“Eu não sei mais quem é meu chefe
Eu não sei mais quem é meu patrão
Recebo ordens de todos os lados
Mas não sei quem me dá o pão…”
(Rodolfo Pamplona Filho)
Por Amalia Antúnez, para Rel-UITA
Quais serão as consequências para o mundo do trabalho se o PL 4330 sobre terceirizações for aprovado?
Acredito que este projeto de lei, aprovado primeiramente na Câmara de Deputados em abril passado, representa a maior afronta à proteção aos direitos trabalhistas da história do Brasil.
Entre outras coisas o trabalhador deixará de se beneficiar dos direitos conquistados pelo movimento sindical e generalizará o sistema de contratação de pessoas jurídicas.
Em outras palavras, os trabalhadores serão tratados como empresas ou como empresários.
Imagine o cenário! Um frentista terá que abrir uma microempresa em seu nome para poder abastecer os carros, sendo tratado legalmente como um empresário, quando na realidade é um trabalhador assalariado. Isto gerará uma crise social, pois os trabalhadores perderiam todos os direitos conquistados. Um absurdo total.
Por que surgiu este PL?
O que acontece é que no Brasil não há, até o momento uma regulamentação consistente sobre as terceirizações. Falta uma legislação a esse respeito, sem dúvidas, mas o problema está no atual contexto do Legislativo, formado em sua maioria por políticos de perfil conservador.
O projeto como foi aprovado representa uma ficção jurídica: gera empresas com trabalhadores, porém sem empregados e, consequentemente, trabalhadores sem direitos.
Esse cenário conduz, no mínimo, a um desequilíbrio total na relação capital/trabalho, já que beneficia o empregador e desmantela o sistema de direitos, precarizando-o ou reduzindo-o à sua mínima expressão.
Este PL anula implicitamente qualquer direito conquistado pela classe trabalhadora por meio de sua representação sindical, podendo dar-se o caso de que, mesmo sendo funcionário direto de uma determinada empresa, um trabalhador não tenha nenhum tipo de direito trabalhista.
Assim como foi aprovada na Câmara, a lei iria contra o que estabelece a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e também contra a própria Constituição.
Em que estágio a discussão se encontra?
O projeto está no Senado, que propõe uma discussão mais ampla e profunda porque apresenta várias inconsistências legais, e porque o modelo discutido atenta contra o modelo jurídico de proteção social.
Ao permitir a terceirização total, este PL resgata um padrão de trabalho pré-capitalista, resgata o que os franceses denominam marchandage, termo utilizado na legislação trabalhista para designar um sistema de trabalho baseado na simples intermediação de mão de obra.
Quando os defensores do PL 4330 declaram que isto é algo novo, acho lamentável, porque com este projeto estão retroagindo os direitos trabalhistas para a sua pior etapa, uma etapa que já tinha sido superada, graças ao surgimento do Direito Trabalhista.
Quais são suas expectativas em relação ao debate no Senado?
É bom destacar que todas as associações de juízes trabalhistas se manifestaram contra o projeto. Nunca havia acontecido uma coisa assim no Poder Judiciário.
A Associação dos Juízes do Trabalho, à qual pertenço, e a maioria dos ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) manifestaram publicamente seu repúdio a esta lei, porque neste assunto não se trata sequer de ideologia, mas de nossa prática cotidiana em processos trabalhistas que envolvem os trabalhadores terceirizados.
Vemos diariamente como os trabalhadores terceirizados não recebem seus salários no momento correto, e trabalham em condições de saúde e de segurança muito precárias, o que se traduz em apresentar níveis de sinistralidade maiores que a média.
Sem falar que este projeto, sendo aprovado, gerará ações bem complicadas na justiça, já que haverá empresas processando outras empresas, que por sua vez declinarão de responsabilidades. Vai ser uma loucura do ponto de vista prático, além de que o trabalhador será o único prejudicado.
A legislação brasileira já é suficientemente complicada quando se trata de terceirização, pior ainda se acrescentamos uma nova complicação. Será mais complicado ainda.
Do ponto de vista prático esta lei é uma falácia.
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*Também é mestre em Direito pela UFBA e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Desenvolveu trabalhos de pesquisa na área do Direito do Trabalho, especializando-se em dependência econômica, subordinação jurídica, trabalho escravo e direito sindical.
Tradução de Luciana Gaffrée.