. E ainda: “Precisamos da Mineradora”. Assim mesmo, com maiúsculas, como se usa para Deus.

O documento falseia a verdade a ponto de acusar televisões e outras mídias de sensacionalismo, agindo contra os interesses da população da cidade. Desavergonhadamente, acusa meios de comunicação que, principalmente nas últimas horas, estão sendo cobrados por ‘esquecerem’ de citar os nomes das empresas responsáveis pelo rompimento da barragem. E apela para o mais piegas sentimentalismo, usando a já decrépita chantagem dos empregos, conclamando a população da cidade a defender seus interesses contra aqueles que só estariam interessados em mostrar a sua desgraça.

Mais: certamente não por acaso, a conclamação anônima é feita praticamente para a mesma hora do debate da sociedade civil, marcado desde o final da semana passada para as 18:30, no Centro de Convenções, com o objetivo de discutir a situação atual em Mariana e como fazer face a ela!

Transcrevo o panfleto na íntegra, abaixo, sem mais comentários. Acho que é fundamental sabermos até onde vão a manipulação e a falta de respeito ao povo, à população, à cidadania. Até onde vai a delinquência. Faço apenas uma observação antes, destacando trecho da convocatória cretina onde está dito: “Será que uma empresa séria que tem um histórico construído com operosidade e respeito, com saudável vida financeira, agiria com negligência e assumiria o risco de “construir uma tragédia”?”

Aí, prefiro deixar a resposta com um jornal tradicionalmente mais que insuspeito para o capital. Relembro texto do correspondente de O Globo em Washington que citei esta manhã. Nele, o jornalista menciona os diversos planos de evacuação de populações usados nos Estados Unidos, que incluem, mais que as sirenes que a Samarco não julgou necessárias, mensagens de texto nos celulares dos moradores, alertas nas emissoras de rádio e tevê etc. E conclui a respeito, destruindo qualquer hipótese de alegações de ignorância quanto ao que se deve fazer quando se ameaça uma comunidade com rejeitos tóxicos, se não se é “negligente”:

“Coisas que a BHP Billiton e a Vale, sócias da Samarco [sic], estão habituadas em suas operações nos EUA, no Canadá e na Austrália, mas que não existem no Brasil e nem foram cobradas por autoridades locais”.

Deixo minha indignação e revolta com os leitores e leitoras deste blog, junto com o documento fajuto e um dado extra: neste momento em que escrevo, os bombeiros aumentam o perímetro de evacuação em Mariana, com a informação de que a barragem do Germano, ela só maior que as duas que romperam juntas, está trincada e pode ceder a qualquer momento.

*

“UM CONVITE À REFLEXÃO

O triste sinistro que atingiu Mariana no último dia 05 de novembro, fez com que nossa amada cidade ganhasse as primeiras páginas dos mais importantes jornais do país e as principais manchetes dos programas de televisão, rádio e as redes sociais do mundo inteiro.

É lamentável que Mariana só seja notícia em eventos desta natureza. Talvez, a última vez que Mariana foi notícia mundial, tenha sido quando do incêndio da Igreja do Carmo em 1999.

É que as boas iniciativas, a história e a riqueza de Mariana, passam despercebidas; não são noticiadas…
E o sensacionalismo e a corrida pelo furo de reportagem para em primeira mão anunciar a tristeza maior, chega sempre à frente. Em Mariana, aportaram-se todas as grandes emissoras de televisão para mostrar ao mundo a dor, a tristeza, a desolação… Para indicar culpados… Para fazer julgamentos sumários… Para fomentar desconfianças e não se ater puramente à verdade dos fatos.

Nunca um desses meios de comunicação aqui esteve para registrar, por exemplo, todas as manhãs o número de trabalhadores que enchem os ônibus, também vindos de outras cidades, para extrair o mesmo minério do qual se originou a lama… Nunca se registrou a alegria de se trabalhar numa das mais importantes mineradoras do país… Nunca se registrou a honra em fazer parte do quadro de uma empresa com altíssimo grau de respeito ao ser humano e de responsabilidade social… Nunca se ouviu a ninguém sobre a satisfação de ter o seu contra cheque ao final de cada mês demonstrando o crédito de seu justo e merecido salário…

Nunca se perguntou sobre os projetos sociais que a Mineradora desenvolveu e desenvolve nas comunidades onde atua e gera emprego… Pouco se conhece sobre o bem comum durável que nas comunidades em parceira com a Prefeitura, com as instituições regularmente organizadas, foi e é proporcionado por sua atuação responsável, muito além da quota exigida na legislação própria…

Mas para que? Isto não vende… Isto não dá Ibope… A dor, a tristeza, a tragédia, sim, dão pontos importante de audiência… Contudo, não podemos ser omissos e concordar com o que estamos ouvindo e que não corresponde a verdade histórica que vivenciamos como Marianenses, filhos desta Terra ou adotados por ela.

