Os “podres poderes” em Roraima

Jaime Brasil*

“Podres Poderes” é o nome de uma música de 1984, em que Caetano Veloso fazia um paralelismo entre as belezas que a arte e a cultura podem proporcionar e as desgraças e misérias que a má política pode produzir.

Definitivamente a arte e o conhecimento sempre foram usados como referência para a comparação entre as culturas e civilizações no tempo e no espaço. É comum dizer-se que determinada civilização foi importante pela produção artística e de ideias. Mas, sem dúvida, a forma como a sociedade é organizada também é um parâmetro importante nessa aferição. Sociedades desiguais e cruéis em oposição às sociedades mais solidárias e justas.

E não há outra saída: a ação política, o compromisso com o seu tempo e seu espaço, é o único caminho para as transformações sociais na busca de um mundo melhor.

A música de Caetano em certo momento diz: “Enquanto os homens exercem seus podres poderes, morrer e matar de fome    de raiva e de sede são tantas vezes gestos naturais…”, para contrapor aponta, em outro momento: “Será que apenas os hermetismos pascoais os tons, os mil tons, seus sons e seus dons geniais nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais…”

Se transportarmos essa comparação, esses opostos da realidade para Roraima veremos que passamos por um momento visivelmente paradoxal, meio “barroco”, cheio de contradições antipodais, a exemplo da letra da música comentada.

Não me lembro de ter vivido em Roraima um momento de maior efervescência na área cultural e artística.

Musicalmente temos a consolidação e o reconhecimento popular da música regional que começou a ser mais consistentemente produzida e divulgada no início dos anos 1980. Hoje a “Casa do Neuber” e o “Porto do Babazinho” recebem pessoas de todas as idades, majoritariamente jovens, para apreciar a música feita em Roraima. Há sempre lançamentos de novos e belos trabalhos, como é o caso dos Cd´s de Serginho Barros, Pedro Linke e Renato Costa e por aí vai.

O selo musical “Do Quintal” capitaneado por Bebeco Souto Maior, e do qual também sou colaborador, acaba de lançar o primeiro trabalho oficial da banda JamRock, uma grata e promissora revelação musical.  A cena Rock, chamada de “indie”, está de vento em popa com dezenas de bandas, ocupando diariamente espaços como o Chacrinha Chopp e o bar Motoclube, sem falar nos inúmeros festivais.

Livros de poemas também não faltam. Roberta Cruz com seus haikais e Rodrigo Mebs com sua verve teatral, são bons exemplos desse novo momento.

No audiovisual temos uma ampla produção de documentários e também de ficção. Recentemente “O Estranho”, curta-metragem roraimense, chegou a ganhar prêmios em festivais Brasil afora.

A fotografia em Roraima também possui um exército de grandes artistas que fazem da captação das imagens algo sempre inusitado, surpreendente e belo.

Nas artes plásticas temos novidade também. Jaider Esbell revela-se com uma obra densa e desconcertante. Mas, longe dos adjetivos possíveis para classificar a sua obra, o que Jaider faz é uma obra substantiva, de profunda essência. A execução de seus trabalhos, com suas árvores místicas e suas aves dos jardins de Makunaima, reflete o melhor espírito da nossa gente e da nossa terra. O trabalho pictórico de Jaider é o perfeito exemplo do que Roraima pode produzir de melhor.

Mas, como dizia Caetano, os podres poderes continuam sem deixar que toda essa beleza e fertilidade tomem conta da realidade, do cotidiano da nossa sociedade, das nossas vidas.

Provavelmente, enquanto o grande escultor Antony Jamaica tirava lascas de alguma peça de madeira para produzir beleza, madeireiras se aliavam com servidores públicos corruptos para destruir as nossas florestas.

Enquanto mais um acorde era elaborado por Neuber Uchôa, alguém, em algum gabinete, tramava para criar latifúndios e se apropriar e destruir o patrimônio natural que serve de inspiração para criação de músicas.

Enquanto Ed Júnior tirava mais uma fotografia dos lagos de Roraima, a CAER jogava o esgoto in natura nas águas do rio Branco e do igarapé Mirandinha.

Possivelmente, enquanto George Farias escrevia mais um belo poema sobre o amar e o querer, a ganância de alguns envenenava o rio Mucajaí de mercúrio.

Enquanto Ben Charles criava timbres imprevisíveis à margem do Rio Branco para fazer transcender a nossa percepção, no outro lado do Rio, agrotóxicos eram lançados por um pequeno avião.

Há muitos mais heróis nesta história, gente que enche Roraima de orgulho e de beleza. Mas há muitos malfeitores que querem destruir direta e indiretamente a possibilidade de felicidade por aqui.

Está na hora de virar o jogo, e a arte passar a influenciar a política. Este é o momento de começarmos a unir as nossas melhores potencialidades para encurralarmos esses que exercem seus podres poderes em detrimento da beleza natural e cultural que nos cercam.

*Defensor Público

http://www.folhabv.com.br/Noticia_Impressa.php?id=133043. Compartilhada por Bruno de Campos Souza.

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