CE – Carta Aberta das Comunidades Indígenas Tapeba

No último dia 22 de Junho de 2012, fomos surpreendidos por mais uma investida cruel contra o nosso povo. Cerca de 200 policiais do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Ceará invadiram a Aldeia Sobradinho, localizada às margens da BR 020 para garantir o cumprimento de um Mandado de Reintegração de Posse em favor do grupo econômico REMAR PARTICIPAÇÕES. O grupo equipado de todo aparato policial estava preparado para guerra. Fortemente armados, com inúmeras viaturas, trator e até helicóptero. Os policiais acompanhados de um oficial de justiça e do advogado da Empresa Remar Participações mesmo com a presença de crianças, idosas e gestantes no local, ordenaram que um trator demolisse todas as 10 casas existentes na parte sul da Aldeia Sobradinho, ignorando todo o clamor do nosso povo e até mesmo o pedido de suspensão da medida por parte do Coordenador Regional da FUNAI e do Analista em Antropologia do Ministério Público Federal.

Em nenhum momento tomamos conhecimento da existência desse Mandado de Reintegração de Posse. O Poder Judiciário do Ceará, através do Juiz da José Coutinho Tomaz Filho, da 3ª Vara Civil de Caucaia, infringiu os dois principais princípios do ordenamento jurídico brasileiro que é o princípio do contraditório e o princípio da Ampla Defesa, ao não permitir que sequer tomássemos conhecimento da ação judicial em curso e da liminar concedendo essa reintegração de posse.

Dentre as 10 casas demolidas no local estava à casa do nosso Cacique, que pela segunda vez presenciou a sua demolição. Na primeira vez, há cerca de 2 anos, com o mesmo artifício descrito anteriormente, a Cavalaria da Polícia Militar do Ceará deu todo o suporte para a demolição da casa de nosso líder sem que tomássemos conhecimento dos reais motivos daquela ação e que até hoje paira a impunidade.

Por conta da lentidão no processo de regularização da nossa terra, que já se arrasta por mais de 30 anos, acabamos sendo vulnerabilizados por todas as intervenções do Estado em nossa área, diminuída pelo crescimento urbano e instalação de empreendimentos. Por duas oportunidades o mesmo Poder Judiciário que agora determinou a demolição de nossas casas também invalidou os processos de regularização fundiária publicados em diários oficiais, condenando o nosso povo em favor dos grandes interesses econômicos e políticos da região. Diante de todas essas atrocidades cometidas contra o nosso povo, a sociedade não poderá mais omitir ou invisibilizar tais questões. Os fatos ocorridos nos deram mais forças para continuarmos lutando e resistindo contra a opressão do próprio Estado Brasileiro.

No mesmo dia da demolição das casas, bloqueamos a BR 222 que corta a nossa terra num perímetro de 09 km, denunciando o caso e solicitando a publicação do relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Tapeba no Diário Oficial da União e do Estado e afixado na sede da Prefeitura Municipal de Caucaia, como preconiza o Decreto nº 1.775/96 e seja garantida a construção de todas as casas demolidas arbitrariamente na aldeia Sobradinho.

Não é coincidência que o mesmo oficial de justiça tenha sido designado, dias depois, para acompanhar a demolição da casa do nosso cacique e agora mais uma vez acompanhou com tamanha crueldade a demolição dessas dez casas. Todos esses indícios só nos levam a crer que houve a venda de sentença para esse grupo econômico, devendo o Conselho Nacional de Justiça apurar tais fatos e caso seja necessário as devidas aplicações das sanções previstas em lei para esses casos de manipulação ou venda de sentenças.

Por fim, deixamos claro que não abandonaremos a nossa área, permanecendo no local com a força de Pai Tupã, Mãe Tamaim, dos nossos encantados e dos espíritos das matas. Mesmo com toda a nossa segurança espiritual, caso haja o tombamento de algum irmão nosso no local, a justiça já saberá quem serão os responsáveis. Decidimos por tanto, que bloquearemos o tráfego da BR 222 ou 020 pelo menos duas vezes por semana, até que seja garantida a publicação do nosso Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Tapeba em Diário Oficial pela FUNAI e até que seja garantida a construção de todas as casas demolidas na ação, decisão que deverá ser tomada pelo Governador Cid Gomes, já que foi o estado o responsável pela ação no local.

Caucaia/CE, 28 de Junho de 2012.

[CEARA] CARTA ABERTA DAS COMUNIDADES INDÍGENAS TAPEBA

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