Semiárido nordestino enfrenta uma das piores secas da história

Programas como instalação de reservatório e fornecimento de carros-pipas mantêm os nordestinos em suas terras apesar do rigor da seca deste ano

Até mesmo as cabras, animais resistentes à falta de água, têm dificuldade de encontrar alimento   (Gustavo Magnusson/Fotoarena/Folhapress)
Até mesmo as cabras, animais resistentes à falta de água, têm dificuldade de encontrar alimento

Paula Filizola – Correio Braziliense

Picos (PI) — Dois mil e doze. O ano, com certeza, trará lembranças diferentes aos brasileiros. Enquanto alguns já começaram a contagem regressiva para os jogos da Copa do Mundo de 2014, outros estão com os olhos voltados para as eleições municipais. Em um cenário bem diferente, mas também cheio de expectativas, este ano será lembrado por muitas famílias do semiárido nordestino como uma das piores secas da história. Entretanto, o drama dos retirantes descrito no romance Vidas secas, publicado em 1938 pelo escritor alagoano Graciliano Ramos, não é mais tão presente. O abandono de residências é menos frequente e a população não precisa mais migrar para sobreviver à estiagem.

Apesar de melhorias e de estarem acostumados com o fenômeno, que é cíclico, 2012 será recordado com tristeza. Até o momento, 1.187 municípios tiveram a situação de emergência decretada pelo governo federal. Mesmo quem já viveu para contar períodos históricos da estiagem, caso da aposentada Maria Francisca de Carvalho Costa, de 74 anos, que não hesita em garantir que passa agora pelo momento mais severo. “Já vi duas grandes secas, mas não como esta. Não choveu de jeito nenhum.” E ela sabe que 2013 será pior, pois, sem chuva, as famílias não conseguiram plantar para a colheita no ano que vem. Levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que as perdas das culturas de milho, feijão e arroz superam 80%.

Matriarca de uma família de 11 pessoas, Maria Francisca reclama da falta de água. Moradora da comunidade Deserto, no município rural de Massapê, a 388 quilôemtros de Teresina (PI), conta que a última chuva forte que “deu para encher as cisternas” foi em novembro do ano passado. O normal da região são oito meses sem precipitações. Porém, este ano, no período esperado para chover, não caiu uma gota.

Ainda assim, a aposentada garante que a sobrevivência no semiárido melhorou, principalmente, por causa da água que chega em carros-pipa da prefeitura e as cisternas instaladas pelo programa Um milhão de cisternas (PIMC) — parceria do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) com a rede de mais de 750 grupos da sociedade civil, unidos por meio da organização Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA). “As cisternas melhoraram bastante e não falta comida. Os animais também sofrem menos”, comenta Maria Francisca.

Em uma comunidade próxima à de Francisca vive a família de José Benedito dos Santos Neto. O pedreiro de 42 anos mora com a mulher, Antonieta, três filhos e uma idosa. Eles também são beneficiários do PIMC, que distribui cisternas de 16 mil litros e capturam água para beber e cozinhar. Antes da instalação, José lembra que a família chegava a andar mais de três quilômetros para cavar buracos na terra e conseguir água. Com a mudança, até o desempenho dos filhos melhorou na escola — fenômeno revelado em pesquisa de 2007 da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), que aponta que crianças e adolescentes com cisternas em casa são mais presentes nas instituições de ensino.

Atualmente, a propriedade da família tem também a cisterna calçadão, que junta água da chuva para lavar roupa, tomar banho e outras atividades. O sistema ainda não funciona porque desde a sua instalação não chove. O programa de benefícios da ASA — para o qual todos os beneficiários são capacitados — garante que as famílias ganhem, além das cisternas, canteiros produtivos. Antonieta tem três e cuida deles com dedicação. No entanto, por causa da seca só um tem mudas crescendo.

As tecnologias de convivência com o semiárido são, na opinião de José, um dos motivos da melhora na qualidade de vida. O outro é o programa Bolsa-Família, de transferência de renda do governo federal. “Com essas ajudas, melhorou bastante a vida. Quem mora na zona rural passa necessidade ainda, mas fome não”, garante o pedreiro, que recorda as piores estiagens que já enfrentou: 1983, 1993 e a de agora.

Déficit hídrico

O quadro é alarmante. Dados meteorológicos já classificam a atual seca como a mais severa dos últimos 30 anos. O fenômeno climático, porém, obedece a padrões. Sua ocorrência está enraizada na história do Brasil, com registros de secas no Nordeste desde o povoamento pelos portugueses há mais de 500 anos. Estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mostram que o mais comum no Nordeste é que a seca se manifeste de duas formas: de 10 a 13 anos ela obedece a um ciclo moderado, que, em alguns casos, pode chover e até causar inundações; a outra ocorre a cada 26 anos. Nesses casos, a seca pode se prolongar por até seis anos. Desde 2005, o Nordeste brasileiro apresenta esse padrão. Isso não quer dizer, porém, que não chova. Chove, mas abaixo da média natural.

A região do semiárido brasileiro apresenta o chamado déficit hídrico — a quantidade de água que evapora é três vezes maior do que as precipitações. A situação está pior agora por causa da previsão de estiagem até 2016. A meteorologia estima que chuvas vigorosas só molharão as terras do Nordeste daqui a quatro anos. Até lá, o nordestino terá de ser ainda mais guerreiro.

Os critérios

Para ser beneficiado por uma cisterna ou qualquer outra tecnologia do governo federal, em parceria com a ASA, as famílias precisam ser selecionadas a partir dos critérios: mulheres chefes de família, famílias com crianças de até 6 anos, crianças e adolescentes frequentando a escola, adultos com idade igual ou superior a 65 anos e portadores de necessidades especiais. A seleção, bem como a instalação, é feita com a ajuda de um comitê, composto por membros de igrejas, sindicatos ou associações.
A proposta é mudar o paradigma das políticas de combate à seca, levando o desenvolvimento sustentável à região. Os beneficiários participam de capacitações, nas quais aprendem a não usar agrotóxicos, não promover queimadas ou desmatamentos. As iniciativas estimulam também a criação de animais de pequeno porte, adaptados ao clima semiárido, como o bode e a ovelha. O gado, por exemplo, come e bebe muita água, por isso, não resiste muito na seca.

Sol derrete cisternas

Para quem vive no sertão nordestino, ter uma cisterna representa mais tranquilidade nos períodos severos de estiagem. No entanto, em algumas regiões os reservatórios estão se tornando uma dor de cabeça. Há dois modelos de cisternas sendo instaladas pelo governo federal: as de placa de cimento e as de polietileno. Por causa do extremo calor, as feitas de plástico estão ficando deformadas.

Segundo o último balanço do Ministério da Integração, foram instalados 9.444 reservatórios de polietileno, que custam em média R$ 5 mil. Desse total, o município de Petrolina (PE) dispara na frente, com 3,769, seguido por Alagoas, com 2,155, e Bahia, 1,036. Já o MDS tem 460 mil cisternas construídas, no valor de R$ 2.100 cada.

Levantamento oficial do Ministério da Integração indica 41 cisternas deformadas até o momento, sendo duas em Cedro (PE) e 39 em Paulistana (PI). A pasta informou que as cisternas defeituosas serão trocadas sem custo e ajustes para corrigir as deformações estão sendo promovidos na produção de novos reservatórios. O ministério garantiu que as cisternas de polietileno são concebidas para resistir a altas temperaturas.

http://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2012/07/16/interna_nacional,306206/semiarido-nordestino-enfrenta-uma-das-piores-secas-da-historia.shtml#.UAQBJwXFwHQ.gmail. Enviada por José Carlos.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.