Luka Franca
O auditório Prestes Maia da Câmara de Vereadores de São Paulo ficou pequeno nesta terça-feira (5/2), quando a Frente Estadual Pró-Cotas realizou uma plenária aberta para repudiar o PIMESP (Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista). O projeto foi apresentado pelo Governo Alckmin e pelo CRUESP (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo) em dezembro de 2012 como alternativa paulista para a implementação das cotas raciais. Estavam presentes cerca de 200 pessoas, além de deputados estaduais, membros da Defensoria Pública, vereadores e representantes de mais de 60 entidades.
Durante o evento, o professor Dennis de Oliveira, do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro da USP, afirmou que o programa é racista porque cria duas categorias diferentes de estudantes para as universidades de São Paulo. “A proposta estadual parte do pressuposto de que a população negra e pobre é despreparada para entrar na universidade”, completou.
O principal alvo dos críticos é sistema de “college” presente na proposta tucana. Por este sistema, os estudantes que ingressarem nas estaduais paulistas teriam que cursar dois anos em uma espécie de curso de nivelamento à distância para, depois, poderem ingressar nos cursos da USP, Unicamp e Unesp.
A justificativa do governo estadual para a instituição do “college” é a de que os estudantes cotistas precisam de “formação sociocultural para exercício da cidadania”. “como se isso já fosse garantido por quem passa nos vestibulares, isso, segundo Dennis, “como se formação para cidadania fosse o conteúdo exigido nos vestibulares via Anglo ou Objetivo”, alfinetou Oliveira.
O professor Silvio Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama e doutor em filosofia do Direito pela USP, afirmou que a proposta apresentada pelo tucanato é inconstitucional, pois atenta contra os princípios da isonomia e da dignidade humana previstos na Constituição Federal. “A proposta provoca discriminação negativa, colocando o cotista em condição inferior, quando a Constituição só permite a discriminação positiva, com sentido de inclusão. Além disso, promove a ameaça do estereótipo, fazendo o negro crer que precisa de reforço, pois não teria condição de competir, o que inferioriza humanamente o cotista. Assim se viola os princípios da isonomia e dignidade humana”, completa.
O deputado estadual Carlos Gianazzi (PSOL) afirmou que o PIMESP visa rivalizar com o projeto sancionado pelo governo federal instituindo cotas raciais nas universidades federais. “Não podemos esquecer que o PSDB é contra as cotas, ele está fazendo isso por conta da pressão social, somos totalmente contra esse projeto”, acrescentou o parlamentar.
A deputada estadual Leci Brandão (PCdoB) apresentou a preocupação não apenas com a entrada dos estudantes negros e de escolas públicas na universidade, mas também a garantia de sua permanência na instituição. “Não é só cota. É auxílio para transporte, para alimentação, a compra de livros. Eu não quero ver o jovem negro lutar para entrar na universidade e depois ter de abandonar o curso porque, sendo pobre, enfrenta outras dificuldades que vão além do entrar na academia”, completou.
Durante a atividade na Câmara de Vereadores foi resgatado o processo de construção dos PL (Projetos de Lei) 530/04 e 321/12 que tramitam na ALESP (Assembléia Legislativa de São Paulo). Os deputados estaduais Carlos Gianazzi (PSOL), Adriano Diogo (PT), Alencar (PT) e Leci Brandão (PCdoB) se comprometeram a lutar pela aprovação do projeto elaborado em conjunto com o movimento negro e convocar para março uma audiência pública na Assembléia, convocando o CRUESP e o Governo Alckmin para debate sobre a efetivação de Cotas Raciais nas Universidades Paulistas.
Leia mais:
A inconstitucionalidade da proposta de cotas do governo de São Paulo
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Enviada por Sonia Mariza Martuscelli para Combate ao Racismo Ambiental.
http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/60421/proposta+de+cotas+do+governo+alckmin+e+racista+afirma+professor+da+usp.shtml
Prezados,
Parabenizo o artigo da autora Luka Franca, a questão da inserção dos beneficiados por cotas é muito importante. Na Unicamp, onde faço meu doutoramento, foram registrados abandono do curso por alunos que foram beneficiados por cotas. Esta desistência tem a ver com pressão familiar e social porque fazendo os dois anos de curso imposto para ingressarem na Unicamp, o curso deles fica mais longo e mais difícil para o grupo familiar.
Ouvi de algumas pessoas, que não poderei citar, que a reitoria paga curso de graduação no exterior para os filhos de professores. Grande parte dos professores das estaduais nunca ouviu falar disso, o que sugere que são realmente benefícios para “amigos”. Esta prática no entanto confirma ainda mais um tipo de eugenismo, mais grave ainda do que o racismo social denunciado por artigo. Não tenho como provar, soube durante um papo com amigos da existência destes financiamentos a fundo perdido para filhos de professores, fiquei chocada e gradativamente fui sabendo de outros casos.
Acho que é grave o estado de nepotismo que convive com a “meritocracia” para os que deveriam ser beneficiários de fato de uma vaga na universidade. Outras formas de ajuda para a inserção poderiam ser menos vexamosas, colocando uma monitoria especial em disciplinas que tenham comprovada dificuldade. Enfim, a universidade acaba desembocando em um sistema que vicia a exclusão que no Brasil é regra.
Eunice Stenger
Doutoranda em Epidemiologia da Saúde do Trabalhador
Depto de Saúde Coletiva
UNICAMP