Frederico Füllgraf, exclusivo para Jornal GGN
O governo da presidente Michelle Bachelet cumpre mais uma promessa de campanha: o fim da “lei da anistia”, forjada em 1978 pela ditadura Pinochet e adotada em 1979 no Brasil pelo Gen. João Figueiredo, para garantir a impunidade aos militares violadores de Direitos Humanos. Três meses atrás, durante as vigílias do 41º aniversário do golpe de 11 de setembro de 1973, Bachelet confirmou a inclusão do tema espinhoso na pauta do Executivo. Cumprindo a agenda, na última semana, o vice-presidente Rodrigo Peñailillo anunciou a entrega ao Congresso do projeto de Reforma Constitucional, que acaba com a anistia em casos de crimes de guerra, lesa-humanidade e genocídio, determinando sua imprescritibilidade. Depois da Argentina, do Uruguay e, agora, do Chile, o olhos da América Latina voltam-se ao Brasil, o incômodo patinho feio, porque único no concerto da redemocratização continental a tocar um instrumento desafinado, temendo decretar o fim da “lei da anistia” da ditadura civil-militar.
Embora retardatário em comparação com a Argentina e o Uruguai, já em 1991, portanto um quarto de século antes da entrega do relatório final da Comissão da Verdade, do Brasil, o governo Patricio Aylwin divulgava o Relatório Rettig da “Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação”, reconhecendo em mais de 40.000 o número de vítimas da ditadura Pinochet, estimando em 2.000 o número assassinatos e em pelo menos 1.225 o número de desaparecidos.
Em 2003, seu sucessor, Ricardo Lagos, instituiu a “Comissão Assessora para a Qualificação de Presos Desaparecidos, Executados Políticos e Vítimas de Prisão Política e Tortura (Comissão Valech)”. Durante oito anos esta comissão aprofundou as investigações da Comissão da Verdade, entregando seu relatório final ao presidente Sebastián Piñera em 17 de agosto de 2011, que agregou 32.000 novas denúncias de violação dos DDHH, documentadas, elevando a mais de 60.000 o número de vítimas das atrocidades da ditadura Pinochet.
Lei de anistia, jurisprudência e punição
Ao contrário do Brasil – onde 50 anos após o golpe civil-militar, nem um único militar torturador e assassino foi julgado e punido – o julgamento e a punição dos crimes de violação dos DDHH tiveram início no Chile imediatamente após o fim da ditadura, com a atuação de juízes “visitantes” em Cortes de Apelações, especialmente delegados pela Corte Suprema para a apuração de crimes contra os DDHH.
Desde então, apesar da vigência da lei da anistia pinochetista, 250 militares foram condenados como autores qualificados de tortura e assassinato, dos quais alguns faleceram, outros, colocados em liberdade após pena cumprida, restando 80 presos de grosso calibre no complexo penitenciário de segurança máxima Punta Peuco, imediações de Santiago, e ainda centenas de militares acusados pelos tribunais, aguardando sua sentença.
Contudo, o drible à lei foi caminho árduo e tortuoso, no Congresso chileno o governo não tinha maioria para sua derrubada e a governista Concertación Democrática temia cutucar a onça (nos quartéis) com vara curta.
O primeiro subterfúgio legal foi encontrado pelo advogado Sergio Concha. Ao processar militares pelo desaparecimento de Pedro Poblete Córdova, apropriou-se do conceito de “guerra interna” – legado pelas doutrinas de contra-insurreição da CIA e do Pentágono, para justificar a repressão nas década de 1960 e 1970, logo incorporadas pela maioria das ditaduras, sendo o Brasil a primeira delas -, persuadindo a Corte de que os delitos foram cometidos em tempo de guerra e que, portanto, eram imprescritíveis e não anistiáveis.
Nos casos de desaparecimentos forçados, o novo entendimento das Cortes foi de que estavam confrontadas com um ilícito de caráter permanente, pois ainda que a data do início do desaparecimento estivesse determinada, ignoravam-se destino e paradeiro da vítima, concluindo pela possibilidade de que o delito se estenderia além do âmbito temporal.
A grande virada conceitual sobre a lei da anistia chilena ocorre en 2004, durante a investigação do emblemático caso de desaparecimento de Miguel Ángel Sandoval, cujo “abate” foi anunciado pela pseudo-revista “Lea”, plantada pela DINA pinochetista na Argentina, para despistar o assassinato de Sandoval em um centro clandestino de tortura no Chile. Foi a primeira vez que a Justiça incorporou plenamente noções de Jurisprudência Internacional de DDHH e seus principios de Jus Cogens – norma imperativa de Direito Internacional geral, aceita e reconhecida pela sociedade internacional em sua totalidade – em sua função jurisdicional, mudando definitivamente o tratamiento jurisprudencial no trato de crimes contra os DDHH.
Chile inova, adotando jurisprudência internacional sobre DDHH
São favas contadas que a derrubada da famigerada lei ocorrerá graças à maioria parlamentar do governo em ambas as câmaras.
Para a maioria dos juristas chilenos atuantes em processos de DDHH, a derrubada da lei terá pouco mais que efeito simbólico.
Contudo, o que até agora eram técnicas e estratégias processuais acidentais, a partir de 2015 torna-se Lei irrecorrível, pois em sua nova Constituição o Chile adequa sua legislação penal aos acordos internacionais em matéria de DDHH que subscreveu.
