“Houve omissão do Estado. Muitos camponeses foram expulsos de suas terras e perseguidos”, apontou a professora Leonilde Medeiros, uma das colaboradoras da Comissão Camponesa da Verdade.
Por Fania Rodrigues, Brasil de Fato
Durante a ditadura militar, muitos camponeses foram expulsos de suas terras, perseguidos e duramente reprimidos. Para revelar fatos marcantes dessa época, a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro e o Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA-UFRRJ) realizou, nesta terça-feira (19), na OAB/RJ, o evento Testemunho da Verdade – Conflitos no campo no Rio de Janeiro.
O objetivo foi traçar um panorama da repressão e da luta por direitos dos trabalhadores do campo durante a ditadura militar no Estado do Rio de Janeiro. Para falar sobre esse tema o Brasil de Fato entrevistou a professora e pesquisadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Leonilde Medeiros, uma das colaboradoras da Comissão Camponesa da Verdade.
Brasil de Fato – Como foi esse processo de investigação dos crimes contra camponeses? De que forma ele foi inserido na Comissão Nacional da Verdade?
Leonilde Medeiros – Foi criado um grupo de trabalho responsável por relatar os crimes e violações contra os camponeses e indígenas. A ideia surgiu no Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, em agosto 2012. Esse grupo de trabalho recebeu o nome de Comissão Camponesa da Verdade, que aconteceu em conjunto e paralelo a Comissão Nacional da Verdade (CNV). A gente tinha um mapa muito amplo de onde buscar essas violações e o objetivo era investigar e fornecer subsídio para a CNV. E esse trabalho resultou em um relatório, protocolado na CNV, e que deve ser publicado em breve.
Qual é a dimensão dessas violações, há uma estimativa de quantos camponeses foram mortos, desaparecido, presos ou torturados?
Tem um número sim, mas nossa preocupação maior não era com a quantidade, mas em demonstrar que houve omissão do Estado e que isso é uma forma de violação de direitos humanos. Muitos camponeses foram expulsos de suas terras e perseguidos.
Quais as regiões onde houve mais violência contra a população rural?
No Rio de Janeiro, foi no literal sul Angra e Paraty. A gente identificou mais de 130 conflitos no estado, desse total mais de 40 % foram no litoral sul. Observamos que durante e depois da construção da rodovia federal Rio-Santos foram desalojados centenas de camponês nessa região. Os caiçaras, por exemplo, foram muito prejudicados. Isso tem muito a ver com os grandes investimentos turísticos e as grandes empresas que se instalaram nessa região. Queremos mostrar que durante a ditadura os camponeses foram expulsos de suas terras e que nada foi feito, esses casos não foram investigados, o governo não tomou nenhuma providência.
Esses camponeses faziam parte de alguma organização?
A maioria não, mas mesmo não existindo nenhuma organização política de esquerda, não deixou de existir violações. Queremos mostrar como a ditadura afetou o mundo do trabalho. Os camponeses perderam suas terras e seu modo de vida. Isso, sem falar das inúmeras prisões e perseguições.
As populações rurais, os camponeses organizados, foram os primeiros as serem vitimas da ditadura. Porque eles foram tão perseguidos?
Eles foram tão perseguidos quanto os sindicatos urbanos. Alguns sindicatos foram fechados, as lideranças presas. Nos lugares onde haviam pessoas da Ligas Camponesas foi onde houve mais violência contra as populações rurais. Teve muita repressão sobre as áreas mais organizadas, onde havia uma resistência. No Rio de Janeiro, os lugares que sofreram maior repressão foram a Baixada Fluminense e os municípios de Cachoeira de Macacu, Magé e Campos.
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Imagem: Camponeses em luta (Arquivo Carta Maior)