Delegada espera concluir em 10 dias inquérito sobre morte de índio em MS

Responsável por apurar as circunstâncias da morte de um adolescente indígena no último sábado (16), em Caarapó (MS), a delegada de polícia Magali Leite Cordeiro espera concluir o inquérito policial em no máximo dez dias. Oficialmente, o prazo para a conclusão das investigações é 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias

Alex Rodrigues – Agência Brasil

Segundo a delegada, embora seja um “crime de grande repercussão”, a Polícia Civil assumiu a investigação por se tratar de um crime comum, doloso (com intenção de matar) ocorrido no interior de uma propriedade particular. Caso as investigações apontem para a possibilidade de o assassinato ser resultante de um conflito por terras entre índios e fazendeiros, a Polícia Federal (PF) poderá ser acionada. Esta manhã, a polícia apreendeu uma carabina calibre 22 na sede da fazenda. A legalidade da arma ainda está sendo apurada.

O fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves, de 61 anos, confessou ser o autor dos disparos que mataram o adolescente Denílson Barbosa. Dono da Fazenda Sardinha, vizinha à Aldeia Guarani-Kaiowá Tey´ikue, onde Denílson vivia, Gonçalves se apresentou espontaneamente à polícia e foi solto após prestar depoimento e assumir a autoria do crime. 

Segundo o delegado regional, Antônio Carlos Videira, a hipótese de a Polícia Civil pedir a prisão preventiva ou temporária do fazendeiro ainda não foi descartada.

Além de Gonçalves, também foram ouvidos um funcionário da fazenda e um arrendatário de parte da propriedade. A delegada disse à Agência Brasil que outras testemunhas foram convocadas para prestar depoimentos. Entre elas, os policiais militares que atenderam à ocorrência e índios que moram na aldeia. Neste momento, a delegada está ouvindo o pai e os dois jovens que estavam com Barbosa quando ele foi morto.

Por causa do crime, o ambiente é tenso na aldeia, agravada pela “situação de vulnerabilidade” em que vive os índios. Apesar de acompanhada por alguns líderes indígenas e um representante da Fundação Nacional do Índio (Funai), a delegada foi recebida com desconfiança. “Minha grande dificuldade é conscientizá-los de que eles são as vítimas e que eu estou lá para fazer meu trabalho, que é apurar as circunstâncias do crime e apontar os autores. Para isso, tenho que ouvir as várias versões. Devido à situação de vulnerabilidade, eles não conseguem confiar em ninguém”, disse a policial.

Mas, para o antropólogo e líder guarani-kaiowá Tonico Benites, tudo não passou de um mal-entendido, embora os índios de fato cobrem que a PF acompanhe a investigação. “Até ontem não estava claro quem ia investigar o caso. Não há nada contra a Polícia Civil, embora a comunidade queira também a presença de representantes da Polícia Federal. O importante é que tudo seja apurado com rigor e rapidez”, declarou Benites à Agência Brasil.

Em seu depoimento, o fazendeiro disse ainda que não tinha a intenção de atingir o adolescente. Segundo a delegada, Gonçalves sustenta que estava sozinho em casa quando, por volta das 20 horas, ouviu os cachorros latindo e correndo na direção de um açude usado como criadouro de peixes, no interior da fazenda. O fazendeiro disse que foi até o local, viu vultos e atirou na direção deles. Ao chegar perto se deparou com um corpo caído. Foi quando se deu conta de que havia baleado uma pessoa.

O adolescente, segundo o fazendeiro, ainda estava vivo. Gonçalves garante ter colocado Barbosa na caçamba de sua caminhonete com a intenção de levá-lo ao hospital de Caarapó. Ao chegar próximo ao acesso à estrada para a cidade, contudo, avistou uma aglomeração que imaginou ser de índios à procura do jovem. Com medo de ser agredido, retornou e deixou o jovem ferido à margem da estrada, supostamente no mesmo local onde o corpo foi encontrado na manhã seguinte. A Agência Brasil tentou falar com a advogada de Gonçalves, mas não conseguiu localizá-la.

A versão do irmão de Barbosa, de 11 anos, e do cunhado, de 20 anos, é diferente. Segundo eles, os três saíram para pescar no final da tarde de sábado (16) e planejavam ir a um córrego cuja nascente fica no interior da terra indígena que cruza algumas fazendas. Eles disseram que ao entrar na fazenda, separada da aldeia por uma estrada, e se aproximar do criadouro, foram abordados por três homens armados, que dispararam. Na fuga, Barbosa ficou preso em uma cerca de arame farpado, foi alcançado pelos pistoleiros e agredido.

O coordenador substituto do escritório da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Dourados, Vander Aparecido Nishijima, esteve ontem (19) na reserva e ouviu a mesma versão dos dois jovens, que chegaram a identificar os três homens pelos apelidos, um deles conhecido como Paraguaio.

Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), desde a criação do território indígena, em 1924, os índios são obrigados a pescar fora de suas terras, porque que não há peixes nas nascentes dos córregos existentes no interior da reserva. Segundo o Cimi, isso tem provocado problemas e causado conflitos recorrentes. Cerca de 5 mil índios vivem na Terra Indígena de Caarapó, que mede cerca de 3,5 mil hectares (1 hectare corresponde a 10 mil metros quadrados, aproximadamente as medidas oficiais de um campo de futebol).

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