Empresas são proibidas de obrigarem seus empregados a fazerem exames para detecção de HIV na admissão, mudança de função, avaliação periódica, retorno, demissão ou qualquer outro procedimento ligado à relação de emprego.
Apesar disso, tenho recebido notícias de instituições públicas e privadas que discriminam pessoas com HIV. Para tanto, utilizam outras justificativas supostamente sobre o desempenho técnico do candidato, que não se sustentam diante de uma análise criteriosa do processo de avaliação.
Quanto trato desse assunto, alguns dos meus leitores lindos contestam com sua educação peculiar. Por exemplo, um deles me explicou carinhosamente sua discordância: “Seu japonês idiota, abre o olho! Se a empresa é minha, eu escolho quem trabalha e quem não trabalha nela. É minha, minha! E não quero meus funcionários com medo de pegarem algo de alguém doente”.
Como explico que o doente, na verdade, é ele?
E que, não, ele não pode fazer o que quiser na sua relação com seus empregados, que há regras e leis que regem a relação capital/trabalho e garantem dignidade aos trabalhadores. Ah, esse povo saudoso da escravidão…
É idiota e tosco ostentar qualquer forma de segregação a trabalhadores que possuem uma condição de saúde que não é contagiosa ao contato social.
Melhor do que isso só aquelas justificativas esfarrapadas dadas por empregadores que barraram uma promoção ou a contratação de alguém porque descobrem que a pessoa vive com HIV. Quando são obrigados a se justificar perante à lei ou à sociedade, dizem que foram caluniados, que ninguém entendeu nada, que o empregado era um preguiçoso, um incompetente, um canalha.
“Isso é um absurdo! Eu não tenho preconceito, até tenho um amigo com Aids”.
Perceberam que as desculpas-padrão para fugir da pecha de preconceituoso têm o mesmo DNA? Tenho amigos gays, negros, índios, nordestinos…
Para a Organização Internacional do Trabalho, o local de serviço pode ajudar a conter a disseminação e mitigar o impacto do HIV/Aids, “por meio da promoção dos direitos humanos, disseminação de informações, desenvolvimento de programas de capacitação e educação, adoção de medidas preventivas práticas, oferta de assistência, apoio e tratamento, e garantia de previdência social”.
Ou seja, deveria ser um local de diálogo, de acolhida, de apoio. Ou pode ser vetor de disseminação do medo, ajudando a manter o véu de ignorância que ainda cobre o assunto.
Sei que é batido, mas nunca demais lembrar: o pior sintoma do HIV ainda é o preconceito. E a desinformação sua maior causa.
Aproveitando que neste Primeiro de Dezembro celebramos o Dia Mundial de Luta contra a Aids, vale lembrar que apesar de termos evoluído no combate à doença, ainda não há cura. Na maior parte dos casos, ela passou de fatal para crônica quando detectada a tempo – o que não significa que temos que ignorar que a prevenção ainda é o melhor caminho.
Mesmo quando tenho um relacionamento estável, realizo sempre o exame para detecção de HIV como parte do pacote de checagem periódica. Tenho amigos e amigas, contudo, que nunca colheram sangue para isso. Alguns dizem que “não precisam”. Outros que “preferem não saber” porque não querem ter que mudar sua vida. Há ainda os que explicam que estão “imunes a isso” porque não fazem parte de grupos de risco. O que é uma tremenda idiotice, pois o conceito de “grupo de risco” caiu em desuso há tempos para explicar a propagação da doença.
Pelo contrário, esse sentimento de invencibilidade diante da vida é que a torna mais curta.
Um relatório das Nações Unidas apontou que as infecções por HIV aumentaram 11% entre 2005 e 2013 no Brasil. E que, em 2013, o país contabilizou 47% de todos os novos casos na América Latina.
Assusta a quantidade de casos de jovens que, ainda, transam sem proteção. As justificativas são as mesmas de sempre: “não deu tempo”, “ele disse que não tem pereba nenhuma, “eu não vi nada de errado com ele”, “ela pareceu tão limpinha”, “imagina, uma mina, como ela, de família, não tem nada”, “ele não gozou dentro” e, uma das minhas preferidas, “eu tomo pílula”.
Além do machismo idiota que cria frases como “ah, mas se eu não fizer dessa forma, ele vai me trocar por outra”, “não quero que ele pense que eu desconfio dele” e “helloooo, o cara é o máximo! Você acha que ele vai fazer algo que me cause problemas?”.
Sim, vai sim.
De acordo com a pesquisa “Juventude, Comportamento e DST/Aids” realizada pela Caixa Seguros com o acompanhamento do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana de Saúde, em 2012, 40% dos jovens entrevistados não consideram o uso de camisinha um método eficaz na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis ou gravidez. Por isso, não é de se estranhar a tendência de crescimento de novas infecções pelo HIV em quem tem entre 15 a 29 anos. Nessa faixa, há 44,35 registros para cada 100 mil habitantes, enquanto a média nacional é de 20,2 para cada 100 mil.
Teoricamente, o grau de escolaridade influencia nas práticas adotadas pelos jovens. Mas o problema não reside apenas no acesso à informação, mas de como ela chega até eles. Muita coisa é percebida como “coisa chata” e blá blá blá que não lhes diz respeito.
Relatar histórias de conhecidos, com uma vida igual a deles e que contraíram o vírus, choca bem mais do que os programas de conscientização tradicional. Provavelmente porque a percepção de que isso só acontece com o “outro”, o “distante”, o “diferente” se rompe quando o problema bate à porta. Fazer fluir essa informação, com uma troca de quem vive com a doença e quem não, é um trabalho lento, mas essencial.
Enfim, contrair HIV não é o fim do mundo. Conviver com a doença é difícil, mas possível, como milhares de pessoas fazem todos os dias por aqui. Duro é ter que aguentar o preconceito de uma sociedade que ainda transforma quem carrega o vírus em pária.