Com desvalorização da moeda local, costureiros escravizados têm escapado de oficinas clandestinas de Buenos Aires para tentar a sorte em São Paulo. Constatação é de organizações que combatem a prática
Texto e fotos Daniel Santini
Buenos Aires – Cada vez mais, costureiros bolivianos explorados na Argentina têm migrado para o Brasil, segundo organizações diretamente envolvidas no combate ao trabalho escravo no país. A desvalorização do peso argentino e a instável situação econômica têm levado muitos imigrantes bolivianos a escapar das oficinas clandestinas de Buenos Aires para tentar a sorte nas de São Paulo.
“É uma crescente, temos tido notícias de cada vez mais gente viajando após indicações de parentes e conhecidos”, relata José Luis Gonzalez, do Instituto Nacional de Tecnologia Industrial, responsável pelo Centro Demonstrativo de Indumentária, pólo industrial formado por cooperativas de costureiros, uma alternativa ao modelo baseado em condições degradantes e jornadas exaustivas. Ainda não há levantamentos precisos ou dados oficiais sobre o fluxo recente de migrantes entre os dois países.
Assim como no Brasil, a exploração de trabalho escravo nas oficinas de costura da Argentina está relacionada ao tráfico de pessoas e as contratações de trabalhadores de outras regiões costumam ser clandestinas. São comuns os casos em que aliciadores percorrem regiões rurais da Bolívia em busca de novos empregados para oficinas. “Sabemos de casos de migração não só de famílias, mas de povoados inteiros”, conta Néstor Omar Escudero, responsável por administrar o complexo de cooperativas do pólo industrial.
Assim que chegam no país, muitos dos que viajaram atraídos por promessas de trabalho e ganhos, acabam em oficinas clandestinas, submetidos a jornadas de mais de dez horas em condições degradantes. Não são raros os casos em que as passagens e demais custos da viagem são descontados dos salários e os costureiros acabam endividados permanentemente, trabalhando sem receber – o que configura servidão por dívida.
Temendo problemas com as autoridades, muitos dos imigrantes evitam denunciar abusos. Na Argentina, para tentar minimizar a questão e diminuir o poder dos donos de oficinas clandestinas, o governo autorizou a emissão de documentação provisória, um registro que ficou conhecido entre os bolivianos locais como a “precária”. O programa, no entanto, tem recebido críticas. De acordo com a Fundação Alameda, organização reconhecida por sua atuação no combate ao trabalho escravo no setor têxtil, muitos dos empresários aproveitam a falta de informações sobre o registro para vender aos seus empregados o documento provisório, que é gratuito. Depois, utilizam o registro como uma prova de que procuraram regularizar a produção clandestina. No Brasil, imigrantes preocupados em regularizar a situação também tiveram problemas durante o último processo de anistia, conforme denunciado pela Repórter Brasil.
Frente internacional
Ao mesmo tempo em que redes internacionais de tráfico de pessoas e exploração de trabalho escravo se consolidam e fluxos de transferências se intensificam conforme a situação econômica de países e regiões, organizações e governos articulam ações conjuntas e intercâmbios para fortalecer a defesa de Direitos Humanos e o combate internacional à prática.
Na Argentina, a Fundação Alameda estabeleceu uma parceria com organizações do sudoeste asiático para a venda de produtos feitos por trabalhadores em condições dignas, muitos dos quais resgatados da escravidão. As peças, que recebem a etiqueta “No Chains” (sem correntes, em inglês), são produzidas por uma cooperativa ligada à Alameda e por grupos associados na Ásia. As imagens que ilustram as roupas da marca são escolhidas por meio de um concurso internacional de desenhos e normalmente trazem idéias relacionadas à liberdade e dignidade humana. Em Buenos Aires, é possível encontrá-las no Mercado Bonplaná, em Palermo, que além de roupas produzidas sem trabalho escravo, apresenta também outros itens feitos com preocupação socioambiental, tais como alimentos produzidos sem veneno por pequenos agricultores.
http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=2086