Alimentação suplementar durante períodos de seca possibilita multiplicar maior número de colônias dos insetos polinizadores, constatam cientistas da USP
Por Elton Alisson, na Agência FAPESP
A alimentação suplementar de abelhas sem ferrão com xarope de açúcar ou de mel durante períodos de seca possibilita aos apicultores multiplicar um maior número de colônias e, consequentemente, aumentar a produtividade e a geração de renda proveniente da comercialização de produtos de abelhas nativas.
A constatação, publicada na revista PLoS One, foi feita por pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) no âmbito do projeto “Promovendo a meliponicultura para alcançar um desenvolvimento rural sustentável”, apoiado pela FAPESP.
“Observamos que os meliponicultores [criadores de abelhas sem ferrão] que alimentam suas colônias com xarope de açúcar ou mel de abelhas Apis mellifera em períodos de seca têm maior número de colônias e conseguem multiplicá-las mais do que os criadores que não adotam essa prática”, disse Rodolfo Jaffé Ribbi, pós-doutorando no Laboratório de Abelhas do Departamento de Ecologia do ICB e primeiro autor da pesquisa, à Agência FAPESP.
Uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores para explicar o efeito da suplementação alimentar na produtividade das colônias de abelhas sem ferrão é que a prática possibilita assegurar a sobrevivência dos insetos em períodos secos, quando os recursos florais são escassos ou indisponíveis.
Dessa forma, as abelhas têm maiores condições de se reproduzir e, consequentemente, de aumentar o número de colônias e produzir mais mel durante as estações mais úmidas.
“Os apicultores que mantêm suas abelhas próximas de áreas com vegetação nativa também obtêm mais colônias, o que corrobora a hipótese de que a disponibilidade de recursos naturais influencia o crescimento e o sucesso da multiplicação das colônias”, explicou Jaffé, que realizou o estudo sob a orientação da professora do ICB-USP Vera Lucia Imperatriz-Fonseca.
O estudo também teve a participação de pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), das universidades federais Rural do Semiárido (Ufersa), do Recôncavo da Bahia (UFRB) e do Ceará (UFC), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e da University of Texas em Austin, nos Estados Unidos.
Armadilhas com vinagre
Os pesquisadores identificaram durante o estudo – feito com base em entrevistas com 251 meliponicultores, espalhados por 20 estados brasileiros – que, além da alimentação suplementar, também há diversas outras práticas de manejo de abelhas sem ferrão que resultam no aumento da produtividade e da renda proveniente da comercialização de mel e de colônias pelos criadores desses insetos polinizadores.
Uma dessas técnicas, segundo eles, é o uso de armadilhas com vinagre para controlar a infestação das colônias por moscas forídeas.
Semelhantes às moscas-das-frutas, essas pequenas moscas, da família Phoridae, representam uma das pragas mais devastadoras de colônias de abelhas sem ferrão.
Atraídas pelo odor do pólen armazenado nas colônias, essas moscas entram nos ninhos e colocam centenas de ovos. “As larvas das moscas diminuem a disponibilidade de alimento das colônias, causando danos consideráveis ou até mesmo a destruição delas”, disse Jaffé.
A fim de controlar a infestação, alguns apicultores colocam dentro das colônias recipientes – como um saleiro com vinagre e tampado com pequenos furos – que possibilitam a entrada somente de moscas forídeas.
O odor do vinagre atrai as moscas parasitas. Ao entrar no recipiente, os insetos acabam morrendo afogados, explicou Jaffé.
“Constatamos que os apicultores que empregam essas armadilhas com vinagre também têm um maior número de colônias do que os criadores que não adotam essa prática, mostrando que há uma relação entre o uso dessas armadilhas e o crescimento e sobrevivência das colônias”, afirmou.
Os pesquisadores também observaram que os apicultores que inspecionam suas colônias frequentemente são capazes de reduzir o número de colônias perdidas, provavelmente porque conseguem detectar infestações de moscas forídeas antes que se tornem um problema incontrolável.
Além disso, também podem fortalecer colônias fracas com abelhas operárias e ninhadas mais fortes e fornecer alimentação suplementar, se for necessário.
“As colônias dos criadores que fazem inspeções mais frequentemente, pelo menos a cada quinzena, têm uma taxa de sobrevivência maior. Já as colônias dos apicultores que só as inspecionam uma vez por ano ou a cada seis meses, por exemplo, têm mortalidade maior”, comparou Jaffé.
O método de extração do mel também influencia as perdas de colônias, apontam os pesquisadores. Os apicultores que coletam mel furando os potes de mel – recipientes de cera com forma de ovos – e, em seguida, os colocam de ponta-cabeça para o produto escorrer, por gravidade, não só matam uma parcela maior da população de abelhas operárias, como também tornam as colônias mais atrativas para as moscas forídeas.
Isso porque durante a extração do mel o pólen da colônia fica exposto, atraindo as moscas forídeas. “A extração do mel da colônia usando uma seringa plástica ou um sugador a motor causa menor danos às abelhas e faz com que os estoques de pólen permaneçam intocados. Dessa forma, as perdas das colônias são muito menores”, explicou Jaffé.
Pouco tecnificados
De acordo com Jaffé, apesar das técnicas de manejo de abelhas sem ferrão identificadas no estudo serem baratas e relativamente simples de serem implementadas, a maior parte dos meliponicultores no país desconhece a existência delas.
“A grande maioria dos meliponicultores no país não aplica muita tecnologia. Com uma boa divulgação e treinamento seria possível os meliponicultores adotarem essas práticas e aumentar substancialmente a produtividade e a renda”, disse.
Estima-se que há no Brasil, aproximadamente, 5 mil meliponicultores, distribuídos por diferentes regiões do país. A maioria dos 251 entrevistados no estudo é do Sudeste e do Nordeste, duas grandes regiões produtoras de mel e de colônias de abelhas sem ferrão.
“Os apicultores que entrevistamos têm perfis bastante diversificados. São desde meliponicultores rurais, sem alfabetização e poucos tecnificados, até criadores comerciais, que possuem mais de 3 mil colônias de abelhas sem ferrão”, comparou Jaffé.
Os produtores mais tecnificados identificados no estudo têm, em média, maior nível educacional e multiplicam suas colônias – também considerada uma prática fundamental para aumentar o plantel de abelhas e não depender somente de colônias extraídas da natureza. Além disso, também contam com uma grande rede de contato com outros meliponicultores.
“A rede de contato com outros meliponicultores é importante para trocar conhecimento e informações sobre práticas de manejo e até mesmo para ajudar a comercializar os produtos. Mas a maioria dos meliponicultores no país ainda não tem acesso à internet”, ponderou Jaffé.
Em média, os criadores participantes do estudo possuem cerca de 50 colônias e vendem aproximadamente 20 litros de mel por ano, embora alguns consigam obter mais de 200 litros por ano.
As principais espécies de abelhas sem ferrão criadas por eles são a jataí (Tetragonisca angustula) e a mandaçaia (Melipona quadrifasciata)Lepeletier), muito comuns na região Sudeste do país.
As espécies de abelhas sem ferrão mais por eles são a jataí (Tetragonisca angustula) e mandaçaia (Melipona quadrifasciata)Lepeletier), muito comuns na região Sudeste do país. “No Nordeste, as espécies criadas mais comuns são a jandaíra (Melipona subnitida duke) e a uruçu (Melipona scutellaris)”, disse Ribbi.
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Destaque: foto da internet, sem identificação além do nome na direita baixa