A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, também conhecida como “Cidade Maravilhosa” foi fundada por Estácio de Sá no dia 1° de março de 1565 (evidentemente, contra a vontade dos índios Tamoios e Tupinambás que habitavam a região). O município do Rio de Janeiro foi a capital do Brasil entre 1763 e 1960 e vai comemorar seus 450 anos em 2015. Atualmente é a segunda cidade do país em termos populacionais e econômicos, ficando atrás apenas da capital paulista.
A população do Rio de Janeiro era de 275 mil habitantes em 1872 (data do primeiro censo brasileiro), chegou a 811 mil pessoas em 1900, ultrapassou um milhão de habitantes em 1920, estava com 3,3 milhões de pessoas quando perdeu o posto de capital do país para Brasília (em 1960) e alcançou 6,3 milhões de habitantes em 2010 (data do último censo demográfico). A população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) era de 11,8 milhões de habitantes em 2010, representando quase três quartos do total fluminense. Para 2015, as estimativas apontam para 6,5 milhões de pessoas na cidade do Rio de Janeiro e 13 milhões de habitantes na RMRJ.
Em uma cidade tão grande e densamente povoada, era de se esperar a existência de um bom transporte coletivo de massa. Porém, o Metrô do Rio de Janeiro, que começou a ser construído no início da década de 1970 e teve a inauguração de suas operações quando a cidade fez 414 anos (em março de 1979), possui atualmente apenas duas linhas, com 36 estações e 42 km de extensão, transportando cerca de 700 mil passageiros diariamente. Em 15 de março de 2014 foi inaugurada a Estação Uruguai, terminal da Linha 1. Nos próximos anos, planeja-se o acréscimo de 38 quilômetros, totalizando 4 linhas e 55 estações. A linha 3, de 22 quilômetros, deverá ser um monotrilho, ligando os municípios de São Gonçalo e Niterói. A linha 4, de 16 quilômetros, ligará a estação General Osório, em Ipanema, à estação Jardim Oceânico, na Barra da Tijuca e está prevista para ser inaugurada em 2016.
Esperava-se uma “Revolução nos Transportes” no Rio de Janeiro em função do grande volume de recursos previstos para os megaeventos da atual década: Conferência Rio+20 (2012), Jornada Mundial da Juventude (2014), Copa do Mundo de Futebol (2014) e as Olimpíadas (2016). Porém, pouco se avançou em relação a outras grandes cidades do mundo.
Comparando com o metrô de Xangai (2ª maior cidade da China, com cerca de 19 milhões de habitantes na Região Metropolitana) as diferenças são espetaculares. O Rio de Janeiro estava bem à frente de Xangai em 1993, pois a cidade chinesa não tinha nenhuma linha em operação naquele ano. Mas em apenas duas décadas, enquanto a “Cidade Maravilhosa” construiu 12 estações em suas 2 linhas, Xangai passou a ter o maior sistema de metrô do mundo, com mais de 500 quilômetros de extensão em 2014, capaz de transportar mais de 7 milhões de passageiros por dia, tendo cerca de 250 estações em 15 linhas e mais 3 planejadas até 2020. Lá funciona o Xangai Transrapid, que é a primeira linha de trem de alta velocidade comercial do mundo: Maglev (Magnetic levitation transport). Sua construção iniciou em março de 2001 e começou a operar em 1° de janeiro de 2004. O trem pode atingir uma velocidade de 350 km/h em apenas 2 minutos e uma velocidade máxima de 431 km/h. Faz um trajeto que vai da estação Longyang Road em Pudong até o Aeroporto Internacional de Xangai, em um percurso de aproximadamente 30 km, demorando menos de 8 minutos para fazer o percurso.
Ou seja, enquanto o metrô do Rio de Janeiro transporta diariamente cerca de 5% da população da RMRJ, o metrô de Xangai transporta cerca de 40% da população da megalópole chinesa. As tarifas do Metrô do Rio de Janeiro foram apontadas, proporcionalmente, como uma das mais altas do mundo. Os empregos são concentrados no Centro e na Zona Sul – áreas regidas pela especulação imobiliária desenfreada – enquanto a maior parte da população vive na Zona Norte e nas periferias sem infraestrutura (mas não livres da especulação imobiliária em uma escala menor).
O Observatório das Metrópoles, em parceria com o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, divulgou estudo em que mostra a precariedade da mobilidade urbana no Rio de Janeiro – nos aspectos relacionados a preço, qualidade e transparência de gestão – mostrando a falta de um transporte público de qualidade, democrático e seguro. O estudo ressalta: “Nos últimos anos, pode-se afirmar que os preços das passagens no Rio de Janeiro não vêm sofrendo apenas reajustes, ou correções tarifárias. Têm ocorrido, na verdade, aumentos abusivos acima de qualquer índice de inflação. Além disso, como ocorreu com as passagens de ônibus no dia 1º de janeiro de 2012, esses aumentos não são previamente anunciados, configurando verdadeiras manobras por parte do poder público em conluio com as empresas de transportes para evitar que qualquer tipo de manifestação fosse previamente realizada”.