Será que uma empresa séria que tem um histórico construído com operosidade e respeito, com saudável vida financeira, agiria com negligência e assumiria o risco de “construir uma tragédia”? Será que os seus Diretores atuariam em desfavor de si mesmos, para responder a processos por responsabilidades? Será que os seus acionistas prefeririam amargar prejuízos como os de agora e carregar pelos restos de suas vidas a triste história deste desastre, do que fazer investimentos que protegessem a vida e consequentemente protegessem os seus lucros?

A sua culpa, a sua responsabilidade tem e deve ser apurada na medida exata de sua atuação…

E o Poder Público onde esteve todo este tempo? Não é o Poder Público o responsável pelas autorizações de funcionamento? Pelas licenças ambientais? Não é o Poder Público que autoriza a construção de barragens aqui e ali? Não é o Poder Público que deve enxergar os riscos das atividades, sejam à vida do ser humano e do meio ambiente? Que acima de tudo deve zelar pelo bem do povo? Não é o Poder Público que deveria ter medido o impacto de uma eventual “tragédia”? E agora, não é este mesmo Poder Público que pune e não se auto responsabiliza?

Precisamos da Mineradora… Precisamos que ela retome as suas atividades para o bem das famílias que seus empregados sustentam… Precisamos ser comedidos… Precisamos ter bom senso… Não simplesmente que seja usado o “poder” para punir, porque a punição de parar suas atividades, não é em si à Mineradora mas a todos os que dela dependem para o sustento de suas famílias… É à nossa Mariana…

É importante que medidas veementes sejam tomas em defesa da vida e do meio ambiente! É importante que este triste e lamentável evento não tenha sido em vão… É extremamente importante que se reconheça que ador, a morte e o desaparecimento de tantas pessoas precisa ser fator de mudanças, não na Mineradora somente, mas na atividade e no currículo mineral do país…

É importante reconhecer a força da solidariedade de todos que supre um pouquinho a dor de tantas perdas e que tanto emociona e agrega… É importante, como Marianenses compromissados com o bem comum, que levantemos a nossa voz contra o exagero , o sensacionalismo, o oportunismo e a exploração da dor (além do sensacionalismo, há profissionais do direito indo aos Hotéis e às Pousadas colher assinaturas em procurações para mover processos prematuros de indenizações, quando não houve ainda negativa ao dever de indenizar)…

É importante que não tenhamos medo ou vergonha de recomeçar e de pedir publicamente que as Autoridades não se eximam de suas responsabilidades e simplesmente fechem os olhos, como punição, às verdades técnicas de competentes profissionais, autorizando a retomada das atividades, conforme pela Mineradora requerido, sob pena de a nossa dor ser prolongada e aos poucos nos fazer a todos, não só aos que diretamente atingidos pela lama, acreditar que não vale a pena recomeçar… Que tudo está acabado…

Se o Poder Público foi omisso em suas diligências fiscalizadoras, não pode agora simplesmente subir ao trono e julgar com mão de ferro, porque também é responsável na mesma medida por tudo, a menos que na mesma medida também imponha a si mesmo a punição…

Por outro lado, se o Poder Público não foi omisso em suas diligências fiscalizadoras, é o seu dever atestar que uma fatalidade ocorrera e que o que se deve neste momento é ter prudência, é reconstruir e recomeçar…

Se Você concorda com pelo menos um pouco do que o texto acima diz, venha conversar o assunto conosco, por favor. Quem sabe de nossa conversa alguma luz surgirá em benefício do bem comum:

Dia 12.11 – Quinta Feria = 19:30 horas
Rua André Corsino, 220 B.
(Sala de Ensaios dos Corais do Conservatório)
Em 10.11.15″

Documento enviado para Combate Racismo Ambiental por Maria Teresa Viana de Freitas Corujo.

Destaque: Ilustração de Ana Flávia Quintão.

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