Entre os denunciados estão fazendeiros, capatazes e intermediários, conhecidos por ‘gatos’
Os procuradores da República Bruno José Silva Nunes e Renata Ribeiro Baptista denunciaram proprietários de oito fazendas em Rondônia, seus capatazes e também ‘gatos’, intermediários na contratação de trabalhadores. Os denunciados são acusados de submeterem pessoas a trabalho análogo ao escravo.
O Ministério Público Federal em Rondônia (MPF/RO) pediu à Justiça Federal que a Superintendência do Incra seja comunicada do recebimento das denúncias para que, em seguida, possa dar prioridade na desapropriação das fazendas em que foram identificadas as práticas de trabalho escravo, por descumprimento da função social da propriedade, como determina a Constituição da República.
O procurador da República Bruno José Silva Nunes ressalta que “o Ministério Público Federal está atento quanto à existência de casos semelhantes aos ora denunciados e empreenderá o maior esforço possível no sentido de erradicar condutas que levem à redução de pessoas a condição análoga à de escravo. Não será admitida qualquer tipo de submissão a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, nem qualquer sujeição a condições degradantes de trabalho. Ademais, o Ministério Público coibirá a servidão por dívida, por meio da qual é restringida a locomoção dos trabalhadores em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.
A procuradora da República Renata Ribeiro Baptista explica que diversos “diplomas legislativos internacionais de combate ao trabalho escravo e às práticas análogas são de força obrigatória no plano interno desde 1966 e, ainda assim, hoje, em 2013 (quase 50 anos depois!), permanecem recorrentes os casos de redução à condição análoga a de escravo, talvez muito porque a compreensão socialmente disseminada é a de que, em países em desenvolvimento, como o nosso, o simples fatos de estar empregado, ainda que informalmente, representa um privilégio, não importando as condições de prestação dos serviços. É lamentável ver seres humanos tratando dessa forma outros seres humanos”.
Segundo o MPF/RO, esses fazendeiros, “gatos” e supervisores dos trabalhadores estabelecem entre si uma verdadeira parceria para aliciamento e recrutamento de trabalhadores, submetendo-os a condições desumanas de trabalho. Os denunciados também costumam restringir a liberdade dos trabalhadores através de um sistema de dívidas contraídas (truck system).
Assim, os trabalhadores usualmente devem valores referentes a compras de vestimentas e ferramentas de trabalho, além de precisarem custear seus deslocamentos iniciais aos locais de trabalho. Alimentos eram vendidos aos trabalhadores a preços altos e esses valores eram posteriormente descontados de seus salários. Diversos trabalhadores não sabiam que os descontos eram feitos ou, então, desconheciam ao certo o valor devido. Produtos de higiene e vestuário eram vendidos em locais das redes de aliciamento, e às vezes em mercados de propriedade também dos donos da fazenda, a preços igualmente altíssimos. Os denunciados criavam uma espécie de “escrituração contábil” utilizada para se fazer as cobranças, mas os dados não foram considerados minimamente compreensíveis ou fidedignos, segundo análise do MPF/RO.
Alguns dos trabalhadores cumpriam tarefas altamente desgastantes (roçado, serração, aplicação de veneno etc.) por mais de oito horas diárias, muitas vezes em domingos e em feriados. Outros trabalhadores precisavam atravessar grandes distâncias entre o local dos alojamentos e o local em que as tarefas desempenhadas. Não havia gozo de férias.
Nas oito fazendas, verificou-se a precariedade dos alojamentos, em geral barracos construídos pelos próprios trabalhadores, à base de palha e lona, com piso de chão batido, redes ou colchões direto no chão usados como cama, sem isolamento para chuvas e ventos e somente com pedaços de estacas nas laterais para proteger os trabalhadores de animais selvagens. Também era comum não ter energia elétrica nestes alojamentos.
De maneira geral, os trabalhadores ingeriam e preparavam alimentos com água do mesmo local em que lavavam roupas (muita vezes impregnadas de veneno), utensílios domésticos e tomavam banho. Sem instalações sanitárias, os trabalhadores faziam suas necessidades fisiológicas no mato.
As carteiras de trabalho não costumavam ser assinadas – o que caracteriza, por si só, crime de falsidade –, tampouco eram fornecidos recibos dos pagamentos de salários e dos descontos pelos gastos de alimentação, vestuário e higiene. As carteiras de trabalho de alguns trabalhadores eram retidas pelos empregadores, o que impedia o desligamento das atividades.
Além das denúncias, foram requisitadas as instaurações de três inquéritos policiais sobre fatos que caracterizam trabalho escravo e que ocorreram em outras três fazendas.
As denúncias foram propostas pelo MPF/RO hoje, dia 1º de fevereiro, data próxima ao Dia Internacional de Combate ao Trabalho Escravo, dia 28 de janeiro, porque o Marquês de Pombal iniciou o processo de fim da escravidão em Portugal e sua colônias da Índia em fevereiro de 1761, sendo considerado o pioneiro do Abolicionismo na Europa. Seus feitos influenciaram a assinatura da Lei Áurea, no Brasil, pela Princesa Isabel.
Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal em Rondônia
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