Outra dimensão abordada pelo estudo foi a baixa integração intermodal. O Poder Público prometeu a “revolução nos transportes”, construindo as vias Transcarioca, Transolímpica e Transoeste (todas BRTs), e o metrô Lagoa-Barra (alongamento da Linha 1) todos ligados à realização da Copa e dos Jogos Olímpicos. Mas, “Por outro lado, a população clama por serviços de transporte de massa em outras direções e para outras regiões da cidade. Ou seja, enquanto hoje o serviço de transporte coletivo oferecido à população se configura como caro, precário e insuficiente para a demanda existente, o cenário que se desenha é o de investimentos em transporte no Rio de Janeiro que, em vez de atenderem à demanda existente, tornam possível a ocupação de áreas vazias ou pouco densas, visando a valorização imobiliária e a expansão irracional da malha urbana”.
O estudo conclui: “A chamada ‘revolução nos transportes’ propagandeada pelo Poder Público no contexto dos megaeventos não é, portanto, solução para a crise da mobilidade, um problema que decorre das enormes dificuldades de deslocamento diário das pessoas para trabalhar em um mercado de trabalho cada vez mais organizado na escala metropolitana”.
Todos estes aspectos mostram que a propaganda dos sucessos da “Cidade Maravilhosa” é muito mais um mito do que uma realidade cotidiana. No que diz respeito à mobilidade urbana, nos aspectos históricos e na comparação internacional, o Rio de Janeiro está longe de ser uma maravilha. O transporte público tem que ser pensado para a totalidade da Região Metropolitana, buscando soluções para os principais problemas, tais como a superlotação do metrô nos horários de pico, a lentidão dos trens, o alto custo da passagem, as constantes falhas e acidentes – como o ocorrido entre dois trens no ramal Japeri da Supervia que deixou 160 pessoas feridas, dia 05 de janeiro de 2015.
Talvez os problemas do transporte público de massa possam ser resolvidos antes do Rio de Janeiro completar 500 anos. A cidade de Xangai construiu uma rede de metrô dez vez maior do que a do RJ em apenas 20 anos. Quem sabe o exemplo chinês possa inspirar os dirigentes públicos cariocas, fluminenses e nacionais no sentido de construir um sistema de transporte que seja eficiente, democrático e, minimamente, ecologicamente sustentável.
Uma nota especial dos 450 anos refere-se à escassez de água potável em meio a recordes de temperatura. A marchinha de carnaval de Vitor Simon e Fernando Martins (1954) voltou a ficar atual: “Rio de Janeiro, cidade que me seduz: de dia falta água e de noite falta luz! Abro o chuveiro, oi, não cai um pingo, desde segunda até domingo“. Os reservatórios de Paraibuna e Santa Branca, fundamentais para o abastecimento da “Cidade Maravilhosa” atingiram o volume morto em janeiro de 2014. As usinas hidrelétricas foram desligadas. Já a Represa do Funil, em Resende e Itatiaia, atingiu em janeiro o nível mais baixo da história. Embora as chuvas tenham aumentado em fevereiro, a situação geral é grave e as autoridades públicas apenas procrastinam as soluções necessárias. A cidade e a região metropolitana do Rio de Janeiro podem ficar em situação crítica um ano antes das Olimpíadas de 2016, sem perspectivas de solução definitiva para a época do grande evento internacional.
Como diz a música, o clima é de 40 graus e de caos. Com o adensamento da RMRJ e a manutenção das desigualdades sociais, a imobilidade urbana, a especulação, a violência e a críse hídrica e energética houve uma mudança no sentimento de convivência dos cariocas entre si e com a natureza. Há cerca de 50 anos, Vinicícus de Moraes escreveu a letra da música “Carta ao Tom”, lembrando de forma saudosista a “Cidade Maravilhosa” antes dos seus 400 anos:
“Rua Nascimento Silva, 107
Você ensinando pra Elizete
As canções de canção do amor demais
Lembra que tempo feliz
Ah! que saudade
Ipanema era só felicidade
Era como se o amor doesse em paz
Nossa famosa garota nem sabia
A que ponto a cidade turvaria
Esse Rio de amor que se perdeu
Mesmo a tristeza da gente era mais bela
E alem disso se via da janela
Um cantinho de céu e o Redentor
É, meu amigo, só resta uma certeza
É preciso acabar com essa tristeza
É preciso inventar um novo amor”
Mais recentemente, Chico Buarque fez uma nova versão que parece a mais adequada para a comemoração dos 450 anos da “Cidade Maravilhosa”:
“Rua Nascimento Silva, 107
Eu saio correndo do pivete
Tentando alcançar o elevador
Minha janela não passa
De um quadrado
A gente só vê cimento armado
Onde antes se via o Redentor
É, meu amigo, só resta uma certeza
É preciso acabar com a natureza
É melhor lotear o nosso amor”
Referências:
ALVES, JED. Réquiem para o Rio Carioca, Ecodebate, RJ, 01/03/2012
VOX. 38 maps that explain the global economy, 2014
http://www.vox.com/2014/8/26/6063749/38-maps-that-explain-the-global-economy
Observatório das Metrópoles. Rio olímpico e mobilidade urbana: qual será o legado?, RJ, 09/05/2012
Chico Buarque. Carta Ao Tom (paródia) http://letras.mus.br/chico-buarque/85945/
*Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]