Indígenas Cinta Larga dão ultimato e MPF teme ‘nova tragédia’ em Rondônia

Procurador pede intervenção imediata da PF para evitar conflito em Terra Indígena de Rondônia: ‘a situação é a pior possível’

Vanessa Moura, Portal Amazônia

‘‘O barril de pólvora está lá, basta que alguém risque o palito de fósforo para a gente ter uma nova tragédia’’, disse o procurador da República Reginaldo Trindade. O material explosivo em questão é a presença de garimpeiros e maquinários da Terra Indígena dos Cinta Largas. O Ministério Público Federal de Rondônia (MPF) emitiu recomendação para que a Polícia Federal organize uma operação para retirada, mas até o momento não foi atendido. 

De acordo com Trindade, a situação pode gerar novo conflito entre indígenas e garimpeiros na região a qualquer momento. Ele acompanha a situação do povo indígena há mais de dez anos e explica quais as condições enfrentadas por eles. ‘‘A situação envolvendo o povo Cinta- larga é a pior possível. Apesar da riqueza no subsolo das terras deles, os índios passam toda sorte de privações. Ainda temos um governo muito omisso’’, afirma.

A riqueza encontrada nas terras dos Cinta Largas é motivo de um conflito antigo entre indígenas e garimpeiros. O procurador explica que o caso é crítico e que os indígenas querem colocar um basta na garimpagem ilegal. ‘‘Os índios manifestaram interesse em fechar o garimpo mais uma vez, só que agora os garimpeiros estão resistindo. Estão armados e estão ameaçando os índios’’, afirma o procurador.

Os cerca de 2 mil indígenas Cinta Larga estão presentes em quatro Terras Indígenas entre Rondônia e Mato Grosso.

Intervenção

Os indígenas já deram prazo para os garimpeiros abonarem as terras indígenas. ‘‘Desde de abril que os indígenas estão querendo fechar [o garimpo]. Os índios deram um ultimado para os garimpeiros. Eles disseram que o garimpo seria fechado no dia 3 de maio e os garimpeiros queriam até o dia 10 de maio, e mesmo diante do ultimado os garimpeiros armados estão ameaçando os índios e resistem a sair’’, afirma.

O caso já foi levado ao conhecimento da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Polícia Federal. ‘‘A Funai levou a problemática para a Polícia Federal e a Polícia Federal não manifestou o interesse de participar de uma operação junto com a Funai para retirada desses garimpeiros’’, conta. A situação motivou o MPF/RO a emitir recomendação na última sexta-feira (8) para que a PF interfira no caso.

‘‘Os garimpeiros estão desdenhando das instituições, dizendo que ninguém vai lá retirá-los. Então, por conta principalmente da postura Polícia Federal de não participar e não fazer o seu papel, nós achamos por bem expedir uma recomendação para o diretor-geral da Polícia Federal, para que ele promova uma operação’’, disse o procurador.

Recomendações

Ele explica quais as recomendações feitas ao PF. ‘‘São dois enfoques diferentes. O primeiro é a retirada e prisão de toda e qualquer pessoa que esteja praticando garimpagem ilegal nas terras do povo Cinta Larga. E o outro enfoque é a retirada de todo e qualquer maquinário, instrumento que seja usado na garimpagem porque se não tira as pessoas dali a uma semana, um mês as pessoas voltam. Se não tirar essa infraestrutura, eles vão voltar’’, afirma.

O prazo para PF responder as recomendações do MPF/RO já terminou. ‘‘Nós expedimos a recomendação na sexta-feira (8), demos três dias de prazo para eles nos responderem e a recomendação é posta em termos graves, no sentido de que a Polícia Federal atenda prontamente, ou seja, o quanto antes possível que ela faça sua operação em conjunto com a Funai para retirada dos garimpeiros’’, conta.

O procurador teme o novo conflito entre indígenas e garimpeiros. ‘‘A qualquer momento pode haver alguma intriga, alguma confusão entre índio e não-índio e como as pessoas estão armadas e estão com esse ânimo beligerante muito perigoso a gente ter uma nova tragédia. Então, em razão disso nós apelamos para a boa vontade da Polícia Federal que ela participe desse esforço’’, afirma.

Esforços

Além da Polícia Federal, o Ministério Público Federal também busca apoio junto a Polícia Militar de Rondônia. ‘‘Nós procuramos o Comando Geral da Polícia Militar solicitando apoio e comandante foi muito receptivo a nossa preocupação de evitar uma nova tragédia, e nós acreditamos que vamos conseguir esse apoio’’, disse.

Agora, o MPF espera que o PF se manifeste a favor da operação de retirada dos cerca de 500 garimpeiros. ‘‘A recomendação não tem força por si só, não é uma ordem. É um alerta, uma advertência para que eles hajam. Se eventualmente, ele não atenderem nós podemos ir ao Poder Judiciário e aí sim o Poder Judiciário vai determinar isso. Sinceramente nós não esperamos chegar a isso e sim que a Polícia Federal se sensibilize e cumpra o que não é nenhum favor, é obrigação legal expressa da constituição, nas leis do país’’, afirma.

Tragédia

A convivência com o garimpo ilegal já gerou uma tragédia que resultou em mortes nas terras indígenas dos Cinta Larga, em 2004. ‘‘A riqueza do garimpo foi descoberta há muito tempo, mas foi efetivamente impulsionada nos últimos 15 anos, por volta de 1999, 2000. Em 2004 nós tivemos o incidente mais crítico onde 29 pessoas morreram nesse embate’’, conta.

E acrescenta: “O cenário de 2015 é muito parecido, igual ou até pior que em 2004. Todos os elementos que nós tínhamos estão estão presentes ainda hoje:  a presença da riqueza, os índios passando toda sorte de privações, o governo completamente omisso e milhares de pessoas interessadas em roubar os índios. E há o agravante da questão dos Cinta Larga  ter saído da grande imprensa nacional e até internacional. O governo se desinteressou completamente’’, avalia Trindade.

‘‘Nós estamos desde 2004 quando assumimos a defesa do povo Cinta Larga somando esforços para que esse garimpo seja fechado efetivamente porque o garimpo nunca foi fechado efetivamente, ele vai e vem ao sabor das promessas feitas e descumpridas pelo Governo Federal, aí os indígenas se desiludem, a pressão sobre eles é muito grande, o crime organizado, não resistem e o garimpo acaba sendo reaberto. A nossa luta é para quebrar esse ciclo vicioso’’, explica o procurador.

Segundo o procurador, a presença de garimpeiros nas terras dos Cinta Largas é responsável por uma série de problemas. ‘‘Temos prostituição, uso de bebida alcoólica, drogas, armas. Tudo de ruim está sendo passado lá para dentro. Estão enfrentando também uma verdadeira desintegração do povo Cinta Larga. Começamos a ter uniões espúrias, não que eles sejam proibidos de fazer isso, mas isso está acontecendo por meio de um contato violento’’, pontua.

Imagem: Procurador da República Reginaldo Trindade. Foto: Vanessa Moura/Portal Amazônia

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