Durante sua campanha à reeleição, em outubro de 2913, vacilante, Michelle Bachelet surpreendeu até mesmo seus assessores mais diretos, ao aventar numa entrevista à CNN a possibilidade de que “um futuro governo” poderia indultar militares violadores, com mais de 80 años, ou que sofram de “enfermidades em estágio avançado”.
Nunca mais Bachelet voltou a tocar no assunto, mas era exatamente o que pretextava e pretexta ainda o ex-general Manuel Contreras, comandante da famigerada DINA, condenado a mais de 200 anos de reclusão e preso em Punta Peuco.
Era mais: era a “fórmula Pinochet”, arquitetada no final de 1999 pela entourage do general, que se encontrava em Londres e corria risco de extradição à Espanha, após pedido solicitado à Justiça inglesa pelo magistrado Balthazar Garzón: declarado “incapacitado”, em março de 2000, Pinochet foi libertado de prisão domiciliar e enviado de volta ao Chile. Ao baixar do avião e para descarado deboche da Justiça Internacional, levantou-se de sua cadeira de rodas como um morto ressuscitado e saiu caminhando – a mão direita ensaiando mesura e passando em revista seus subordinados, concentrados na pista de aterrissagem.
Sem chance! Um ano mais tarde, o vice Peñailillo é taxativo ao negar a possibilidade de indultos ou qualquer outro benefício, alertando que a Constituição incorporará um novo inciso que inviabilizará artifícios de advogados de defesa de violadores de DDHH.
“O que está em jogo, agora”, enfatizou o vice-presidente do Chile, “é o aprofundamento da democracia”.
A democracia rasa, o governo Rousseff e o STF
A nova Constituição, celebram antecipadamente os otimistas no Chile, significará a refundação da república e, em certa medida têm razão.
Definitivamente enterrado o entulho autoritário, Michelle Bachelet com razão merecerá os louros de patrocinadora do Estado Democrático de Direito pleno – louros que deverá partilhar com os familiares de presos políticos torturados, assassinados e desaparecidos, com advogados, promotores, juízes e setores da imprensa; a Sociedade Civil, enfim, que não cedeu à impunidade.
Voltando a mirar o Brasil desde o Chile, diante do sinal emitido pelo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, de que a Lei de Anistia deve voltar à pauta da corte em 2015, após a rejeição de sua revisão, em 2010, talvez fosse ilustrativo e instrutivo se o Executivo e o Judiciário brasileiros se mirassem no exemplo chileno, já que fizeram vistas grossas ao exemplo argentino, e os comandantes das Forças Armadas encarassem a realidade e seu papel institucional: não se constrói futuro sem passar a limpo o passado, não se edifica a genuína democracia sem depurá-la de suas sombras e duvidosas prerrogativas – palavras já esgarçadas de tão repetidas, mas esta não é uma “ladainha” de “revanchistas” e, sim, o o veredicto do Direito Internacional.
O Direito Internacional – seja no âmbito da Corte Internacional de Justiça de Haia, seja no da Corte Interamericana de Direitos Humanos, do qual o Brasil é signatário – estabelece que as ditaduras militares não foram “institucionalidades excepcionais”, mas regimes ilegais. Mais: sua auto-proclamada legitimação para combater inimigos da democracia (democracia paradoxalmente sufocada em sangue pelos que se proclamaram seus salvadores) não os autorizou para o cometimento de crimes tais como prisões ilegais, tortura, assassinato e ocultação de cadáveres, definidos como crimes de lesa-humanidade.
Sem medo do búnker cavernário e espumante dos generais de pijama e seus sicários, que lideraram a repressão, os atuais comandantes das FFAA brasileiras poderão ser lembrados como co-artífices da Democracia Brasileira Plena, com um novo entendimento: o de que a resistência à ditadura foi necessária (mesmo que algumas vozes minoritárias reinvidicavam a anacrônica “ditadura do proletariado”) e que, agora, fariam bem em dar seu aval à definitiva liquidação da famigerada e extemporânea “lei da anistia”, desse modo contribuindo para a pacificação do Brasil e que o passado seja página virada. Porque ninguém se iluda: sem este gesto não haverá a paz que o país necessita para o aprofundamento de sua democracia.
Em tempo: a repentina “aparição” do polêmico José Miguel Vivanco, ilustre representante da direita conservadora chilena e diretor-executivo da divisão Américas da ONG Human Rights Watch, em entrevista à Folha de S. Paulo desta segunda-feira, 15 – na qual defende a punição do “outro lado”, atribuindo “crimes atrozes” aos movimentos da esquerda armada -decorridos poucos dias da publicação do relatório da Comissão da Verdade, não é coincidência: é uma provocação que não pode ser levada a sério por quem quer que seja entre os adversários do fim da lei da anistia.
No caso da apreciação da Human Rights Watch, todo cuidado é pouco. Financiada pela The George Soros Open Society (a mesma que financiou e treinou “ativistas” para o golpe contra o governo eleito da Ucrânia, em fevereiro de 2014) com 100,0 milhões de dólares do total orçamentário de 128,0 milhões de dólares, no ano fiscal de 2011 – o que permite concluir tratar-se da “Human Rights de George Soros” – em breve, a ONG e seu diretor para as Américas merecerão análise deste autor. .
—
Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.