A portaria 303, publicada no Diário Oficial da União de ontem (17), regulamenta a atuação de advogados e procuradores em processos judiciais relacionados a terras indígenas em todo o país. Além disso, o documento assegura a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena independente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à Fundação Nacional do Índio (Funai); permite a instalação de bases, unidades e postos militares no interior das reservas; assegura a instalação de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte; proíbe a ampliação de terra indígena já demarcada e faz uma série de limitações ao uso da terra pelos próprios indígenas, exigindo que para a realização de algumas atividades seja pedida autorização do Congresso Nacional.
A Portaria foi publicada e entra em vigor três anos após o julgamento do Supremo Tribunal Federal que homologou a demarcação em área contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol. Para o Conselho Indigenista, as condicionantes presentes nos seis artigos da portaria desvirtuam a decisão anterior da Suprema Corte sobre o caso.
O Cimi também critica a decisão de que sejam revistos os procedimentos em cursos que não estejam de acordo com a recente portaria, de forma que sejam “revistos e adequados” até mesmo os procedimentos que já foram finalizados. A determinação está no artigo 3º e deixa claro: “Os procedimentos finalizados serão revisados e adequados à presente Portaria”.
“Esse dispositivo previsto no artigo 3 da referida portaria, constitui-se um ato inconsequente e de extrema irresponsabilidade na medida em que propõe a revisão das demarcações de terras já concluídas, o que geraria uma instabilidade jurídica e política sem precedentes. Na prática, isso significaria a conflagração generalizada de conflitos fundiários envolvendo a posse das terras indígenas, inclusive a reabertura daqueles anteriormente solucionados com o ato demarcatório”, alerta o Cimi denunciando que a intenção do governo brasileiro é tentar estancar de vez os procedimentos de reconhecimento de demarcação de terras indígenas no país.
O Conselho Indigenista garante que não vai baixar a cabeça diante deste ato de profundo desrespeito e afronta aos indígenas e seus direitos constitucionalmente garantidos. Por isso, assegura que, junto aos povos indígenas do Brasil, vai lutar juridicamente até o fim para garantir o respeito a estes direitos.
Caso Raposa Serra do Sol
Administrativamente, a demarcação da terra indígena Raposa Terra do Sol foi finalizada em maio de 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, isto não foi o bastante para que a terra fosse total e imediatamente ocupada pelos povos indígenas. Com a edição do devido decreto presidencial teve início uma operação policial para retirar oito grandes arrozeiros e 50 famílias de agricultores que ocupavam parte da área. Eles teriam até março de 2006 para sair, mas a verdade foi que muitos permaneceram na região.
Em março de 2008, a Procuradoria Geral da República recomendou ao governo federal a remoção dos que ainda insistiam em permanecer na área. A partir daí teve início uma operação da Polícia Federal para tirar os não-índios (comerciantes, arrozeiros e pequenos proprietários rurais), mas estes não se renderam e resistiram violentamente, provocando a suspensão da operação até que as ações contrárias à homologação fossem julgadas pelo STF.
O julgamento das ações, que começou em agosto de 2008, terminou em março de 2009, por dez votos a um do STF, com a decisão pela demarcação contínua da terra indígena. A demarcação não-contínua era pedida pelos arrozeiros diante da alegação de que os indígenas não ocupavam toda a área.
Durante todo este tempo, indígenas e outros atores sociais envolvidos na luta perderam a vida sem conseguir realizar a aspiração de ver a Raposa Serra do Sol entregue inteira e oficialmente aos quase 20 mil indígenas residentes na área.
Com informações do ISA.
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=68908