Chapada dos Veadeiros: Encontro de Lideranças Quilombolas e Indígenas promove troca de experiências

A reunião entre representantes quilombolas, indígenas e demais participantes apresentou uma discussão politizada sobre diversos assuntos que permeiam a realidade dos grupos de cultura tradicional

Encontro reuniu lideranças quilombolas e indígenas

Mário Braz

O Encontro de Lideranças Quilombolas, que também reuniu chefes indígenas – dos povos presentes na VI Aldeia Multiétnica –, foi realizado durante os dias 21 e 22 de julho, na Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge, para discutir assuntos referentes à realidade de cada comunidade presente. O Encontro serviu como troca de vivências e foi mediado pelo antropólogo e professor da Universidade de Brasília, UnB, José Jorge de Carvalho. À ocasião esteve presente o professor congolês, da Kent State University (Ohio, Estados Unidos), Kazadi wa Mukuna, e demais participantes.

Lucilene Santos Rosa, representante da Secretaria de Estado de Políticas para Mulheres e Promoção da Igualdade Racial, Semira, apresentou os propósitos do Encontro e abriu a roda para o intercâmbio de experiências. Dona Dainda, expressão Kalunga, inaugurou as conversas. Em sua fala, exemplos da exclusão justificada pelo preconceito. As dificuldades figuram, segundo ela, na precariedade que abrange o transporte, a energia e as estradas, abastecedoras caducas da comunidade do Vão de Almas, região de morada de cerca de duas mil pessoas.

A Saúde, assistência governista, foi descrita pela representante Kalunga como debilitada. De difícil acesso, a localização do quilombo Kalunga padece de um transporte inseguro que, quando transposto, chegando à cidade, encontra obstáculos descritos com o nome do preconceito e do minguado amparo oferecido pelas instituições de saúde. Recorrendo à capital, a demora para locomoção pode custar a vida do doente.

Retomando a palavra, Lucilene, também Kalunga, apresentou como denúncia a situação do quilombo Rio dos Macacos, localizado às margens de Salvador. A comunidade e a Marinha, que possui uma base no local, entraram em conflito direto em razão da disputa por território. O exemplo foi escolhido como representativo à situação a qual as comunidades quilombolas estão inseridas.

O cacique Akiaboro, Kayapó de origem, e liderança indígena no estado do Pará, classificou como “traição” o projeto governista de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que propõe, no plano de construção, o alagamento de terras que atinge diretamente a população indígena xinguana. O enfoque principal do discurso do cacique foi, entretanto, a portaria número 303, elaborada pela Advocacia-Geral da União, AGU, e publicada no Diário Oficial da União no dia 16 de junho deste ano. A portaria propõe, em defesa da “soberania nacional”, a intervenção do Estado nos territórios indígenas sem a consulta dos povos habitantes dessas regiões. A ausência de consulta aos povos indígenas é uma dos principais argumentos do Ministério Público para paralisar a construção da Usina de Belo Monte.

Akiaboro informou aos presentes que, em reunião, no dia anterior, com as lideranças indígenas da Aldeia Multiétnica, decidiu-se por formular e ratificar uma Carta Aberta de Repúdio ao decreto 303 da AGU. Referindo ao aspecto ambiental o cacique assegurou que a questão é nacional e completou: “Se você não tem natureza, como é que nós vamos viver?”.

Intervindo e completando o discurso do líder Kayapó, professor Kazadi lembrou a todos que os grupos presentes possuem voz política, capaz de forçar o governo a rever decisões que ameacem as comunidades ali representadas. O poder do voto foi classificado por ele como instrumento hábil de modificar as relações de domínio vigentes.

Professor José Jorge ao lado do cacique Akiaboro

Educação e Missões

A Educação, comum nos discursos dos presentes, foi apresentada como capenga e de baixa efetividade. Atendendo a variantes próprias de cada comunidade, o ponto agrupador das falas definiu a Educação como preocupação geral das comunidades tradicionais. A baixa ou inexistente oferta de ensino força o êxodo de integrantes desses grupos, que saem de seus lugares de origem em busca de maior acesso à escolaridade. Esse fenômeno esteve presente tanto nos depoimentos de quilombolas, quanto de indígenas.

O mediador, professor José Jorge, aproveitou para discutir a necessidade de ofertar, agregado ao ensino ocidental moderno, aspectos das sabedorias populares. A autoridade do saber tradicional deve, segundo ele, ser respeitada, assim José Jorge propõe uma nova aliança, unindo os saberes, ocidental moderno e tradicional. Professor Kazadi, por sua vez, atentou para a relativização da importância singular da formação acadêmica. Segundo ele, que é membro da Academia, as sabedorias tradicionais são importantes para as comunidades e para a sociedade, como um todo.

A presença de missões em terras indígenas, e o crescimento das religiões ocidentais cristãs nas comunidades tradicionais foram tratados como conflitantes à cultura e religiosidade dos povos reunidos no Encontro de Lideranças Quilombolas. Filha de terreiro, educadora e quilombola, Jô Brandão descreveu que o ataque ao sagrado, para cada povo, fere a identidade dos povos.

“É com festa que a gente faz política”

De Cromínia, interior de Goiás, Valdivino Alves da Silva, filho do Quilombo Nossa Senhora Aparecida, relatou uma ocorrência de conflito na comunidade. Com emoção nas palavras, Valdivino situou a todos a última peleja por território envolvendo seus companheiros.

O governo municipal de Cromínia promoveu uma tentativa de retirar do Quilombo Nossa Senhora Aparecida parte das terras utilizadas pelo grupo, onde ocorre o plantio de culturas que atendem à necessidade de alimentação dos locais, e que pertencem à Secretaria Estadual de Educação, ou seja, esfera de governo alheia à prefeitura municipal.

A disputa teve, em seu curso, a apreensão de alguns tratores utilizados pelo Quilombo, promovida pela Polícia Civil. Segundo Valdivino, as famílias ficaram sitiadas em acampamentos para impedir a ação policial. Após mediação e intervenção do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Incra, e da Semira e de negociação com o prefeito e a comunidade, parte da terra foi devolvida aos quilombolas. A porção reintegrada pela prefeitura permanece, de acordo com o Valdivino, devoluta, sem uso.

Dona da expressão que nomeia o intertítulo acima, e participante do Encontro de Saberes, a administradora Rita Honotório desenvolveu sua fala na importância da consciência negra e ainda da consciência dos brancos em se responsabilizar e mudar a herança de exclusão que descende da colonização portuguesa.

Rita cobrou da organização do Encontro que a reunião resultasse em um documento, contendo todas as questões levantadas durante o debate, para que, assinada por todos os representantes presentes, fosse enviada aos patrocinadores do evento e às entidades relacionadas.

De pronto, a produtora executiva do XII Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, Jussara Pinto, se responsabilizou a disponibilizar o áudio da ocasião, que será encaminhado à UnB.

Encerrando o momento de troca de experiências, o Pajé Kissibi, Dessana, do Estado do Amazanos, realizou uma bênção a todos os presentes.

http://www.encontrodeculturas.com.br/2012/noticia/536/encontro-de-liderancas-quilombolas-promove-troca-de-experiencias

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