Elaine Tavares – Palavras Insurgentes
Dois momentos importantes da luta social essa semana apontaram para uma realidade que se aprofunda: as lutas estão isoladas nas suas especificidades. Há uma perda quase que completa da ideia de totalidade, o que faz que com os movimentos caminhem em linhas paralelas, incapazes de se encontrar.
O primeiro momento foi o da discussão do Projeto de Emenda Constitucional 215, que tenta levar para o Congresso Nacional a decisão sobre a demarcação das terras indígenas. Excetuando os grupos não-índios que tradicionalmente se alinham junto às lutas dos povos originários, essa tem sido uma batalha solitária dos indígenas. Há campanhas pontuais, abaixo-assinados, manifestações nas redes sociais, é fato. Mas a luta mesma, essa que se trava na realidade, não consegue juntar grupos distintos como os sindicalistas de toda a ordem, movimento sem-terra, movimento pela moradia ou pelo passe livre, para citar alguns exemplos. O apoio que todos dão é quase ritual, nos discursos. Não está na discussão sistemática do tema junto às categorias ou aos grupos específicos.
Assim, quando se chega a uma situação como a de ontem (dia 12/12) em que o agronegócio se articula para garantir seus privilégios, burlando inclusive o regimento da Câmara Federal, lá estão apenas os índios e seus parceiros de sempre. Não se vê nos veículos de comunicação dos movimentos e sindicatos o debate profundo sobre o que significa essa PEC para os índios e para a nação brasileira. Caso a lei passe, será o Congresso que decidirá sobre as demarcações de terra, por exemplo. A raposa no comando, a considerar que na próxima legislatura mais da metade do congresso é formada por gente que é ou representa o agronegócio, o agrobussines, para ser mais exata. Bom, num primeiro momento serão os índios os atingidos, retirados de seus territórios, ou sem conquistar as terras que vêm ocupando historicamente. Mas, depois deles, a derrota chega na nossa cara, seja pela destruição ambiental que o agronegócio promove, seja pela superexploração dos trabalhadores, seja pela monocultura que arrasa a vida da terra. Assim, a luta dos povos indígenas é a nossa luta também, e precisa sair da retórica ritual. Assim como a luta das diversas categorias por melhores salários e condições de trabalho também deveria ser pauta e preocupação dos povos indígenas que estão organizados e já conhecem muito bem as agruras do capitalismo. O inimigo é o mesmo.
O segundo momento vivido essa semana foi a manifestação em frente à Câmara Municipal de Vereadores, na cidade de Florianópolis. Como mais da metade dos edis (14 de 21) está envolvida numa operação policial que investiga o suborno realizado por empresas para que os mesmos votassem a favor de seus interesses, o movimento social da cidade decidiu fazer um protesto, exigindo a punição dos envolvidos. Nada mais justo e necessário. Então, ali pudemos presenciar a participação de lideranças sindicais que andaram ausentes do debate sobre as lutas da cidade. Que não participaram das manifestações dos movimentos comunitários que até então gritavam, solitariamente, contra o absurdo da aprovação do Plano Diretor, num final de dezembro, como agora, sem que nenhum vereador soubesse o que estava votando. Naquele triste dia, lá estavam apenas os representantes das comunidades envolvidas com o Plano.
De fato, ao logo dos sete anos em que a cidade viveu, entre atropelos, a discussão do Plano Diretor, muito pouco se viu a intervenção do movimento sindical, embora as categorias específicas também vivam, sofram e desfrutem a cidade. Faltou ao sindicalismo local o debate sistemático com seus filiados sobre a importância da participação no Plano Direito e nas lutas por uma cidade boa de se viver. O resultado foi a ação dos movimentos de bairro e populares isolados que, a despeito de sua valentia, não conseguiram vencer a opinião pública, colonizada que foi pelos meios de comunicação. No dia da votação do Plano, as poucas pessoas que compareceram em luta no plenário da Câmara acabaram agredidas pela polícia, impedidas de entrar no recinto e ainda foram chamadas de “baderneiras” pela mídia local. Os atrasados de sempre que querem barrar o “progresso” da cidade.
Agora, no rastro da estrada aberta pela mesma mídia que criminaliza os movimentos, sindicatos e movimentos reivindicam a pauta do “contra a corrupção”. Uma mobilização válida e importante nesse momento em que os interesses da cidade, mais uma vez são tripudiados. Mas, insuficiente. Primeiro, porque, em sã consciência, ninguém pode ser a favor da corrupção e ela mesma não é um ente. Ser contra essa prática – que é intrínseca ao sistema capitalista – é algo óbvio. O que temos de tratar de incorporar é a luta a favor da cidade e da população, contra as práticas criminosas dos vereadores que, em última análise, deveriam representar os interesses dos cidadãos.
Mas, a Câmara de Vereadores, como em nível nacional, a Câmara dos Deputados, não são espaços de representação popular. Em Florianópolis, entre os 21 vereadores, apenas três têm se colocado para além dos interesses particularistas, pensando a cidade como um todo. E, em Brasília, dos 503 não deve chegar a 50 o número dos que realmente pensam no país como uma totalidade. Os demais estão a representar interesses muito específicos, geralmente, os dos seus financiados de campanha.
Assim, é chegada a hora de os movimentos populares e sindicais assumirem pautas conjuntas, totalizando a compreensão sobre a realidade. A reforma agrária sozinha não dá conta da mudança, assim como aumento salarial de uma ou outra categoria não muda a vida. O que vai transformar a existência de todos nós – classe trabalhadora – é a mudança desse sistema, o fim da violência e da exploração que o capital impõe sobre a maioria. Logo, cada luta travada pelo campo dos trabalhadores, deve ser a nossa luta. A batalha por condições de trabalho, a reforma agrária, moradia, saneamento, planos diretores das cidades, luta anti-manicomial , a batalha das mulheres contra o machismo, dos negros contra o racismo, dos índios por território, dos desempregados por vida digna, passe livre, tarifa zero, universidade gratuita e de qualidade, enfim… Tudo isso é pauta nossa e deve ser tratada como tal. Esses são temas que têm de estar – totalizados, discutidos na sua universalidade – na agenda diária dos movimentos e sindicatos, batidos e rebatidos junto aos seus filiados e parceiros.
A nossa luta é contra o capital. Sozinhos, nas nossas batalhas específicas, não vamos muito longe. No rumo das palavras do velho companheiro el Che: se há um irmão sofrendo injustiça, somos companheiros. E somos de fato, na luta real, concreta e cotidiana. Esse ainda é o nosso desafio como esquerda e como classe trabalhadora. Cada um, com seus recursos, colocando a lenha na fogueira unificada da transformação. Ou isso, ou seguiremos como as linhas paralelas, caminhando separadas rumo ao infinito. Não temos tempo de esperar pelo encontro num lá na frente nunca chegado. A hora do encontro é agora. Com os índios, com os negros, com as mulheres, com os desempregados, com os moradores de rua, os loucos, as putas, os velhos, os trabalhadores, os sem-terra, os sem-teto, os que lutam por um tempo novo.
Divergências há, e devem ser reconhecidas, discutidas à exaustão, mas também precisam ser transcendidas em nome da Eko Porã, uma vida boa e bonita para toda a classe trabalhadora.
Esse é o nosso desafio essencial, potencializado nos dias que correm, Madza.
Excelente análise… E… como promover uma articulação entre as diferentes lutas, para se contrapor ao agronegócio, à lógica capitalista triunfantes ?